Folha de S. Paulo


Análise: Apresentação do novo papa é marcada por simbolismos

A apresentação do papa Francisco, a começar pelo nome adotado, foi marcada por simbolismos.

São Francisco de Assis (1181/1182-1226) é o santo católico mais identificado com o serviço à pobreza, assim como a ordem religiosa que leva seu nome. Também é o patrono dos animais, da simplicidade, sendo muito popular entre denominações cristãs não-católicas como um exemplo de fé.

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Mas Francisco também é um santo conhecido por ter recebido a "stigmata", as feridas místicas que emulam no corpo do fiel as marcas no corpo do Cristo na cruz. Segundo sua história, ele foi o primeiro cristão a receber de forma registrada as feridas (em locais como pulsos e pés) --e morreu em decorrência, diz o relato, delas.

Assim, é possível ler na escolha do nome também a santificação e purificação através do sofrimento. E chagas são exatamente o que a Igreja Católica, simbolicamente, possui para curar hoje com seus inúmeros problemas administrativos, casos de corrupção, escândalos de pedofilia e desunião.

Como ainda não houve uma explicação oficial, é possível também que o nome Francisco seja uma alusão a são Francisco Xavier (1506-1552), um missionário espanhol da Companhia de Jesus que era muito próximo do fundador da ordem, Inácio de Loyola. Como primeiro papa jesuíta, a homenagem faz sentido.

Xavier era conhecido por seu trabalho missionário no Oriente, sendo apelidado de "o apóstolo das Índias", e morreu na China. No momento em que a Ásia se fortalece como polo de poder mundial e também campo para o crescimento do catolicismo, a escolha poderia ter esse viés simbólico também.

O novo papa também apresentou-se vestido apenas com a batina branca papal. Recebeu a estola vermelha e dourada apenas quando abençoou os fiéis. É um contraste com o gosto de Bento 16 pelas roupas ritualísticas --ele apareceu na janela da basílica de São Pedro todo paramentado em 2005, e ressuscitou ao longo de seu reino diversos mantos e chapéus ornados que haviam caído em desuso desde o pontificado de Paulo 6º.

Igualmente notável foi o pedido para que os fiéis presentes o abençoassem em oração silenciosa, antes de ele mesmo fazer a sua bênção. Bento 16 também pediu orações para si, mas não de forma tão enfática.

Novamente, há a sinalização da dificuldade da tarefa à frente e da necessidade de unidade na igreja em um momento inédito em seis séculos.

Por fim, uma curiosidade: o lenço papal estirado na janela não trazia nenhum brasão. Quando assumiu, Bento 16 usou o brasão de seu antecessor, o altamente popular João Paulo 2º, e só depois assumiu o seu próprio. Os brasões são uma reminiscência do tempo em que papas e cardeais tinham poderes temporais enormes, equivalentes aos da realeza.

O de João Paulo 2° era simples, apenas uma cruz com o M de Maria, a quem dedicava especial devoção. O de Bento, um elaborado conjunto heráldico com símbolos tradicionais. Resta saber qual será adotado por Francisco.


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