Folha de S. Paulo


Câncer põe fim a 14 anos de governo de Hugo Chávez

O presidente Hugo Chávez morreu nesta terça-feira, em Caracas, aos 58 anos, vítima de complicações de um câncer na região pélvica. O anúncio foi feito pelo vice-presidente Nicolás Maduro, em pronunciamento na TV venezuelana. "É um momento de profunda dor", disse.

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O venezuelano ocupava o cargo desde 1999 e era o líder democrático mais longevo da história recente da América Latina, tendo sido reeleito para o quarto mandato consecutivo no último mês de outubro. O período terminaria em 2019.

Conforme anúncio do vice e herdeiro político de Chávez, Nicolás Maduro, o presidente morreu às 16h25 desta terça. Ele estava internado no Hospital Militar de Caracas, na frente do qual centenas de pessoas se reuniam para fazer vigília, desde a manhã.

Logo após o anúncio, líderes venezuelanos também começaram a se dirigir ao hospital, e a bandeira do prédio foi colocada a meio mastro.

O vice emendou a confirmação no anúncio de que mobilizava as Forças Armadas do país "para garantir a paz". Na sequência, os chefes das Forças Armadas da Venezuela apareceram ao vivo na TV estatal para prometer sua lealdade ao vice-presidente Nicolás Maduro após a morte do presidente.

Mais cedo, Maduro deu uma entrevista à mídia na qual acusou "inimigos históricos" do país, em uma insinuação de que seriam EUA e a oposição direitista, de planejar sabotar a democracia venezuelana.

Com a morte do líder venezuelano e o fato de ele não ter tomado posse, de acordo com a Constituição, o presidente da Assembleia Nacional, o chavista Diosdado Cabello deve assumir a presidência e convocar novas eleições em 30 dias.

Entretanto, uma vez que o TSJ avaliou que, ainda que sem posse, já há um novo mandato em vigor, poderia haver uma manobra política para que Maduro assuma e convoque novas eleições.

HISTÓRICO

Em 2009, o presidente promoveu um referendo sobre o fim da limitação ao número de mandatos políticos, e chegou a falar sobre se manter no governo até 2021, ou mesmo 2030. Em 2012, ele foi eleito pela terceira vez para um mandato com duração de seis anos, regra criada pela nova Constituição, aprovada em 1999, um ano após a chegada ao poder. Na última votação, o venezuelano teve 55% dos votos, com comparecimento de 81% do eleitorado. Ele venceu em 22 dos 24 Estados.

Sob Chávez, a Venezuela teve uma redução da pobreza de 49,4% para 27,8%. A redução da desigualdade foi maior que a dos anos Lula no Brasil. Mas o mandatário também sofreu críticas por má gestão e pela violência.

Um dos maiores trunfos de Chávez na última eleição era o programa "Gran Misión Vivienda", uma espécie de versão custo zero (sem financiamentos) do programa brasileiro Minha Casa, Minha Vida que conta com, segundo números do governo da Venezuela, 272 mil beneficiários.

O programa gerou imensa esperança --mais de um terço do eleitorado diz estar na fila para receber a casa.

Chávez concorreu contra Henrique Capriles, 40, o ex-governador do populoso Estado de Miranda que representava uma mudança geracional no antichavismo e comandava as maiores reuniões populares opositoras desde 2004 com discurso centrista e de críticas à gestão do governo.

Miraflores Palace - 8.dez.2012/Handou/Reuters
Chávez beija um crucifixo durante pronunciamento em que anunciou nova cirurgia contra câncer
Chávez beija um crucifixo durante pronunciamento em que anunciou nova cirurgia contra câncer

VIDA

Chávez era o segundo de oito irmãos e sonhou ser jogador profissional de beisebol antes de tornar-se cadete nas Forças Armadas. Em 1992, liderou colegas numa tentativa fracassada de golpe militar. Passou dois anos preso, antes de ser perdoado e libertado.

Segundo filho de professores de ensino básico, Chávez, se nascesse menina ganharia o nome de Eva, para complementar o nome de seu irmão, Adán. Em lugar disso, recebeu o nome de seu pai. Com a chegada de mais filhos (seis, todos meninos), os dois mais velhos foram morar com a avó, Rosa, uma mulher gentil e trabalhadora que os mimava muito.

Por volta dos anos 60, a Venezuela, antes um canto sonolento da América do Sul, governada por sucessivos ditadores, havia se tornado uma democracia incipiente, com crescentes receitas petroleiras e fome de modernidade.

Uma nova elite e classe média cresciam entre os arranha-céus em construção, mas a maioria dos migrantes rurais terminava vivendo em barracos construídos nos morros em torno das grandes cidades.

Ele tornou-se cadete nas Forças Armadas na expectativa de saltar da academia militar para os clubes profissionais de beisebol de Caracas. Mas, em lugar disso, se apaixonou pela vida militar.

Enquanto Chávez subia na hierarquia, estudava os escritos de Simón Bolívar, o libertador que expulsou os espanhóis da Venezuela no século 19, e os de filósofos como Nietzsche e Plekhanov.

Também começou a prestar atenção à extrema pobreza e desigualdade no país, em meio ao "boom" petroleiro. Inspirado pelos líderes militares revolucionários do Panamá e Peru e por intelectuais de esquerda venezuelanos, Chávez começou a desenvolver a ideia da revolta.

Ao longo de uma década, ele organizou os colegas militares em uma conspiração para substituir o que viam como falsa e venal democracia por uma democracia progressista e real. O golpe de fevereiro de 1992 foi um fiasco militar, permitindo que o impopular governo sobrevivesse, mas Chávez transformou seu discurso de rendição, televisado em rede nacional, em triunfo político.

Eloquente e elegante em sua boina vermelha, ele se apresentou a um país atônito --"ouçam ao comandante Chávez"-- e declarou que seus objetivos não haviam sido realizados "por ahora". A piada que se ouvia então dizia que ele merecia 30 anos de prisão --um pelo golpe, 29 pelo insucesso.

Perdoado e libertado depois de dois anos, foi adotado como líder nominal por uma coalizão de movimentos de base e partidos de esquerda que conquistou a vitória na eleição de 1998, com apoio não apenas dos pobres mas de classe média saturada dos partidos políticos tradicionais. Com o petróleo cotado a apenas US$ 8 por barril, o Estado petroleiro estava quase falido.

Pouca gente fora da Venezuela, até então conhecida apenas por misses e pelo petróleo, sabia como avaliar a chegada ao poder de um líder temperamental que elogiava Fidel Castro mas dizia não ser nem de direita nem de esquerda, mas sim adepto de uma "terceira via" à moda do britânico Tony Blair.

Em poucos anos, Chávez se tornou uma das figuras mais reconhecíveis, e polarizadoras, do planeta.

Miraflores Palace - 10.dez.2012/Reuters
Chávez segura espada de Simón Bolívar em cerimônia antes de ir a Cuba para ser submetido a sua quarta cirurgia
Chávez segura espada de Simón Bolívar antes de ir a Cuba para ser submetido a uma nova cirurgia

NOVA ORDEM

Conquistou a vitória na eleição de 1998, com apoio não apenas dos pobres mas de classe média saturada dos partidos políticos tradicionais. Era o insurgente, o excluído, um político jovem e atlético que prometia derrubar a ordem estabelecida e "refundar" a Venezuela.

Com o tempo, a retórica --ele definiu ricos como "vampiros" que saqueavam a riqueza petroleira do país-- o fez querido dos pobres, mas alienou a classe média e a elite tradicional.

Em abril de 2002, as elites o derrubaram brevemente em um golpe de Estado apoiado pelo governo de George W. Bush (2001-2009). Chávez sobreviveu e se radicalizou, declarando-se socialista e estatizando grandes porções da economia. Com a disparada nos preços do petróleo, custeou a abertura de clínicas de saúde equipadas com pessoal cubano e outros programas sociais, aliviando a pobreza.

Chávez criou um império de mídia estatal que promoveu um culto de personalidade e reforçou o controle do Executivo sobre as Forças Armadas, o Judiciário e o Legislativo.

Ele chamou Bush de "jumento", "Mr. Danger" e "uma besta", e, em memorável discurso na ONU (Organização das Nações Unidas), o definiu como "o diabo". Entre os seus simpatizantes estão Ken Livingstone, Sean Penn, Danny Glover e Noam Chomsky.

Com "Guardian"


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