Folha de S. Paulo


Empresa lança chapéus e lenços para mulheres que fazem quimioterapia

Ricardo Borges/Folhapress
Nina Campos entre a filha Fernanda e o marido, José Carlos, no escritório da Leva em Niterói (RJ)
Nina Campos entre a filha Fernanda e o marido José Carlos, no escritório da Leva em Niterói (RJ)

A queda dos cabelos durante o tratamento de um câncer de mama levou a empresária Nina Rosa Campos, 61, a investir no ramo da moda. Em setembro, ela lançou a Leva, marca de lenços, turbantes e chapéus para mulheres em quimioterapia.

Nina recebeu o diagnóstico em dezembro de 2015 e, um mês depois, teve de fazer a retirada da mama direita. Em seguida, deu início à químio.

Antes de perder os cabelos, ela comprou uma peruca com corte e tonalidade semelhantes aos dos seus fios. Usou o acessório algumas vezes, mas não se adaptou. "Não era confortável nem física nem emocionalmente", diz.

Decidiu partir para os lenços. As opções que encontrou no mercado, porém, eram feitas para serem usadas no pescoço. Enquanto alguns tecidos escorregavam na cabeça, outros machucavam o couro cabeludo -sensível pela queda do cabelo.

Outro entrave era a amarração dos lenços. Por causa da cirurgia, Nina tinha limitações nos movimentos do braço direito. Buscava, então, acessórios mais práticos, mas chapéus e bonés não cobriam as têmporas nem a nuca.

Ao fim do tratamento, com o cabelo crescendo, ela teve um estalo: "Por que não criar algo bonito, fácil de usar e confortável?".

A Leva começou a sair do papel em novembro de 2016. A família de Nina não só a apoiou como decidiu entrar no negócio. Viraram seus sócios o marido, o médico José Carlos, 68, e as filhas, a publicitária Isabela, 38, e a administradora Fernanda, 36. Juntos, estruturaram a empresa e desenvolveram a linha de produtos.

Foram criados lenços pré-amarrados, ajustáveis à cabeça com um elástico. Feitos de algodão, alguns oferecem proteção contra os raios UV. Também foram desenvolvidos chapéus e bonés que escondem a careca. Os preços variam de R$ 49 a R$ 169.

Há dois meses no ar, o site da marca tem recebido pedidos de todo o país. A confecção é terceirizada, e o escritório, em Niterói (RJ), emprega uma funcionária. O investimento foi de R$ 270 mil.

"A químio arrasa com o corpo da mulher. Dá muita alegria saber que conseguimos elevar a autoestima de alguém", diz Nina.

NECESSIDADE

Quando a pessoa passa por uma necessidade e enxerga a chance de criar um negócio, é que surge o chamado empreendedorismo de oportunidade. "Ela não está supondo, ela viveu aquilo", afirma o consultor do Sebrae-SP Júlio Tadeu Alencar.

Segundo ele, descobrir uma demanda e conseguir supri-la já é um grande passo, mas a empresa não pode parar por aí. "É preciso inovar e aumentar o leque de produtos para não ficar para trás."

No último ano, a Estação Outono, outra empresa dedicada à produção de lenços e turbantes para mulheres em quimioterapia, ganhou um novo gás, com mais divulgação nas redes sociais.

A marca nasceu em 2004, em Presidente Prudente (SP), pelas mãos de Maria Claudia Zapaterra, 58, que teve câncer de mama quatro vezes. Desde o início, não se adaptou à peruca nem aos tecidos dos lenços convencionais.

A ideia da empresa surgiu quando uma visita apareceu de surpresa em sua casa. Para esconder a careca, Maria Claudia amarrou às pressas uma canga na cabeça e, aí, descobriu que a malha não apertava nem escorregava. "A visita saiu por uma porta, e fui pela outra comprar malhas para costurar."

Seus lenços e turbantes começaram a fazer sucesso entre as colegas de tratamento e logo veio a ideia de transformá-los em negócio. No início, vendia em clínicas e hospitais da região. Mais tarde, criou um site para enviar produtos a outros Estados.

A empresa ia bem, quando Maria Claudia teve de diminuir o ritmo de trabalho por causa de dores nas costas, reflexo das cirurgias de reconstrução das mamas. Interessada em vender a marca, chamou um especialista em marketing para atualizar o site.

O próprio profissional, Gabriel Pirondi, 29, se interessou em comprar a marca, em parceria com sua mulher, a pedagoga Carla Pirondi, 29. Ele ficou responsável pela divulgação, e ela, pela produção dos 200 modelos criados por Maria Claudia -cujos pedidos também são enviados a costureiras.

Segundo os sócios, desde julho de 2016 houve um crescimento de 200%. O próximo passo é tentar vender por atacado. "Temos um produto com qualidade, estilo e variedade", afirma Gabriel.

*

Marcas criam sutiãs e biquínis pós-mastectomia

Na campanha Outubro Rosa deste ano, a fabricante de moda íntima Lindelucy lançou um sutiã para mulheres que fizeram mastectomia –retirada total ou parcial da mama.

"A maior queixa das clientes era não encontrar um modelo bonito que cobrisse a cavidade deixada pela cirurgia", diz Lúcia Iório, diretora da marca, que fica em Juruaia (MG), polo produtor de lingerie.

Nem todas as mulheres fazem a reconstrução mamária logo após o procedimento de retirada, diz a psicóloga Christina Haas Tarabay, do hospital A.C. Camargo. "É uma mutilação que afeta a feminilidade e a sexualidade."

Pensando nisso, Iório criou um conjunto de calcinha e sutiã rendados, com quatro opções de cores: preto, branco, rosa e nude. Antes de ser lançada, a linha passou pela aprovação de mulheres mastectomizadas.

O sutiã tem bojo e bolsos com aberturas laterais para a colocação de próteses externas, vendidas em lojas especializadas –mas também vem com enchimento removível. A peça não tem aro de ferro, que pode machucar a pele.

Para experimentar a aceitação do produto, Iório produziu 500 conjuntos (R$ 135 cada um). "Não tinha noção de que a demanda seria tão grande", diz ela, que já encomendou mais mil.

A maior parte das vendas tem sido feita de forma avulsa pelo site da Lindelucy -cujo forte é o comércio por atacado. O próximo passo é criar outras cores.

Se encontrar uma lingerie bonita já é difícil, um biquíni confortável e com design interessante é ainda mais raro. "Uma cliente disse algo que me marcou: 'A gente perde a mama e o direito ao bom gosto'", diz a designer Suely Guimarães, dona na marca de moda praia Tenda.

Em 2009, ela desenvolveu um linha para esse público, com a consultoria de médicos. O negócio deu certo e virou o foco da empresa, criada em 2004.

A ideia surgiu quando Guimarães descobriu um nódulo na mama. Naquele momento, pensou em como faria para ir à praia caso ela tivesse que se submeter à mastectomia. "Não dava para usar o que tinha no mercado", diz.
O laudo mostrou que não era câncer, mas, mesmo assim, ela seguiu com o projeto. Suas peças são desenhadas para esconder cicatrizes e sustentar próteses com segurança.

Os modelos feitos de lycra e microfibra custam entre R$ 190 e R$ 280. As vendas são feitas na loja virtual da marca. "É um negócio viável, mas difícil. O problema é a falta de aceitação dos produtos em lojas de moda praia."


Endereço da página:

Links no texto: