Folha de S. Paulo


Islandeses desconfiam de plano chinês para campo de golfe no país

GRIMSSTADIR, Islândia - Grimsstadir é uma vastidão árida de neve e gelo varrida por ventos uivantes -um lugar especialmente ermo, mesmo para os islandeses, acostumados ao clima inóspito e ao isolamento.

Mas, graças a um magnata chinês, o lugar virou o cenário de uma bizarra saga islandesa envolvendo intrigas geopolíticas, dezenas de milhões de dólares e uma série de teorias conspiratórias.

Huang Nubo, ex-funcionário do Departamento de Propaganda Política do Partido Comunista Chinês e hoje construtor imobiliário em Pequim, quer construir no local um hotel de luxo e um campo de golfe para chineses interessados em ar puro e isolamento.

"Nunca pareceu um plano de negócios muito convincente", comentou o ministro do Interior islandês, Ogmundur Jonasson, que, no ano passado, rejeitou um pedido de isenção de Huang às leis que limitam as aquisições de terras por estrangeiros. "É só olhar para a proposta por uma perspectiva geopolítica para ter dúvidas sobre suas motivações."

Depois de sua tentativa de comprar uma área desocupada e erma com mais de 260 km2 de superfície ter sido rejeitada, a empresa de Huang, a Zhongkun Group, agora quer arrendar o terreno com um acordo de leasing de longo prazo.

O chanceler islandês, Ossur Skarphedinsson, declarou que não vê razões para criar obstáculos ao plano de Huang de construir um hotel, previsto para custar mais de US$ 100 milhões, mas estranhou o desejo do empresário chinês de construir um resort em um local tão isolado, "onde quase é possível ouvir fantasmas dançando na neve". Quanto ao golfe, disse o ministro, "não parece uma ideia muito sensata naquele lugar".

Ilvy Njiokiktjien/The New York Times
Bragi Benediktsson estuda a possibilidade de vender sua terra a um magnata chinês que quer construir um campo de golfe
Bragi Benediktsson estuda a possibilidade de vender sua terra a um magnata chinês que quer construir um campo de golfe

As reações de perplexidade provocaram muitas especulações sobre o que o magnata chinês poderia estar pretendendo, e, possivelmente, as autoridades chinesas. Uma proposta do grupo Zhongkun de reformar uma pequena pista de pouso na área de Grimsstadir e de adquirir dez aeronaves suscitou discussões ansiosas sobre uma base aérea chinesa.

A relativa proximidade da área com fiordes profundos na costa nordeste da Islândia, perto de reservas petrolíferas marítimas, alimenta especulações sobre uma possível investida chinesa para construir uma instalação naval e ganhar acesso aos fartos recursos naturais do Ártico.

Rumores improváveis sobre mísseis e postos de escuta chineses levaram a receios sobre funcionários militares chegando sob o disfarce de carregadores de tacos de golfe.

Xu Hong, vice-presidente da empresa, rejeitou as especulações sobre uma finalidade militar ou qualquer outra motivação ulterior, dizendo que elas não passavam de "palpites de um pensamento pós-Guerra Fria".

Ela disse que Grimsstadir foi escolhida devido à "demanda do mercado chinês" por paz e silêncio. "Hoje a maioria dos chineses não quer viajar para lugares barulhentos e sujos."

Skarphedinsson ironizou a ideia de que Huang estaria liderando uma artimanha de Pequim para conseguir uma base de apoio estratégico na Islândia, país membro da Otan e inteiramente destituído de recursos militares. A Islândia fica ao lado de corredores marítimos que devem se tornar importantes com o aquecimento das águas do Ártico.

A China já declarou seu interesse por corredores marítimos que atravessem o Ártico e em usar a Islândia como centro de transportes, disse o chanceler. Mas, segundo ele, esses objetivos foram prejudicados pelas suspeitas desencadeadas por Huang.

A China está negociando um acordo de livre-comércio com Reykjavik, seu primeiro com um país europeu, e, em 2012, enviou seu primeiro-ministro da época, Wen Jiabao, em visita à Islândia.

No ano passado, um quebra-gelo chinês, o "Snow Dragon", fez uma escala no país, dentro de uma campanha de Pequim para ganhar acesso como observador no Conselho Ártico, organismo composto por Estados Unidos, Canadá, Rússia, Islândia e Estados nórdicos situados em águas árticas ou em suas proximidades.

A China já abriu, em Reykjavik, a maior embaixada de um país estrangeiro na Islândia, apesar de ter apenas sete diplomatas credenciados no país.

"Ninguém sabe o que diabos eles estão fazendo", comentou Einar Benediktsson, ex-embaixador da Islândia em Washington e crítico dos laços crescentes de seu país com Pequim. "A única coisa que sabemos é que, para a China, é muito importante conseguir uma base de apoio no Ártico. E a Islândia é presa fácil."

Huang ofereceu ao criador de ovelhas Bragi Benediktsson US$ 7 milhões por suas terras, as de alguns parentes e as de uma segunda família. Sua empresa disse que pretende erguer no local um hotel e resort cinco estrelas com cem apartamentos, chalés e um campo de golfe.

Comenta-se que prefeitos locais vão comprar as terras em Grimsstadir -com dinheiro fornecido pelo grupo Zhongkun- e arrendar uma parte delas a Huang.

No entanto, segundo Jonasson, o ministro do Interior, isso não muda o fato de que um complexo de hotel e campo de golfe "faz pouquíssimo sentido".


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