Folha de S. Paulo


Erudito, papa atacou decadência moral e foi afetado por escândalos

Algo de inusitado aconteceu com o alemão Joseph Aloisius Ratzinger, papa erudito e teologicamente preparado como poucos.

Ele quis marcar seu papado pelo combate à relativização dos valores religiosos ou morais. Mas é provável que passe para a história pelas denúncias de pedofilia, bomba de efeito retardado que recebeu de outros pontificados.

Reservado e pouco carismático, Bento 16 assumiu o Vaticano como sucessor de João Paulo 2º (1920-2005), que se tornou uma espécie de estrela pop do meio eclesiástico.

Não tinha, também, uma pregação tão clara quanto a do antecessor. Karol Wojtyla, polonês discriminado pelo comunismo, dedicou parte de suas energias a minar a pouca legitimidade dos regimes soviéticos, neutralizando o crescimento do pensamento de esquerda na igreja.

Com o adversário interno neutralizado, o jogo político, por assim dizer, perdeu importância. A plataforma de Ratzinger se tornou mais abstrata para a imensa massa católica.

Bento 16 procurou se contrapor à secularização e à perda do conteúdo espiritual num mundo que entrava no século 21.

Dentro da mais absoluta ortodoxia, não fez concessões aos preservativos para o combate à Aids. A eles contrapunha a abstinência, a fidelidade e o combate à pobreza.

Não abriu mão da proibição de ordenação de mulheres e condenou com veemência a homossexualidade.

Mesmo se opondo ao preconceito homofóbico, afirmou em 2008 que a relativização da diferença entre homem e mulher é uma "violação da ordem natural" e que a igreja deveria "proteger a humanidade de sua autodestruição".

O maior escândalo que o Vaticano registrou durante o pontificado ocorreu em maio passado, quando Paolo Gabriele, ex-mordomo do papa, foi preso sob a acusação de furtar documentos e vazá-los para os jornais. O réu foi condenado por um tribunal interno, mas Bento 16 o perdoou.

Mas vejamos a pedofilia. Os primeiros sintomas de um grande problema cresceram em 1991, quando ele sugeriu a João Paulo 2º que tirasse das dioceses e centralizasse no Vaticano as apurações.

O atual papa agilizou a punição e demissão de padres faltosos. No último ano de João Paulo 2º, um relatório da conferência episcopal norte-americana mencionava mais de 10 mil denúncias contra 4.300 padres, que em 81% dos casos fizeram como vítimas adolescentes do sexo masculino. Já sob o atual papa, escândalos eclodiam nos Estados Unidos, Canadá, Irlanda, Bélgica e Alemanha, gerando ações criminais e processos de indenização.

Nenhum vaticanista acusaria Ratzinger de omissão. O que insinuam é que o papa, quando ainda cardeal, tinha outras prioridades, sobretudo o enquadramento de teólogos e padres seduzidos pela Teologia da Libertação.

Com os casos de pedofilia nas manchetes dos jornais, suas respostas foram sempre morosas e esparsas, levando à impressão de inatividade.

Nascido em 1927 na cidade bávara de Marktl, Ratzinger foi filho de um policial bastante católico. Aos 14 anos foi inscrito na Juventude de Hitler, conforme determinava uma lei de 1939. Seus biógrafos mencionam sua reação de horror quando um primo com síndrome de Down foi preso e morto em nome da "purificação da raça".

Recrutado para os grupos de defesa antiaérea, chegou a ser prisioneiro de guerra, antes de voltar ao seminário e concluir sua formação, sendo ordenado padre em 1951.

Permaneceu poucos meses em uma paróquia. Estimulado por uma igreja que prezava quadros intelectualizados, dedicou-se à vida acadêmica e lecionou em Bonn, Tübingen e Regensburgo.

Em 1977, foi nomeado arcebispo de Munique e, depois, cardeal. Ao se tornar o 265º papa da igreja católica, aos 78 anos, já era o mais antigo cardeal da Cúria Romana, com 24 anos como auxiliar direto de seu predecessor.


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