Folha de S. Paulo


Bitcoin tem alta de 1.751% no ano, e discussão sobre bolha ganha força

Karen Bleier/AFP
Empresa arrecada US$ 118 mi com oferta de moeda virtual para financiar celular baseado em blockchain
Moeda virtual acumula alta de 1.751% em 2017

Será que o bitcoin, que acumula alta neste ano de 1.751%, está seguindo o mesmo caminho de uma bolha como a da internet dos anos 2000? Essa é uma discussão que ganhou força nas últimas semanas e gera reações apaixonadas.

Se os entusiastas pela moeda virtual defendem com unhas e dentes a solidez do ativo, uma parcela do mercado financeiro se questiona até que ponto essa onda é baseada em fatos reais.

Para seus defensores, os sucessivos recordes dos últimos meses (ele valia US$ 17.630 na sexta, 15) se deve à confiança de que o bitcoin será usado como moeda no futuro.

Os detratores, por outro lado, não veem perspectivas que sustentem essa demanda e associam o processo especulativo ao de uma bolha, como a do "ponto.com", quando empresas de internet com faturamento pequeno logo passaram a ser avaliadas em bilhões de dólares na Bolsa.

O primeiro grupo vê a valorização do bitcoin como natural dentro de um contexto de oferta e demanda. Há um número limitado de moedas que podem ser produzidas e uma procura crescente por quem acredita no bitcoin.

"É um ativo que está chamando a atenção e que, no médio e longo prazo, vai continuar se valorizando", diz Paschoal Baptista, sócio da consultoria Deloitte.

Outro fator que valida a defesa do bitcoin é a entrada de Bolsas de renome nos Estados Unidos nesse mercado.

Editoria de Arte/Folhapress
A BOLHA E A MOEDABitcoin se valorizou muito mais em um ano que a Bolsa Nasdaq nos 12 meses antes do estouro da bolha da internet

A maior Bolsa de opções dos EUA, a Cboe, já lançou contratos futuros atrelados à moeda, e o mesmo caminho será seguido nesta semana pela Bolsa de Chicago, a maior de derivativos do mundo.

"Esse movimento é interessante, porque coloca o selo de uma Bolsa respeitada. Até hoje, o bitcoin, que já tem dez anos, era uma coisa muito incipiente. Agora, potencialmente, você atrai investidores institucionais, como fundos", afirma Frederic De Mariz, diretor do UBS Brasil.

Para Guilherme Vitolo, gerente da consultoria Ernst Young, a formação da cotação do bitcoin deve se tornar mais previsível, mas isso não significa que os preços ficarão mais estáveis.

"Se os contratos forem usados para proteção, tendem a ter sucesso. Mas darão uma volatilidade ainda maior."

É BOLHA?

Mas já há especialistas que veem a formação de uma bolha. "Eu entendo como uma bolha sim, porque uma hora estoura. Não passa de meio especulativo", diz Adilson Ernesto Silva, sócio da consultoria Mazars Cabrera.

Para ele, depois que o preço da moeda digital se ajustar, ela continuará existindo, mas pode perder interesse para o especulador. "Vão achar outro ativo para especular."

Ricardo Rocha, professor do Insper, é da mesma opinião. "Nos Estados Unidos, especula-se até com opções sobre o bacon. Se está mais frio, o americano compra mais bacon. Então por que não pode ter opções sobre o bitcoin?"

Nos EUA, o jornal "The Wall Street Journal" entrevistou neste mês 53 economistas e 51 deles disseram que a moeda vive uma bolha especulativa.

Aqui como lá o tema não é consenso, e muita gente é reticente sobre se é bolha.

"Você precisa ter uma referência de preços. No mercado de ações, há um parâmetro para o valor dos ativos. No bitcoin, não temos essa referência, mas não dá para dizer que é bolha", diz Ricardo Rochman, coordenador do mestrado em economia da FGV.

"Há essa variação de preços porque, aos poucos, [o ativo] está caindo no conhecimento do povo", afirma.

Na economia, uma bolha é caracterizada por uma alta generalizada gerada por excesso de confiança, e uma posterior queda dos preços. Na crise do "ponto.com", o índice da Bolsa de tecnologia Nasdaq subiu 1.280% entre
o início de 1995 e março de 2000, antes do estouro. Depois, em um mês, caiu 17,5%.

"O bitcoin não é a bolha, é a agulha que vai furar o sistema tradicional", diz Rudá Pellini, sócio da plataforma de investimento Wise&Trust.

Ele ressalta que na bolha da internet os sobreviventes (empresas como Amazon e eBay) se transformaram em gigantes. "Não são todas as criptomoedas que vão sobreviver, só as mais fortes."

REGULAÇÃO

A regulação poderia proteger o usuário que compra moedas digitais, em especial o leigo, na avaliação de Frederic De Mariz, diretor de análise de empresas financeiras do UBS Brasil.

"Quanto maior a inovação e seu poder de disrupção, maior tem que ser a regulação. Hoje, sem regras, não há a quem recorrer em caso de problema."

Na semana passada, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, disse que comprar bitcoin é operação de risco, mas o órgão não restringiu negociações. "É a típica bolha, pirâmide, em algum momento vai subir e depois voltar", declarou.

No esquema de pirâmide, usuários são remunerados ao atrair novas pessoas. Não é o que acontece na compra de bitcoin. No entanto, especialistas interpretam que o efeito manada, ou seja, novos investidores entrando em busca de ganho, seria comparável.

Para Adilson Ernesto Silva, da consultoria Mazars Cabrera, há omissão do Banco Central. "A regulação seria a única coisa que eliminaria a especulação em torno do bitcoin. Só vai fortalecer a moeda no futuro", afirma.

Em tese, porém, a regulação vai contra os princípios fundamentais da moeda, que foi criada com o registro descentralizado e de código aberto, com validação colaborativa.

Mas nada impede que governos criem suas próprias criptomoedas, como é o caso da Venezuela, que, em crise e sob sanções dos EUA, vai lançar a petro, lastreada pelas reservas de petróleo, gás e óleo.

Na Holanda, o banco central criou há dois anos a sua própria moeda digital, mas ela circula apenas internamente na instituição, como uma forma de aprendizado.


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