Folha de S. Paulo


Avanço em tecnologia de rastreamento pode reforçar 'mão firme' da China

Uma empresa de inteligência artificial demonstrou um robô capaz de ajudar os médicos em seus diagnósticos. Uma startup mostrou um drone capaz de transportar um passageiro à velocidade de 100 km/h. E em uma demonstração que desperta tanto entusiasmo quanto preocupação, uma empresa chinesa de reconhecimento facial mostrou de que maneira sua tecnologia podia identificar e descrever pessoas rapidamente.

Se existem quaisquer dúvidas quanto à competência tecnológica da China, as apresentações realizadas nesta semana na maior conferência de tecnologia do país, a World Internet Conference, bastariam para aquietá-las. O evento, no passado um pretexto para encontros entre executivos locais de tecnologia e líderes de países empobrecidos, atraiu neste ano importantes executivos norte-americanos, como Tim Cook, da Apple, e Sundar Pichai, do Google, além dos líderes de gigantes chineses do setor, a exemplo de Jack Ma, do Alibaba, e Pony Ma, da Tencent.

Os avanços exibidos no evento, na pitoresca cidade de Wuzhen, no oeste da China, são também, no entanto, motivo de cautela. A tecnologia que viabilizaria um Estado policial tecnologicamente avançado está disponível, e demonstrou de que maneira avanços em inteligência artificial e reconhecimento facial podem ser usados para rastrear cidadãos.

O rastreamento era evidente no próprio formato adotado pelo evento, encerrado na terça-feira (5). Os postos de controle policial, que exerciam vigilância rigorosa, usavam sistemas de reconhecimento facial. Policiais chineses armados patrulhavam a área. E nos cantos escuros das paredes brancas do salão de convenção, as luzes brilhantes das câmeras de circuito fechado eram facilmente perceptíveis.

A Face++, uma empresa de reconhecimento facial que vem crescendo rapidamente, usou sua tecnologia para capturar imagens dos participantes da conferência. Em um telão em seu estande, o software da empresa identificava o sexo dos presentes, descrevia o comprimento e cor de seus cabelos e caracterizava as roupas que usavam.

Outras empresas chinesas demonstraram o que pode ser feito com dados como esses. A estatal de telecomunicações China Unicom montou uma tela na qual gráficos exibiam a quantidade imensa de dados de que ela dispõe sobre seus assinantes.

Um mapa mostrava a população de Pequim dividida por área, e a densidade da ocupação variava de acordo com o deslocamento das pessoas de e para seus locais de trabalho. Outro mostrava em que áreas usuários estrangeiros usavam roaming para acessar a rede da companhia.

As pessoas encarregadas do estande da China Unicom discutiam os dados abertamente, em um sinal de até que ponto essa vigilância e coleta de dados se tornou aceita na China.

Nas duas rivais estatais da China Unicom, o interesse por mensuração e vigilância era semelhante. A China Mobile instalou uma câmera na proa de um dos muitos barcos que percorrem os canais de Wuzhen, enviando as imagens de volta ao salão de exposição por meio de sua mais recente e mais rápida tecnologia de telefonia móvel.

A China Telecom demonstrou sua capacidade de medir o volume de lixo em diversos cestos e de detectar defeitos em hidrantes.

MÃO FIRME

Investidores e analistas dizem que o interesse fervoroso da China pela coleta desse tipo de dado, somado à imensa população do país, futuramente dará a suas companhias de inteligência artificial uma vantagem sobre as rivais norte-americanas.

Se o Vale do Silício é caracterizado por seu lado libertário, a visão chinesa oferece uma espécie de antítese, na qual a tecnologia serviria para reforçar a mão firme do Estado, da qual o setor recebe orientação.

Esses desdobramentos colocam em destaque o cabo de guerra entre a China e os Estados Unidos que determinará boa parte do desenvolvimento e aplicação futuros de tecnologia.

Falando em uma mesa redonda sobre terrorismo, Mei Jianming, descrito como principal especialista em combate ao terrorismo da Organização de Cooperação de Xangai, um grupo intergovernamental que inclui China, Rússia e outros países, classificou organizações que defendem os direitos humanos da minoria islâmica chinesa uigur como terroristas. Ele acrescentou que Pequim deveria fazer mais para usar sua influência e levar o Twitter a mudar seus termos de serviço, a fim de reprimir essas organizações.

"Deveríamos reforçar nossa capacidade de propaganda", ele disse. "Do lado oficial chinês, nosso 'Diário do Povo' e a agência Xinhua têm presença no Twitter, mas a efetividade de sua propaganda é insuficiente. É claramente insuficiente".

A contradição de usar sites como o Twitter para mudar opiniões no exterior mas bloquear suas operações no país ficou evidente em muitas ocasiões, porém isso quase não atraiu comentários.

No discurso de abertura feito por Wang Huning, um dos sete membros do Comitê Permanente do Politburo, o mais alto órgão político chinês, houve mais apelos por abertura e cooperação do que menções à segurança e censura que caracterizam a abordagem chinesa quanto à internet.

Uma das discussões mais claras sobre censura não veio de um palestrante da conferência, mas de uma autoridade local que estava observando o portão de entrada da conferência no primeiro dia. Um representante do governo municipal de Wenzhou perguntou aos jornalistas como eles contornavam os filtros de internet chineses. Não estava claro se ele estava genuinamente curioso ou se queria saber que ferramentas eram mais efetivas de modo a combatê-las mais tarde.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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