Folha de S. Paulo


Uso de pagamento eletrônico diminui gorjetas de trabalhadores

Mateus Bruxel/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 29-10-2010, 16h15: Garcom trabalha no Bar Brahma, na esquina das avenidas Ipiranga e Sao Joao. A CPI da Gorjeta solicita que os 10% do servico sejam incluidos na nota fiscal, como forma de obrigar bares e restaurantes a repassar o dinheiro aos garcons. (Foto: Mateus Bruxel/Folhapress, COTIDIANO)***EXCLUSIVO FOLHA***
Garcom trabalha no Bar Brahma, na esquina das avenidas Ipiranga e São João

2018 está chegando, e a era do dinheiro em papel parece estar no fim. Não acredita? Tente jogar duas notas de US$ 20 (R$ 66) na mesa na próxima vez em que estiver dividindo uma conta de bar ou restaurante. Ou, melhor ainda, peça a qualquer pessoa que não trabalhe como caixa para trocar uma nota de US$ 10 (R$ 33).

A ascensão de serviços como Venmo (plataforma social de transferência de dinheiro), Uber e Seamless (serviço on-line de comida delivery) e do bitcoin parece ter tornado quase cafona exibir uma carteira recheada de cédulas, em alguns círculos, mas há muitos trabalhadores urbanos para os quais o abandono do dinheiro em espécie cria sérios problemas financeiros.

Porteiros, ascensoristas, manicures –qualquer trabalhador que dependa de caixinhas espontâneas, em dinheiro– se veem abandonados em um mundo no qual dinheiro em papel é cada vez mais raro.

"O pessoal já não dá gorjetas como no passado, porque ninguém mais carrega dinheiro no bolso como carregava no passado", disse Mark, ascensorista de um condomínio de luxo em Manhattan, falando sobre os moradores do edifício.

Ele pediu que só seu prenome fosse citado porque seu sindicato e a empresa para a qual trabalha o proíbem de falar com a imprensa.

É uma peculiaridade da vida urbana moderna. Os mercados de ações estão em alta, o desemprego caiu nos EUA, e o preço médio de um apartamento em Manhattan passou dos US$ 2 milhões. Mas boa sorte em encontrar alguém que carregue dinheiro no bolso ou na bolsa.

Alguns meses atrás, uma pesquisa do U. S. Bank constatou que 50% dos americanos só costumam carregar dinheiro metade das vezes em que saem de casa.

Outra pesquisa recente apontou que apenas 11% dos americanos consideram dinheiro em espécie como forma preferencial de pagamento, o que confere às cédulas um terceiro lugar distante na lista de preferências encabeçada pelos cartões de crédito (40%) e débito (35%).

Para muita gente, especialmente quem vive em ambientes urbanos densos, simplesmente não há incentivo a visitar o caixa automático, quando corridas de táxi, cafés, pizza delivery e até comida comprada de food trucks podem ser pagos on-line ou com cartões. E isso é má notícia para qualquer trabalhador que não participe da economia digital.

O problema é especialmente agudo para empregados de edifícios residenciais, como porteiros e ascensoristas, que não são parte de nenhuma transação envolvendo seus "clientes" e tipicamente contam com o troco de corridas de táxi ou pagamentos por entregas de comida como gorjeta.

"Antigamente, muito tempo atrás, o morador voltava de táxi para casa e pagava em dinheiro", disse Mark. "E, quando recebia o troco de sua nota de US$ 20, dava-o como caixinha para nós."

"Agora eles pagam o táxi com cartão ou chegam de Uber e nem precisam pagar. Saem do carro e sobem direto para seus apartamentos."

Mark diz que suas caixinhas caíram de US$ 400 por semana três anos atrás para um máximo de US$ 100 por semana em 2017.

Roger Johnston, que se tornou porteiro em Nova York em 2004 depois de trabalhar por 31 anos em Wall Street, atribui a culpa não só ao avanço da sociedade rumo ao dinheiro eletrônico mas também à situação geral da economia e à alta do custo de vida.

"O pessoal paga aluguéis caríssimos, quase US$ 5.000 mensais por um apartamento de um quarto", disse. "Uma xícara de café custa pouco mais de US$ 2. Eles alugam apartamentos aqui e vão trabalhar a pé", disse Johnston. "É a situação da economia."

Ele disse que de 2008, quando começou a trabalhar como porteiro do edifício que o emprega na Park Avenue, para cá, suas caixinhas caíram em 60%.

GORJETA ELETRÔNICA

Nem todos os trabalhadores que dependem de caixinha são prejudicados pelo abandono acelerado do dinheiro em papel. Pelo contrário: as telas de toque dos táxis e nos cafés estimulam os fregueses a dar gorjetas mínimas de 20% –sob o olhar atento dos beneficiários–, e isso praticamente eliminou qualquer barreira às gorjetas que esses trabalhadores recebem.

E "há pesquisas que demonstram que as pessoas tendem a dar gorjetas maiores quando pagam com cartão de crédito do que quando pagam em dinheiro", disse W. Michael Lynn, professor de administração de negócios de alimentos e bebidas na Universidade Cornell.

PROIBIÇÃO

Mas as operadoras de cartões de crédito cobram dos comerciantes pelo processamento das gorjetas, e muitas empresas –salões de beleza e manicure, especialmente– continuam a não permitir que os clientes deixem gorjetas eletrônicas.

Isso se tornou um problema para Diaz, 22, um cabeleireiro que trabalha no bairro nova-iorquino do Chelsea, em Manhattan, e que não permitiu que seu prenome fosse mencionado porque seu empregador não o autoriza a falar com a imprensa.

As gorjetas que ele recebe caíram consideravelmente até que começasse a usar o Venmo, aplicativo pertencente ao PayPal que facilita transferências de dinheiro de pessoa a pessoa.

Diaz diz que seus clientes mais jovens raramente carregam dinheiro em papel e muitas vezes prometem gorjeta para a próxima vez.

Os clientes o encorajaram a usar o Venmo, e agora suas gorjetas voltaram ao patamar do passado, afirmou Dias.


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