Seguindo uma prática recorrente entre as instituições financeiras, os técnicos do banco Credit Suisse não costumam fazer análises ou traçar cenários políticos. Neste ano, foram obrigados a abrir uma exceção, diz o economista-chefe da instituição financeira, Nilson Teixeira.
No evento "Brasil - Cenário macroeconômico para 2018/2019", que ocorre nesta segunda-feira (11), o tema terá destaque. O relatório produzido para a ocasião, o maior em 13 anos, dá uma dimensão. Das 324 páginas, 55 são sobre política.
Os primeiros cenários do gênero produzidos pela instituição levam em conta coligações e seus tempos de TV e ramificações partidárias nos municípios, mas o efeito das redes sociais também está no radar.
"O país vai ter uma campanha muito diferente das anteriores. Como as regras de financiamento mudaram, haverá menos recursos; o horário livre na TV, as inserções, e as ramificações nos municípios serão bem mais importantes", diz Teixeira.
Uma extensa coletânea de gráficos, tabelas e suas respectivas análises destrincham os desafios que os políticos terão de enfrentar na economia: reformas da Previdência e tributária; abertura comercial; baixa produtividade, melhoria da eficiência no gasto e, por pior que seja, o aumento de impostos.
"Para reverter um deficit e transformá-lo em superavit de forma mais rápida, será preciso elevar impostos. Porque todas as outras medidas não serão aprovadas na amplitude necessária", diz Nilson Teixeira.
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Folha - Para fazer previsões para o ano que vem, é preciso traçar vários cenários, não?
Nilson Teixeira - Pela primeira vez estamos dando mais relevância a política em nossas análises. Fizemos cinco cenários de possíveis coligações e analisamos o tempo de TV, os recursos eleitorais e a presença nos municípios.
Rodrigo Capote/Folhapress |
O economista Nilson Teixeira, em entrevista |
Qual a conclusão?
A campanha de 2018 será muito diferente das anteriores, com as novas regras de financiamento. Com menos recursos, o horário livre e as inserções na TV e as ramificações nos municípios serão bem mais importantes.
Outro fator são as mídias sociais. Mas partimos do pressuposto de que as mídias sociais são mais capazes de atrapalhar determinados candidatos, com a exploração de notícias negativas, do que de construir imagem.
Diria que 2018 é um dos anos mais indefiníveis?
Previsões são difíceis em todos os anos. Sempre há incerteza.
Dos cenários, qual é melhor para a economia?
Alguns trarão mais volatilidade. Em meados do próximo ano, se os candidatos que estiverem à frente tiverem plataformas contrárias ao processo de reformas, haverá deterioração muito forte dos preços.
Quão forte?
Não dá para estimar, mas forte. Por outro lado, não vemos a possibilidade de que qualquer eleito não faça ajustes muito rigorosos. É crucial resolver a questão fiscal, e isso terá que ser feito logo no início do governo. A pressão dos preços levará o eleito a isso.
É só pressão do mercado ou seria inviável governar?
Quando começar a aparecer na capa da Folha o câmbio subindo, a Bolsa caindo, dia após dia, a TV falando em alta no preço dos alimentos, o presidente fica pressionado. E, mesmo que a atual reforma da Previdência seja aprovada, não será possível navegar pelos próximos quatro ou cinco anos sem outras reformas.
O eleitor está preparado para isso? Apesar de a reforma ser defendida por quem entende de políticas públicas, 71% da população é contra.
O custo para a sociedade de deixar essa reforma para 2019 é de 3,7% do PIB no acumulado de dez anos, até 2027. Só pelo atraso de um ano.
Mas deve-se começar pelos privilégios. A elite tem muitos privilégios, em todas as ramificações. Abatimento de despesas médicas e de educação no Imposto de Renda são R$ 17 bilhões. Metade do Bolsa Família. É correto taxista não pagar imposto na compra do carro? Só rico anda de táxi.
É razoável água mineral ter algum tipo de abatimento de imposto? Quem bebe água mineral? Só rico.
Quando o teto de gastos públicos corre risco de ser descumprido?
Em 2019, o risco já é grande de descumprir o teto e a meta.
Rodrigo Capote/Folhapress |
Nilson Teixeira, do Credit Suisse |
Há quem fale em 2018. É exagero?
Em 2018 há devoluções do BNDES e receitas não recorrentes. Obviamente há risco: fundos exclusivos não serem aprovados, não subir de 11% para 14% a contribuição dos funcionários públicos e os reajustes salariais concedidos pelo presidente Temer não serem postergados.
Há ainda grande incerteza sobre a elasticidade da arrecadação frente ao crescimento, e por isso a receita administrada também é um fator de risco.
A retomada deste ano, que já é fraca, fica em risco?
2018 será melhor que 2017. Estimamos 2,5%. Mas no curto prazo 0,5 ponto numa previsão tem pouca relevância. 0 que um analista pode dizer é que é muito improvável que o país acelere e cresça 4%.
O consumo das famílias consegue puxar o crescimento por quanto tempo?
O consumo das famílias é um processo que dificilmente acelera muito. Nos investimentos, trabalhamos com alta de 5% no ano que vem. Mas, se houver uma turbulência, do lado político ou do cenário global, é difícil essa aceleração. E não dá para dizer que, se aumenta a confiança, os investimentos voltam. Não é automático.
Como a eleição afeta a confiança?
É prematuro dizer qualquer coisa, ainda mais com os desdobramentos da Lava Jato.
As decisões de segunda instância [que podem inviabilizar a candidatura de Lula]?
Não há dúvida. O presidente Lula é líder em todas as pesquisas. Se ele não for candidato, por qualquer razão, e não transferir votos para um candidato de seu partido, o cenário do segundo turno fica ainda mais difícil de prever.
Rodrigo Capote/Folhapress |
O economista-chefe, na sede do Credit Suisse |
O fato de ministro da Fazenda admitir a possibilidade de ser candidato atrapalha o ajuste?
Não vejo que ajude, mas também não atrapalha. Um ministro com tanta experiência não vai tomar decisões contra o interesse do país.
E a reação oposta, de o Congresso deixar de aprovar pontos que favoreceriam a candidatura do ministro?
Colaborar para o ajuste é fundamental.
Na cabeça dos economistas. Mas e na dos políticos?
Não precisa ser economista, basta saber olhar um pouco para os números.
Pelas conversas que você vem tendo, o governo aprova a reforma da Previdência?
Será uma votação apertada. Cabe ao governo se empenhar.
O que o país está passando agora é um grande aprendizado para o próximo presidente.
Uma proposta gradualista como foi a buscada pelo presidente Michel Temer não se mostrou a melhor alternativa.
A mensagem é: aproveite os primeiros cem ou 180 dias, o primeiro ano de mandato para aprovar todas as medidas necessárias, mais duras.
Gradualismo foi ter esperado para colocar a Previdência?
Sim. A equipe do Ministério da Fazenda sabia o que precisava ser feito. Demorou muito.
É uma negociação política, uma decisão do presidente, no fim das contas.
Mas a opção de ir primeiro com a regra do teto pressupunha uma trajetória tranquila, o que na minha análise das últimas décadas não existe.
É sempre muito volátil, muito incerto, por isso precisa fazer no começo, quando se é capaz de construir a maioria.
Quanto mais tempo leva, mais difícil.
Rodrigo Capote/Folhapress |
O economista aponta gráfico feito por sua equipe |
O governo falhou na comunicação?
Vejo muitos políticos argumentando que o caminho seria a redução dos privilégios. Acho mais fácil convencer a sociedade.
Nunca é fácil convencer sobre corte de vantagens e benesses. Todos nós temos, de uma forma ou de outra, e todos achamos justos.
Mas os funcionários giram a máquina do governo, são os que fazem o governo funcionar. Como começar por eles sem parar o governo?
Quem trouxe as propostas relacionadas à Previdência foram funcionários públicos. O Marcelo Caetano [da Previdência Social do Ministério da Fazenda], o Marcos Mendes [chefe da assessoria especial da Fazenda]. Todos funcionários públicos. Todos beneficiados. Creio que, se dependesse só deles, eles fariam essa reforma, mas houve uma decisão política, que ultrapassa muito a questão técnica.
A reforma tributária ficou marginal nessa discussão.
Os números mostram quão necessária ela é e o quão difícil é implementar.
Mais que a Previdência?
Sim. Mais difícil.
Por afeta agentes poderosos?
Mais que isso. A carga tributária no Brasil é alta. Numa reforma alguém vai perder. Não dá para achar que todos vão ganhar.
Se fosse questão de aumentar de 20% para 23% ou de 15% para 19%, todos ganham, todos os Estados, e está resolvido. No Brasil é mais difícil, os municípios não querem, os Estados não querem e o governo federal precisa cortar as despesas primeiro.
As empresas acham que pagam muito imposto. As pessoas físicas também. Temos um problema
A mudança no sistema tributário americano tem efeito no Brasil?
É cedo para saber. Nosso time lá fora diz que elas fazem a economia americana expandir mais 0,2% a 0,4% no curto prazo.
O outro lado da história é que pode elevar o deficit fiscal nos EUA.
O fato é que a economia global é favorável. A expansão da Europa e dos EUA pode ajudar países emergentes com economia mais aberta que a do Brasil.
O Brasil tem uma economia muito fechada. Se fosse mais aberta, o país teria um crescimento potencial maior.
Olhando a produtividade total dos fatores, a eficiência da economia, o Brasil está entre os piores, se não estiver no pior cenário depois da recessão.
Ou seja, não adianta só o Brasil fazer sua própria lição de casa, porque os rivais estão avançando muito mais.
Sim, já estão fazendo a deles. O Brasil crescer 2,5% pode ser bom, mas se os outros estão crescendo muito mais
Rodrigo Capote/Folhapress |
Nilson Teixeira, na sede do banco, em SP |
A grande reforma é promover a abertura?
A grande reforma é a abertura. Suponha que o Brasil tivesse a abertura comercial de Hong Kong. O crescimento adicional seria de 39 pontos percentuais em dez anos.
Se tivesse a abertura comercial da África do Sul, um país pobre como a gente, o crescimento potencial sairia de 2% para 2,4%, ou de 1,5% para 1,9%.
Por que o Brasil continua um país fechado?
Por causa de lobbies, e da crença de que precisamos proteger o produtor nacional para que em alguns anos eles possam competir.
Proteções ad eternum não cabem. Vários setores têm proteção há muito tempo e não cresceram nem se tornaram competitivos.
Os lobbies causam prejuízo para o equilíbrio fiscal?
Não há dúvida. Veja o lobby do funcionalismo público. É justo fazê-lo, mas isso tem que ser arbitrado.
As renúncias tributárias também.
E uma parte importante da receita está atrelada a fundos federais que não se sabe que benefícios trazem para o país.
Qual a solução? Reforma da Previdência, avaliar todos os programas sociais, todas as transferências, todas as renúncias tributárias. Se fizer tudo isso o país consegue resolver o desequilíbrio fiscal.
O que aprendo com os políticos é que mais difícil que aumentar impostos é cortar gastos, e mais difícil ainda é cortar renúncias tributárias, porque são os grupos mais organizados, que conseguem se defender.
Resultado: para resolver a questão fiscal o próximo presidente vai ter que elevar impostos.
Não há como escapar do aumento de impostos?
'Não há como escapar' não sei se é o termo. Mas, para reverter um deficit e transformá-lo em superavit de forma mais rápida, será preciso elevar impostos. Porque todas as outras medidas não serão aprovadas na amplitude necessária.
Aumentar imposto é sempre ruim para a produtividade e o crescimento, mas um trabalho que fizemos comparando 40 países mostra que um ajuste fiscal bem-sucedido se sobrepõe aos efeitos de um aumento de impostos.