Folha de S. Paulo


Acesso a bens cresce na Venezuela, mas serviços patinam

O assistente técnico Ricardo Jaramillo está na fila para pagar sua nova aquisição: uma TV de plasma 3D de 42 polegadas, pela qual pagará três vezes o valor do seu salário mensal.

Estamos no centro de Caracas, na meca do consumo da Venezuela "socialista", uma unidade da rede de supermercados estatal Bicentenário, expropriada do grupo francês Casino em 2010 e inaugurada por Hugo Chávez no ano passado.

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As paredes levam frases suas, o elevador, sua assinatura, e uma placa avisa: "preço justo".

Jaramillo comemora porque sua TV de última geração vai sair por 14.500 bolívares fortes (R$ 4.603, se convertidos no sobrevalorizado câmbio oficial), enquanto sua pesquisa em lojas privadas mostrou preços maiores.

Além de ser comprador do Bicentenário, ele aproveita os "operativos", feiras do governo que vendem comida mais barata, e ajuda a família a pagar as despesas para os cinco filhos.

Mais adiante, está Bernarda González, 52, que comprou uma TV de plasma mais simples no Bicentenário (pelo equivalente a R$ 560) e espera para adquirir, no mesmo complexo, um ar-condicionado do programa estatal de venda subsidiada de eletrodomésticos, o "Minha Casa Bem Equipada".

Jaramillo e González são parte da Venezuela que viveu, nos anos Chávez, espécie de "revolução do consumo" -expansão que abarcou todas as classes, mas que deu especialmente aos estratos mais baixos a certeza de estar melhorando de vida.

Para eles, as filas enormes nos poucos caixas disponíveis, os avisos no alto-falante sobre os limites de compra por pessoa ou o desabastecimento de produtos nesse e noutros centros de compras não é, até agora, o mais relevante na hora de avaliar o governo.

Com inflação atual de 25% ao ano, economizar vale as dificuldades, como explica Norkys Ramones, 42, para quem o Bicentenário significa poder incluir carne, frango e peixe no carrinho.

Desde que Chávez chegou ao poder, em 1999, até o ano passado, o dinheiro de petróleo financiou o aumento do consumo privado em 50%, diz a consultoria Econométrica.

No período, a queda da pobreza foi de 20 pontos percentuais e o IBGE venezuelano diz que, entre 2005 e 2012, 1 milhão de famílias passaram a comer carne regularmente.

Pesquisa do Datanálisis de 2012 diz que nada menos que 70% dos mais pobres, com renda de até R$ 952 que formam 43,9% da população, têm máquina de lavar -atribui-se parte do índice ao programa governamental, que diz ter distribuído 2 milhões de unidades de linha branca de origem chinesa em 2012.

"A Venezuela sempre teve índices de consumo mais altos que os vizinhos, mas o poder de compra dos mais pobres aumentou. Todas as empresas estão fazendo estudos para entender a demanda desse público", diz à Folha Teresa Cruz, gerente de projetos e marketing da Datos, que realiza o estudo "Pulso do Consumidor" na região.

Pelos números da Datos, o número de lares com TVs era 88,6% em 2009 e passou a 98,6% em 2012. Desse percentual, 25,6% é de TVs modernas, de plasma ou LCD.

PORTA PARA FORA

Dada a expansão do consumo, o Datanálisis diz que são os serviços -saneamento, segurança, transporte- e não os bens que definem a que classe se pertence.

Da "porta para fora" de casa, a melhora foi muito menos palpável em saneamento, acesso a água corrente e transporte, sem falar no principal problema segundo as pesquisas: o aumento da violência.

Cerca de 50% dos venezuelanos ainda vivem em casas construídas por eles mesmos, segundo a Datas, o índice mais alto da região andina.

Para analistas, é a demanda por melhora de serviços e gestão que marcará o próximo governo. A outra pergunta é: o nível atual de subsídio ao consumo é sustentável?

O assistente técnico Jaramillo vai votar hoje em Maduro, mas admite que é uma aposta. "É como essa televisão. Estou vendo aqui na caixa, mas não sei como funciona."


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