Folha de S. Paulo


Premiê britânica revolucionou a economia e atraiu a ira da esquerda

A mulher que transformou a política do Reino Unido, ajudou a enterrar a Guerra Fria e serviu de ícone para governos neoliberais em todo o mundo morreu ontem aos 87 anos, em Londres, vítima de um derrame cerebral.

Margaret Thatcher partiu "em paz", segundo um porta-voz da família, e terá um funeral com honras militares nos próximos dias.

Ela sofria de demência senil e estava afastada da política havia mais de uma década, por ordens médicas. Mesmo assim, continuava a ser a líder mais amada e odiada pelos britânicos, como indicaram as reações à sua morte.

O governo conservador decretou luto oficial, e sindicalistas festejaram nas ruas de Londres e Glasgow.

Daniel Janin - 29.mar.87/AFP
Thatcher cumprimenta moscovitas em viagem oficial à União Soviética
Thatcher cumprimenta moscovitas em viagem oficial à União Soviética

Num país acostumado a se curvar diante de rainhas, Thatcher foi a única mulher até hoje a ocupar o cargo de primeira-ministra. Ficou no poder entre 1979 e 1990, um recorde desde o século 19.

Suas administrações foram marcadas pela privatização de empresas estatais, pelo confronto com os sindicatos e pelo fechamento de fábricas, o que resultou em violentos protestos pelo país.

No plano externo, ela combateu o fortalecimento da União Europeia, alinhou-se ao presidente americano Ronald Reagan na cruzada contra o comunismo e teve papel decisivo na pressão pelo fim da União Soviética.
O primeiro-ministro David Cameron, do Partido Conservador, disse que ela foi a líder mais importante desde Winston Churchill (1874-1965).

"A verdade sobre Margaret Thatcher é que ela não apenas liderou o nosso país. Ela salvou o nosso país", disse.

O líder da oposição trabalhista, Ed Miliband, mediu as palavras para demonstrar respeito e marcar as divergências com a conservadora.

"Discordamos de muito do que ela fez, e ela continuará para sempre como uma figura controversa. Mas podemos discordar e respeitá-la imensamente", afirmou.

David Hopper, dirigente do Sindicato Nacional dos Mineradores, expressou o ódio de uma das categorias mais atingidas por seu governo.

"Ela se esforçou para destruir os sindicatos. Dizimou a nossa indústria e destruiu as nossas comunidades."

DISCÓRDIA

Ao chegar a Downing Street para o seu primeiro dia de governo, em 5 de maio de 1979, Thatcher recitou um trecho da oração de Francisco de Assis: "Onde houver discórdia, que levemos a união".

A vaia de rivais que ouviam o discurso foi um prenúncio de que o clima predominante nos seus 11 anos no poder seria exatamente o contrário.

Com estilo duro, Thatcher conseguiu vencer a inflação e as greves que paralisavam o país antes de sua eleição, mas enfrentou forte rejeição popular. Caminhava para uma derrota nas urnas quando a ditadura argentina invadiu as ilhas Malvinas, em março de 1982.

Ela bancou a guerra, fazendo jus ao apelido de Dama de Ferro, e colheu os louros da vitória depois de dois meses de confronto. Garantiu a reeleição em 1983, mas sua tranquilidade só duraria até o ano seguinte, com uma nova onda de greves.

A divisão dos trabalhistas favoreceu uma terceira vitória em 1987, mas o triunfo sobre os soviéticos no front global não se refletiu em apoio na política britânica.

O hábito de colecionar inimigos em seu próprio partido fez com que Thatcher enfrentasse um movimento cada vez mais forte de aliados dispostos a derrubá-la. O golpe final veio em 1990, quando foi forçada a renunciar e passou o cargo ao ex-assessor John Major.

Quando os trabalhistas finalmente voltaram ao poder com Tony Blair, em 1997, tinham incorporado muitos postulados liberais impostos pela adversária histórica.

"O chamado novo trabalhismo mostrou que a influência de Thatcher foi universal. No fim das contas, ela conseguiu remodelar todos os partidos britânicos", disse à Folha o historiador Richard Vinen, professor do King's College e autor do livro "Thatcher's Britain".

A primeira-ministra morreu no hotel Ritz, onde estava sob cuidados médicos desde dezembro, quando foi internada para a retirada de um tumor na bexiga.

No fim da tarde, a reportagem contou 47 ramos e coroas de flores em frente à sua casa, em Belgravia, região nobre de Londres.

Mas uma caixinha de leite repousava como protesto solitário contra uma de suas medidas mais impopulares de corte de gastos: a retirada do leite gratuito nas escolas quando ocupava o cargo de ministra da
Educação, no início dos anos 70.

Editoria de Arte/Folhapress

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