Folha de S. Paulo


Refugiados dominam balcões de sushi em supermercados nos EUA

Travis Dove/"The New York Times"
O imigrante birmanês Philip Maung que, com o empréstimo de amigos e parentes, fundou em 1998 a Hissho Sushi, em Charlotte, Carolina do Norte
O imigrante birmanês Philip Maung que, com o empréstimo de amigos e parentes, fundou em 1998 a Hissho Sushi, em Charlotte, Carolina do Norte

O refugiado birmanês Gam Aung nunca tinha ouvido falar de sushi antes de chegar aos Estados Unidos, três anos atrás. Hoje, ele fatura mais de US$ 100 mil (R$ 325 mil) ao ano vendendo criações como os rolinhos Dazzling Dragon e Mango Tango.

Há dois anos, Aung, que não concluiu o ensino médio e ainda tenta melhorar seu inglês, operava um balcão de sushi num supermercado. Agora é dono de três balcões. Ao longo do caminho, conseguiu comprar uma casa de US$ 700 mil (R$ 2,3 milhões) e treinou dez compatriotas para que sigam seus passos.

"Realizei meu sonho americano", diz Aung, 38, em Oceanside, no sul da Califórnia.

Nos EUA, há uma longa tradição de imigrantes que passam a dominar setores de negócios. Há exemplos familiares -lanchonetes gregas, lavanderias chinesas, salões de manicure vietnamitas.

Talvez você não tenha ouvido falar de balcões de sushi birmaneses. Mas os trabalhadores que preparam rolinhos Califórnia de sushi em muitos supermercados quase certamente não são japoneses.

Muitos são refugiados de Mianmar, o país do Sudeste Asiático no passado conhecido como Birmânia, cenário de conflitos civis que já levaram centenas de milhares de pessoas de diversas minorias étnicas a deixar seus lares.

Multidões de birmaneses como Aung se mudaram para os Estados Unidos nos últimos anos. E o sushi, cuja presença na culinária birmanesa costuma ser tão grande quanto a do chili texano, tornou-se um ganha-pão.

"Às vezes um imigrante se sai muito bem e cria oportunidades para muitas outras pessoas", disse David Dyssegaard Kallick, que estuda o empreendedorismo dos imigrantes no Instituto de Política Fiscal de Nova York.

Para os birmaneses do ramo do sushi, Philip Maung pode ter sido a história de sucesso inspiradora.

Ele chegou aos EUA, aos 22 anos, em 1989. Após a recessão dos anos 1990 colocar fim ao seu sonho no mercado imobiliário, Maung foi trabalhar na Advanced Fresh Concepts, uma empresa criada por um imigrante japonês, pioneira do conceito de balcões de sushi em mercados.

A fórmula: o supermercado oferecia um balcão, um refrigerador e espaço de armazenagem. A Advanced Fresh Concepts entrava com os ingredientes e o sushimen para preparar rolinhos no local.

Em 1998, Maung criou a Hissho Sushi, na Carolina do Norte, com o empréstimo de US$ 100 mil (R$ 330 mil) de amigos e parentes. Três anos depois, já estava em 15 lojas pelo país, com faturamento anual de US$ 2,5 milhões (R$ 8,2 milhões).

Já Aung chegou a Kent (Washington) em fevereiro de 2014, e em uma semana estava aprendendo a trabalhar com sushi, sob o comando do primo Nang Moe, dono de uma franquia da Hissho.

Uma semana depois, a empresa convidou Aung para atuar em um balcão de Carlsbad (Califórnia). Em seguida a Hissho lhe ofereceu uma franquia em Oceanside, cujas vendas logo cresceram 50%, disse Pyie Thu, gerente regional da Hissho. Em 2016, Thu ofereceu a Aung balcões em mais duas lojas.

"Muitos clientes presumem que o sushi foi preparado por japoneses", diz Aung, ressaltando que conta a verdade caso perguntem. "Meu único desafio é ter que treinar gente nova quase sempre. Porque, quando os birmaneses conhecem o sushi, logo querem abrir lojas próprias."

Travis Dove/
Treinamento da Hissho Sushi, que tem 95% de suas franquias controladas por birmaneses
Treinamento da Hissho Sushi, que tem 95% de suas franquias controladas por birmaneses

ONDA IMIGRATÓRIA

A empresa de balcões de sushi Hissho, criada pelo birmanês Philip Maung em 1998, em Charlotte (Carolina do Norte), cresceu em um período no qual o número de imigrantes de Mianmar nos Estados Unidos mais que decuplicou -de 113, em 2002, para mais de 1.300, em 2004.

Eles fugiram de disputas sangrentas nas áreas rurais, que há décadas opunham as forças armadas de Mianmar a grupos étnicos em luta por independência. Em 2007, o número de imigrantes saltou para 14.225.

A Hissho absorveu muitos desses recém-chegados. Entregava os novos balcões aos trabalhadores, quando eles ganhavam experiência suficiente; a companhia e o supermercado recebiam comissões sobre as vendas.

"Tudo era feito por divulgação de pessoa a pessoa", disse Maung sobre a maneira pela qual atraía imigrantes de Mianmar.

Hoje, a Hissho opera balcões de sushi em mais de 11 mil locais nos EUA e está presente em redes de varejo, refeitórios de universidades e nas praças de alimentação de estabelecimentos médicos.

Maung estima que o faturamento dos balcões ultrapasse US$ 140 milhões (R$ 456 milhões) neste ano.

Cerca de 95% dos operadores de franquias de Maung são birmaneses. Eles precisam investir US$ 10 mil (R$ 32,6 mil) em capital inicial e fazer um curso de duas semanas na sede da Hissho.

Em treinamento recente, nenhum dos dez alunos que planejavam operar franquias em diferentes Estados conheciam sushi, quanto mais rolinhos em estilo ocidental com nomes como Sriracha Party e Blazing California.

"A maioria dos alunos fica bem nervosa ao segurar o arroz do sushi nas mãos e o esmagam", disse a instrutora Zhao Zhao Dingmen. Ela os aconselha a manipular os grãos "como se estivessem plantando grama nori", a folha de alga que reveste os rolinhos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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