Folha de S. Paulo


Cuba está pronta para o futuro, diz blogueira Yoani Sánchez à Folha

Com os cabelos até a cintura, envolvida num xale necessário para a manhã cinza e de muito vento em Havana, Yoani Sánchez chegou ao consulado do Brasil.

O visto brasileiro, pedido naquela sexta-feira e obtido na última segunda, era o único que a separava do país que escolheu como primeira parada internacional e para onde partirá em 17 de fevereiro.

Alejandro Ernesto/Efe
Yoani Sánchez mostra seu passaporte, em mensagem no Twitter; blogueira viajará ao Brasil e à Europa
Yoani Sánchez mostra seu passaporte, em mensagem no Twitter; blogueira viajará ao Brasil e à Europa

Após 20 tentativas frustradas, a blogueira que ficou famosa há quase seis anos ao lançar o blog "Generación Y" finalmente conseguirá viajar, graças à reforma migratória em vigor desde 14 de janeiro.

Entre papéis, pagamentos de taxas e uma curiosa ida a uma sala com internet de um hotel estatal --o nome de Sánchez é reconhecido pela atendente, que excitada, busca por ela no Google. "É ela mesma!"--, a Folha ouviu da blogueira suas expectativas sobre a turnê internacional.

No Brasil, seu primeiro compromisso será participar, na Bahia, do lançamento do documentário "Conexão Cuba > Honduras", de Dado Galvão, onde ela aparece. Uma campanha feita por Galvão angariou fundos para a passagem da cubana.

Em São Paulo, lançará "De Cuba, com Carinho" (Contexto, 2009) e ainda discute o restante da agenda. Depois, a ideia é passar pelo Peru, ir a Praga e voltar ao México para a reunião da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) em 8 de março. A última parada deve ser Miami, onde mora sua irmã

"Ela tem de sair daqui com todos os vistos. Vai que ela sai volta e não deixam ela sair de novo por ter se comportado mal?", pondera o marido de Sánchez, jornalista Reinaldo Escobar.

Agora nos deslocamos no carro soviético da família, enquanto a blogueira ignora chamadas e preenche mais um papel: "Devo ser a campeã mundial em preenchimento de fichas de visto".

Em um momento, a filóloga tomou seu novo passaporte azul, o do último reduto comunista do Ocidente, e disse: "'Versos sobre o Passaporte Soviético'... Esse era um poema de Maiakóviski que líamos no colégio". Riu.

Leia a seguir trechos da entrevista

*

Folha - Com o passaporte na mão, qual o seu sentimento?

Yoani Sánchez - É uma sensação agridoce. Não deveria ser notícia que uma pessoa tem um passaporte e que pode embarcar em um avião. Me entristece a anomalia que é meu país, o regularmente irregular que é Cuba. Me entristece muito que há pessoas que não o terão, como os dois prisioneiros de consciência a quem negaram o passaporte.

Por que te deixaram sair agora?

A pressão, dentro e fora, era insustentável. E contou minha tenacidade legal também. Alguns até diziam que eu estava fazendo papel ridículo insistindo em meu direito de sair. Fiz denúncias em todas as instâncias legais -e obviamente não obtive resposta.

Transformei meu caso num emblema da limitação de movimento dos cubanos. A visibilidade ajudou. Também o fato que eu não ter antecedentes penais. Não posso ser enquadrada em nenhum dos incisos da nova lei: não sou atleta de alto rendimento, não sou imprescindível na minha área de atuação.

O único que restava era o inciso que diz que é possível negar o passaporte quando for de "interesse público". Mas, neste caso, eles teriam que explicar muito bem porque não era de interesse público que eu viajasse...

Crê que sua viagem pode ser uma propaganda para o governo de que as reformas avançam?

É uma propaganda perigosa, se essa é a ideia, porque eu vou me comportar com uma pessoa livre, dizer tudo o que penso. Vou tratar de ser uma embaixadora do desejo de liberdade de cubanos no mundo. Se o pensamento foi "deixe-a sair para ver se se cala", foi uma má jogada política.

Por que você escolheu o Brasil como primeiro destino?

Porque lá estão pessoas que lutaram pelo meu direito de viajar, amigos que pressionaram a Chancelaria, recorreram a senadores. Vou à Bahia porque, se alguém fez o impossível para eu sair do país, foi Dado Galvão. Desde que filmou uma entrevista comigo em Havana, ele tem sido incansável. Mesmo quando me faltava esperança, ele a mantinha.

Nada melhor que encontrar esses cidadãos, pequenininhos como eu, que num trabalho de formiguinha conseguiram seu fim. Não é visita oficial. É uma visita cidadã, de "tu a tu", de povo a povo, como eu gosto.

Que mensagem você vai levar?

Quero levar uma mensagem de futuro: Cuba está pronta para entrar no século 21. Não é que eu seja ingênua sobre as mudanças em Cuba, essas pequenas flexibilizações de cunho econômico que Raúl Castro introduziu.

Apesar disso, elas abriram o apetite das pessoas: queremos mais.

Vou ao Brasil dizer que vivo numa ilha diversa e maravilhosa que tem direito ao futuro também. Uma ilha que não é nem vermelha nem verde-oliva. É de muitas outras cores. Quero viver essa nação onde está despenalizada a discrepância, a prosperidade. Está perto. Estamos praticamente a um passo. Não pela vontade de quem nos governa, mas pelo próprio trabalho das pessoas.

Também vou para aprender com os brasileiros, conhecer esse país onde há pessoas tão parecidas com os cubanos. Um amigo me disse e eu nunca vou esquecer: "Os brasileiros são como os cubanos, mas com mais liberdade". Como nós seríamos num marco de respeito, de direito, onde estão permitidos a livre expressão e a livre associação?


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