Folha de S. Paulo


'Tinder de comida' une interessados, mapeia e faz agendamento de doações

Não é para encontros românticos, mas aproxima quem precisa e quem tem de sobra. Para isso nasceu o aplicativo Comida Invisível. "É um Tinder de comida", brinca Sergio Ignácio, um dos idealizadores do app lançado na última sexta, 24.

O aplicativo pretende conectar restaurantes, bares, empórios e pequenos mercados que queriam doar, com creches, ONGs e instituições que precisam de alimentos.

Os doadores cadastram os alimentos a serem doados, indicam validade, data e forma de entrega. Ao ser cadastrada, uma doação aparece como disponível para entidades que distribuem ou preparam comida localizadas nas proximidades. Se uma doação é aceita no sistema, o doador confirma se haverá entrega ou se vai aguardar a retirada.

O sistema se diferencia dos chamados bancos de alimentos, soluções de logística que mobilizam veículos para fazer coletas e entregas, ligando grandes fornecedores, como supermercados e indústrias, com instituições de maior porte.

"Nós não fazemos coletas. Atuamos para facilitar as transações entre os pequenos negócios e as entidades, com a ajuda de agendamento e mapas para destacar a proximidade geográfica", diz Ignácio.

"Toda a questão do desperdício de alimentos se resume a medo e preconceito. As pessoas temem doar", diz Daniela Leite, advogada e fundadora da organização social Comida Invisível, que agora lança o aplicativo.

A organização, criada há dois anos e meio, atua em educação contra o desperdício através de oficinas, cursos, palestras e canais digitais.

Desperdício de alimentos

"No mundo atual, em que a tecnologia propicia estruturas horizontais, a mudança de comportamento que queremos incentivar tinha de ser digital", afirma Ignácio. "Nossa ideia é que o cidadão fique mais construtor e menos reclamador, mais ativo e menos refém de governos ou empresas na questão do desperdício de alimentos", completa.

"MATCH" COMO COMPROMISSO

No aplicativo estão incluídas normas que regulamentam as transações com alimentos, de forma que haja aceite das partes para que a doação se concretize. Quem recebe um alimento se compromete a manipulá-lo de forma responsável. Para se cadastrar, precisa passar por um treinamento online sobre armazenamento e preparo de alimentos, seguindo normas da Anvisa.

"Criamos um modelo pensando em dar segurança para todas as partes", diz Daniela.

Responsabilidade é palavra chave quando se trata de doação de alimentos. Existem vários projetos em discussão para modificar as regras vigentes.

Atualmente, embora não haja proibição, os estabelecimentos evitam doar por causa da "responsabilidade civil" sobre o produto doado. Isso quer dizer que, se alguém passar mal em função da comida doada, o doador será responsabilizado.

A responsabilidade civil sobre um item doado é a mesma que recai sobre um produto vendido. No caso de uma venda, o risco é inerente ao negócio. Mas no caso de uma doação, correr o risco afugenta os comerciantes.

Daniela é autora de um projeto de lei que estabelece a "responsabilidade civil subjetiva", o PL 581/2015, apresentado pelo vereador Ricardo Young (Rede Sustentabilidade) em 2016. Foi vetado no fim da gestão de Fernando Haddad (PT) e pode ser repescado se a Câmara de São Paulo retirar o veto, segundo Daniela.

O PL 581 tem dois pilares: o correto destino e a educação. Todos que comercializam alimentos e têm sobras de alimento próprios para consumo devem dar o correto destino para ele, que não é o aterro sanitário. "Além disso, acreditamos que a educação para consumo consciente e combate ao desperdício também devem ser realizados por quem comercializa alimentos", diz Daniela.


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