Folha de S. Paulo


Ministério Público pede que TCU proíba capitalização da Caixa com FGTS

Samuel Costa/Folhapress
Lucro da Caixa cresce com inadimplência menor e redução da provisão para calote de clientes
Agência da Caixa Econômica Federal

O Ministério Público de Contas pediu ao TCU (Tribunal de Contas da União) que proíba o uso de recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) para capitalizar a Caixa Econômica Federal e, com isso, ajudar o banco a cumprir novas exigências internacionais de solidez financeira.

Em representação apresentada à corte, o procurador Júlio Marcelo Oliveira sustenta que a operação, desenhada pelo governo, não está prevista fere a lei que rege o FGTS e configura um "desvio de finalidade". Além disso, alega que há "conflito de interesse e abuso de poder" por parte do banco, que seria o beneficiário da capitalização, mas, paralelamente, atua como operador e agente financeiro do fundo.

"Além de ilícita, contratação dessa natureza apresenta relevante risco moral, do ponto de vista econômico", afirmou Oliveira em documento que será analisado pela área técnica do TCU e, em seguida, enviado para julgamento dos ministros que integram a corte.

A operação com o FGTS vem sendo amplamente defendida pelo governo, que, sem dinheiro para aportar na Caixa, busca uma saída alternativa. A partir do próximo ano, o banco só poderá fazer empréstimos se tiver mais recursos próprios para garantir as operações. As regras estão previstas no acordo de Basileia III.

Conforme mostrou a Folha, o próprio presidente Michel Temer, alguns de seus ministros e o presidente da Caixa, Gilberto Occhi, têm pressionado ministros do tribunal a dar aval à estratégia oficial.

A aposta do banco é o refinanciamento de R$ 10 bilhões dos R$ 260 bilhões em dívidas que tem com o FGTS. Com essa repactuação, o fundo recebe juros mais altos. Mas o débito passa a ser perpétuo (sem possibilidade de resgate do principal). Além disso, a remuneração do título só ocorre se a instituição tiver lucro ou reservas para isso. Em determinadas situações, os pagamentos ao credor podem ser suspensos ou até extintos.

Para o procurador, as condições impõem graves riscos ao FGTS. Ele explica que, em caso de desenquadramento da Caixa em relação ao acordo de Basileia III, os recursos emprestados pelo FGTS a título de "bônus perpétuo" seriam perdidos em favor da Caixa.

Oliveira argumenta também que o banco é o agente operador do FGTS, ou seja, "quem dispõe sobre normas e procedimentos" para o saque dos recursos das contas vinculadas a contrato de trabalho. Além disso, atua como instituição financeira, "concorrendo com os demais bancos privados e públicos nos financiamentos com recursos" do fundo.

"O uso de recursos do FGTS em benefício da Caixa, com risco de prejuízo para o FGTS, configura abuso de seus poderes de agente operador. Assim como não se admite que a União abuse de seu poder de controlador para obrigar a Caixa a financiá-la, não se pode admitir que a Caixa abuse de seus poderes de agente operador do FGTS para contratar com ele operação que vai financiar a formação de seu capital", justifica.

Oliveira sugere que o banco busque se financiar no mercado, de forma "impessoal", para criar as soluções que sua operação exige.

"Utilizar os recursos do FGTS em benefício da Caixa, com risco de prejuízo e até de perda integral para o FGTS, configura quebra de seu dever de lealdade com a gestão do fundo e evidencia nítido conflito de interesses e abuso de poder", critica.

Na representação, o procurador pede que o TCU dê medida cautelar para que a Caixa se abstenha de "firmar novos contratos envolvendo recursos ou créditos do FGTS com a finalidade de utilizá-los para estruturação de seu patrimônio de referência". Requer também que o conselho curador do fundo seja impedido de adotar "qualquer procedimento, inclusive estabelecer diretrizes, que levem à possível utilização dos créditos ou recursos" para a capitalização.

A solicitação é para que a operação seja definitivamente proibida no julgamento de mérito.

Após análise pela área técnica da corte, o processo será enviado ao relator, ministro Benjamin Zymler, que decidirá sobre a medida cautelar. Se ele acolher o pedido, a decisão terá de ser referendada pelo plenário.


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