Folha de S. Paulo


Crítica

Rei da noite de SP aponta papel de ideologia para as empresas

Reinaldo Canato - 20.set.2017/Folhapress
O empresário Facundo Guerra, autor do livro
O empresário Facundo Guerra, autor do livro "Empreendedorismo para Subversivos" (Planeta)

Era uma sexta-feira de sol forte, em um hotel de São Paulo, e Facundo Guerra corria ao redor de uma piscina cheia de hóspedes, tocando um reco-reco de plástico, em uma oficina motivacional.

Então funcionário de uma multinacional de embalagens, ele ainda estava longe de se tornar um dos principais empresários da noite paulistana –posto que conquistou após abrir quatro boates, quatro bares e duas casas de shows, além de outros centros culturais de grande repercussão entre a classe média alta de São Paulo.

A trajetória tortuosa, contada em "Empreendedorismo para Subversivos", traz episódios interessantes da vida do autor, como os causos cômicos de seus dias corporativos e os primeiros passos da casa noturna Vegas.

As ótimas histórias –que não escondem certa dose de arrogância e de autocelebração– se misturam também a lições de empreendedorismo que variam do clichê ("não seja cego de paixão pelo seu negócio") à perda de foco total ("faça exercícios físicos"), passando por bons insights.

Uma das principais lições de Guerra em seu livro é como captar a atenção de um nicho de clientes de alto poder aquisitivo, que está disposto a gastar mais para adquirir produtos e serviços de empresas que compartilhem de seus ideais e que fujam de um sistema de consumo de massas conduzido por grandes corporações –é o que se pode chamar de público hipster.

Claro que o livro não coloca o cenário exatamente dessa forma e dá ares mais românticos ao que o autor chama de "pós-capitalismo", em que o público "não precisa de tanto para existir" e "busca um propósito" mais do que dinheiro na conta bancária.

O autor fala também sobre o reflexo da polarização política no consumo –com o lema "o seu cartão de crédito tem mais poder que seu título eleitoral".

A tese é que o consumidor passou a fazer suas escolhas de compra com base em critérios cada vez mais ideológicos e, a depender de como uma marca se posiciona politicamente, pode estabelecer um vínculo mais forte com seu consumidor ou até sofrer boicotes.

'TEXTÃO'

A partir da metade do livro, no entanto, a narrativa começa a perder fluidez e o tom de "textão de Facebook", cheio de piadas inteligentes e críticas irônicas, começa a ficar mais cansativo e dar voltas desnecessárias.

Em determinado trecho, por exemplo, o autor, que é argentino e veio morar no Brasil aos cerca de quatro anos de idade, reserva uma dezena de páginas para traçar um retrato das contradições da capital paulista que soa um tanto lugar-comum.

De modo geral, porém, a leitura é agradável. Ao fim, o livro ainda traz um guia, com a síntese dos principais pontos abordados e outras dicas mais pragmáticas, porém nem sempre tradicionais, sobre como tocar os negócios.

Um dos métodos corporativos mais criticados ao longo do livro é o business plan –o planejamento do negócio– considerado "futurologia" e uma perda de tempo e energia. Em outro momento, recomenda-se que o empreendedor ouça sua intuição.

As dicas podem soar estranhas àquele que se dedicar a ler outros títulos de empreendedorismo, mas aí é que reside o trunfo do livro de Facundo Guerra: ele fala com um público que, como o autor, rechaça o mundo corporativo, seu discurso e seu modus operandi.

Empreendedorismo para Subversivos
QUANTO: R$ 41,90 (240 PÁGS.)
AUTOR: FACUNDO GUERRA
EDITORA: PLANETA

Lições de Guerra

Veja algumas das dicas do empresário

Tenha um propósito
Procure recompensas que vão além do dinheiro, como um legado ou uma forma de expressão única

Política e consumo
Não venda um produto, mas uma visão de mundo

Dinheiro não é desculpa
Se sua ideia é boa, ela parará em pé; dinheiro ajuda, mas, em tempos de financiamento coletivo, não é tudo

Sócios e funcionários
Escolha sócios que te complementem; tenha empregados que dividam sua visão de mundo, confie neles e trate-os como você gostaria de ser tratado


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