Folha de S. Paulo


Ar secreto da igreja inspira ficção, diz autor de suspense

Em um dos conclaves mais longos e polêmicos, o Vaticano foi invadido por ratos e escorpiões, um dos líderes da igreja morreu vestido de mulher e cardeais faziam banhos turcos ou danças africanas.

Tal reunião só aconteceu no universo da ficção, no romance "Conclave", de 2001, do italiano Roberto Pazzi.

No livro, publicado no Brasil em 2006 (editora Alfaguara), além de um fictício arcebispo brasileiro, africanos também concorriam entre os favoritos ao papado.

"Quando escrevi o romance, achava que já era tempo de a igreja escolher um papa que não fosse europeu. A Africa é o futuro da igreja, o terreno de expansão de sua evangelização", diz ele, que aposta algumas fichas no cardeal Peter Turkson, de Gana. Leia a seguir trechos da sua entrevista.

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Folha - Por que em seu romance quase todos os cardeais com alguma chance de serem eleitos eram ou africanos ou latino-americanos?

Roberto Pazzi - Quando escrevi "Conclave", a ideia de escolher um papa brasileiro, sul-americano ou africano era uma espécie de protesto. Esta opção estava diretamente relacionada às origens do cristianismo, quando a religião, difundida entre os escravos do Império Romano, era, além de um instrumento espiritual, uma maneira de fazer reivindicações sociais.

Hoje voltou com força a especulação de que pode ganhar um papa sul-americano ou africano. A Africa é o futuro da igreja, o terreno de expansão de sua evangelização. Atualmente tem muita força a candidatura do ganês Peter Turkson.

Como foi a reação da igreja na época de publicação do livro?

Enviei cópias a 33 cardeais. Alguns deles, como Pio Laghi (1922-2009) e o cardeal Angelini, hoje com 96 anos, comentaram com um amigo meu que trabalhava no Vaticano que era impressionante como eu tinha conseguido saber o que acontecia nos bastidores de um conclave.

Em geral, o romance agradou mais aos católicos de esquerda, que esperam por uma reforma da igreja, principalmente em sua abertura com relação a casamentos de pessoas do mesmo sexo.

O senhor se identifica com o que chama de "esquerda católica"?

Nasci numa família católica, mas não sou católico. Tenho grande simpatia pela figura de Cristo, o primeiro socialista da história, um ser carismático, como foram Buda, Confúcio, Maomé, Moisés e diversos outros.

Não gosto da estrutura de poder político e econômico da Igreja Católica, distanciada da religião cristã de origem. A igreja trai Cristo, como Stálin trai Marx. Sou profundamente religioso, mas não penso que uma única religião contenha a verdade divina.

Por que, em sua opinião, a igreja é um tema tão interessante para o cinema e a literatura?

A igreja é ritualística, tradicionalista, conserva a memória histórica, o folclore, as lendas. Por sua ligação com o passado e a história, ela exerce um profundo fascínio, mesmo nos que não creem.

Os artistas se inspiram em seu mundo secreto, que é protegido do olhar da TV. Só a imaginação pode recriar a verdade de um mundo separado e escondido como o de um conclave. O meu "Conclave" é a vingança da literatura sobre a televisão.

O senhor seguiu de perto, como leitor ou escritor, os conclaves mais recentes?

Desde criança venho acompanhando os conclaves. Segui de perto as escolhas dos papas desde João 23, no final dos anos 1950. Sentia que o verdadeiro chefe da Itália não era o presidente, mas o papa. Isso me motivou a acompanhar esse tema.

O senhor se inspirou em algum conclave em especial para escrever o livro?

Não, eu não creio que tenha havido algum conclave como o que descrevo. Eu me inspirei, de alguma maneira, quando descrevo as invasões de bichos no Vaticano, na própria Bíblia. Por exemplo, na passagem que trata das pragas do Egito.


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