Folha de S. Paulo


Juventude católica deve se tornar contraponto a governo

Com o vigor e o entusiasmo de quem apenas se aproxima dos 20 anos de idade, eles cantam, dançam e saltam de alegria no meio da praça de Maio.

Enfrentando o atípico frio deste fim de verão portenho (até 6°C), os jovens da associação missionária Servidores do Evangelho e da Misericórdia de Deus estão dispostos a atravessar a madrugada ali, aguardando a cerimônia em Roma que confirmou anteontem o argentino Jorge Mario Bergoglio como o primeiro papa latino-americano.

A algazarra dá lugar ao silêncio e os sorrisos se desfazem quando a Folha pergunta a opinião deles sobre a presidente Cristina Kirchner.

Mais atirada do grupo, María Belen Lorenzo, 15, inverte o vetor da pergunta. "Acho que foi muito misericordioso e humilde o que o papa fez", diz. Ela se refere ao fato de que, na véspera do início oficial de seu papado, Bergoglio reservou o horário do almoço para um encontro com Cristina, em quem sempre teve muito mais uma adversária do que uma aliada.

O histórico de críticas mútuas entre a presidente e o cardeal é longo, mas foi um drama pessoal que marcou o maior desentendimento entre eles. Em 2010, quando Néstor Kirchner havia sido internado às pressas e submetido a uma operação para aliviar uma obstrução na carótida, Bergoglio enviou um sacerdote ao hospital em que se tratava o marido e antecessor de Cristina, com o declarado objetivo de oferecer conforto espiritual ao primeiro casal.

Mas Cristina enxergou no gesto mal disfarçada tentativa de dar a Kirchner uma precoce extrema-unção. O mensageiro não foi recebido.

IMPACTO

Segundo pesquisa do instituto Management & Fit feita entre os dias 13 e 15 deste mês, 52,4% dos argentinos avaliam que a eleição de Bergoglio como pontífice terá impacto no governo argentino. A estimativa de que o impacto será negativo é compartilhada por 47,3% do total.

No baralho político decorrente da ascensão de um desafeto do kirchnerismo ao Vaticano, a injeção de ânimo que o papa Francisco poderá dar na juventude católica também é vista como carta relevante. A Juventude Peronista constitui hoje importante base de apoio do governo, sobretudo em seu projeto de garantir um terceiro mandato para Cristina --meta que exige mudança constitucional.

A juventude católica poderia se situar como um contrapeso nessa balança.

"O jovem quer participar, quer ser transformador", diz à Folha o padre Mario Micelli, que prepara o "relançamento" da campanha pela participação argentina na Jornada da Juventude, prevista para julho, no Rio. "Agora estamos com força renovada."

Pablo Llauro, 21, é um jovem católico de família abastada que faz trabalho voluntário nas favelas da capital. Vassoura e produtos de limpeza em mãos, ele limpava, no domingo passado, um dos centros comunitários da favela Villa 21, onde Bergoglio teve firme atuação quando arcebispo de Buenos Aires.

"Dou uma mão, o que é uma forma de agradecer por tudo que tenho. Além disso, conheço muita gente e já fiz muitos amigos", afirma.

Segundo pesquisa de 2008 do instituto Conicet, a mais recentes disponível, 85,1% dos argentinos de 18 a 29 anos afirmam crer em Deus. Nessa faixa etária, 71,8% se declaram católicos. Considerando toda a população argentina, 91% dizem crer em Deus, e 76,5% se declaram católicos.

A Argentina não tem religião oficial, mas, por ser majoritário, o catolicismo tem a garantia constitucional de status diferenciado no país.

Para o analista político e professor da Universidade Católica Argentina Ignacio Labaqui, há poucas chances de a eleição de Bergoglio prejudicar a gestão de Cristina.

"Na verdade, o governo perde uma figura crítica, uma voz incômoda. Agora Bergoglio terá de se ocupar de toda a Igreja Católica, e não mais só da Argentina", diz ele.

Ivan Franco/Efe
Jovens católicas participam de vigília diante da catedral de Buenos Aires na segunda, véspera da 'posse' do papa Francisco
Jovens católicas participam de vigília diante da catedral de Buenos Aires na segunda, véspera da 'posse' do papa Francisco

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