Folha de S. Paulo


Mantega tinha palavra final sobre reajuste, diz ex-presidente da estatal

Em reunião do conselho de administração da Petrobras realizada em agosto de 2014, a ex-presidente da companhia, Graça Foster, reconheceu que a empresa estava "no limite" e que precisava reajustar o preço da gasolina, mas que "não tinha poder para fazê-lo".

Em dois meses, a então presidente Dilma Rousseff enfrentaria o primeiro turno em busca do segundo mandato, em uma disputa que foi a mais acirrada entre as eleições após a redemocratização.

A Petrobras pressionava por reajustes desde o início do ano, sem sucesso, segundo mostram trechos de atas de reuniões do conselho de administração da companhia, usadas como provas em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal contra a União e ex-conselheiros da estatal.

O MP acusa os controladores de prejudicar a empresa ao postergar reajustes para não atrapalhar a campanha de reeleição de Dilma e pede ressarcimento pelos danos causados, além de condenação de nove pessoas, entre elas Graça Foster e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega.

As atas mostram que a pressão por reajustes se iniciou em meados de 2013, quando resultou em aumentos de 4% no diesel e 8% na gasolina no fim daquele ano, e retomou força ao longo de 2014, diante do estouro nos limites de endividamento da companhia.

A palavra final, disse Foster em depoimento dado em inquérito civil público de 2015 e anexado ao processo do MP, era de Mantega, que presidia o conselho de administração.

"Os aumentos de preços, todos eles, desde o meu primeiro dia até o último dia eram trazidos pelo presidente do conselho", afirmou ela. "Ele ligava para mim e falava: '3 no diesel e 5 na gasolina', e desligava".

Em seu Plano de Negócios, a Petrobras contava com reajustes de combustíveis para manter o indicador de endividamento sobre geração de caixa abaixo do limite de 2,5 vezes estipulado para o período entre 2013 e 2017.

O índice atingiu 4,07 vezes ao final do primeiro semestre de 2014, três meses antes da eleição presidencial. Ainda assim, mostram as atas, o presidente do conselho rejeitou diversos pedidos de reajustes feitos pela empresa

Essa atitude de Mantega levou representantes de acionistas minoritários a acusarem o controlador de gestão temerária.

Em reunião no dia 31 de outubro, cinco dias após o segundo turno, Mantega finalmente cedeu e, segundo a ata do encontro, recomendou à diretoria "passar um tempo com os preços acima da paridade a fim de recompor as defasagens do passado".

Em depoimento dado também ao inquérito de 2015, dizem os procuradores, Mantega negou prejuízos à empresa e disse que o estouro do indicador de endividamento foi provocado pelo câmbio e pelos altos investimentos.

OUTRO LADO

Procurada pela Folha, a defesa de Mantega não respondeu ao pedido de entrevista sobre o tema. Graça Foster não foi encontrada.

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CRONOLOGIA

Estatal travou reajustes da gasolina e do diesel

26.abr.2013
Conselho é informado que indicador de endividamento (endividamento líquido sobre Ebitda, a capacidade da empresa de gerar caixa) superaria a meta de 2,5 vezes nos trimestres seguintes, mas empresa contava com reajuste do diesel e da gasolina em julho

9.ago.2013
Conselheiros demonstram preocupação com a falta de reajustes, diante a possibilidade de que o limite da meta do endividamento fosse ultrapassado, mas reajuste é adiado para setembro

13.set.2013
Conselho é informado de que indicador de endividamento ficaria acima do limite até o fim de 2014, caso não houvesse reajustes e diretoria apresenta nova metodologia de reajustes, mas a discussão sobre o tema foi adiada para a reunião seguinte

25.out.2013
Depois da Petrobras ter sua nota rebaixada pela agência de classificação de risco Moody's por causa do comprometimento dos indicadores financeiros, discussões sobre nova a política de preços acentuam divisão entre a diretoria e a opinião majoritária no conselho, contra implementação imediata da nova metodologia

29.nov.2013
Conselho aprova nova política de preços, que previa o retorno dos indicadores de endividamento ao limite em um prazo de 24 meses, além de aumentos de 4% para gasolina e 8% para o diesel. A possibilidade de reajustes automáticos por parâmetros internacionais é rejeitada

20.dez.2013
Indicado pelos acionistas minoritários, o conselheiro Mauro Cunha critica "a prevalência de posições do acionista controlador sobre os interesses da companhia e ressalta a destruição do valor da companhia", recebendo "fortes contestações" dos indicados pelo governo

31.jan.2014
Projeções apresentadas pela diretoria ao conselho mostram que os limites de endividamento não seriam observados nos 24 meses seguintes, mas reajuste não é autorizado

25.fev.2014
Após novo alerta sobre descumprimento da meta de endividamento estabelecida, pedido de reajuste foi negado novamente; conselho aprova novo Plano de Negócios, mantendo os limites de endividamento

21.mar.2014
"Conselho manifestou que, no momento, não há que se alterar a política de preços e orientou a diretoria a manter o acompanhamento", apesar de novos alertas sobre os indicadores

25.abr.2014
Diretoria informa que defasagem do diesel e da gasolina em relação aos preços internacionais é de 13% e 22% e alerta sobre a importância dos valores convergirem para manter o equilíbrio entre as fontes de receita e os custos da companhia. O reajuste é negado novamente

9.mai.2014
Não houve deliberação sobre preços dos combustíveis

13.jun.2014
Graça Foster diz que reajuste de preço é necessário para conter endividamento, mas Guido Mantega sugere manutenção de política "por estar adequada na direção dos resultados esperados"

18.jul.2014
Conselheiro Mauro Cunha fala em gestão temerária e acusa controlador de tomar decisões levando em conta preocupação com o nível de inflação. Graça Foster disse "não ter sido ainda autorizada" a promover reajustes

8.ago.2014
Graça Foster que "companhia está no limite" e reconhece que houve sacrifício em conter reajuste desde 2011, mas diz "que não tinha poder para fazê-lo"

12.set.2014
Diretoria diz que, mesmo com aumento no teto da meta, não há mais chance de atingir indicadores de endividamento até 2015 e conselheiros independentes dizem que política de preços coloca em risco a sustentabilidade financeira da companhia

31.out.2014
Após o segundo turno das eleições, já com defasagens em queda, Guido Mantega recomenda à diretoria "que aumente, quando considerar conveniente, ainda no ano em curso, os preços da gasolina e do óleo diesel e que procure mantê-los acima do preço de paridade no futuro para chegar a um equilíbrio financeiro melhor"


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