Folha de S. Paulo


'Não estão mortos nem vivos, estão desaparecidos'; veja frases de Videla

"Não estão nem mortos nem vivos, estão desaparecidos." A frase do ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla, que morreu nesta sexta-feira aos 87 anos, reflete as obscuras convicções que lhe transformaram em um dos principais ideólogos e executores da mais sangrenta ditadura argentina (1976-81).

Foi dita em 1979, quando, então presidente de fato, deu uma entrevista na qual um jornalista lhe perguntou sobre uma menção que o papa João Paulo 2º havia feito sobre o desaparecimento de pessoas.

"Se o homem aparecesse, teria um tratamento 'X'; se a aparição se transformasse em certeza de seu falecimento, teria um tratamento 'Z'; mas, enquanto for desaparecido, não pode ter um tratamento especial: é um desaparecido, não tem entidade, não está morto nem vivo, está desaparecido. Diante disso não podemos fazer nada", afirmou.

O ditador morreu em uma prisão comum, onde cumpria pena perpétua pelas mortes de 30 mil pessoas, de acordo com estimativas de direitos humanos, e pelo sequestro de mais de 500 bebês de guerrilheiros e de militantes desaparecidos que acabaram entregues a famílias de militares.

Perante um tribunal, Videla disse que "as parturientes eram militantes ativas da maquinaria do terror" e que "muitas usaram seus filhos como escudos humanos".

O argentino nunca se arrependeu de seus crimes e, inclusive, reivindicou a ação do regime militar.

"Não, não se podia fuzilar. Ponhamos um número, ponhamos 5.000. A sociedade argentina não teria suportado os fuzilamentos. [...] Não havia outra maneira. Todos estávamos de acordo. E quem não estava de acordo se foi. Informar onde estão os restos? O que podemos dizer? O mar, o rio de La Plata...", disse, em 1998.

Revelou que chegou a pensar em divulgar as listas dos desaparecidos pela ditadura, mas que depois pensou que, se fossem dados como mortos, "em seguida viriam as perguntas que não poderíamos responder: quem matou, onde, como".

TERRORISTAS

Em 2011, em entrevista, disse que o objetivo do regime militar "era disciplinar uma sociedade anarquizada; com relação ao peronismo, sair de uma visão populista, demagógica; com relação à economia, ir a uma economia de mercado, liberal; queríamos também disciplinar o sindicalismo e o capitalismo prebendário".

Sua "cruzada" contra os insurgentes ia além da guerrilha para cujo extermínio justificou o golpe de Estado. Assim, declarou certa vez que "um terrorista não é só alguém com um revólver ou uma bomba, mas também aquele que propaga ideias contrárias à civilização ocidental e cristã".

PERSEGUIÇÃO

Nos julgamentos contra si, Videla garantiu ser um "preso político".

Em 2012 que o atual governo de Cristina Kirchner e antes o de seu marido, Néstor Kirchner, não buscavam Justiça, mas vingança, com estímulo aos julgamentos dos militares envolvidos na ditadura.

"São todos julgamentos políticos, como parte dessa vingança, dessa revanche, como parte do castigo coletivo com que se quer punir as Forças Armadas", disse Videla em entrevista à revista espanhola "Cambio 16".

Em declarações publicadas por essa mesma revista no último mês de março, o ex-presidente de fato convocou os militares a pegar em armas.

"Quero recordar a meus camaradas, principalmente aos mais jovens, que hoje têm idades entre 58 e 68 anos, que ainda estão em aptidão física de combater; que, caso continue este injusto encarceramento e denotação dos valores básicos, façam valer o dever de armar-se novamente em defesa das instituições básicas da República", afirmou.

Segundo Videla, as instituições estão "avassaladas por este regime kirchnerista liderado pela presidente Cristina e seus seguidores, que, crescendo com o sangue dos outrora mal chamados jovens idealistas, continuam afundando a pátria no abismo anacrônico do marxismo".

Suas palavras, quando este ano se completarão três décadas de retorno à vida democrática na Argentina, causaram um repúdio generalizado na sociedade. "Deus sabe o que faz, por que faz e para que faz. Eu aceito a vontade de Deus. Acho que Deus nunca soltou minha mão", comentou.


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