Folha de S. Paulo


Modismos deixam todos os nomes de negócios parecidos; saiba como fugir

No começo eram as padarias, papelarias, peixarias –lojas especializadas em determinados produtos, todas devidamente dicionarizadas. Até a temakeria, vá lá, já aparece no Houaiss.

Mas eis que, nos últimos anos, foram brotando brigaderias, esmalterias, paleterias, bolerias, panerias, kiberias, picanharias, empadarias, cabelarias. A lista é extensa e, como rastilho de pólvora, a moda do sufixo se espalhou pelos mais variados setores.

Pode parecer invencionice, mas tais variações têm uma explicação etimológica -na língua portuguesa, os sufixos "eria" e "aria" indicam, entre outras coisas, locais onde se encontra determinado produto. Trocando em miúdos, significam especialização.

Divulgação
Foto do designer japonês Kenya Hara, publicada na revista serafina de dezembro de 2016
Doces à venda em unidade da rede Brigaderia, que foi fundada em 2011 em São Paulo

"Essas lojas sempre existiram. O que há de novo são os estabelecimentos que optam pelo nicho do nicho e se apresentam como especializados em um item apenas", explica Marcelo Nakagawa, coordenador do Centro de Empreendedorismo do Insper.

Quem chegou primeiro até se beneficiou do modismo. "Os pioneiros costumam ter ciclo de vida mais longo e conquistam uma fatia maior do mercado", afirma Giovana Aburaya, consultora de negócios com foco em marketing do Sebrae-SP.

Bom exemplo foi a Brigaderia, fundada em 2011, em São Paulo. Em pouco tempo, o nome da rede virou categoria e centenas de outras brigaderias, com nome e sobrenome, surgiram pelo Brasil.

Comprada em 2013 pela Cacau Show, a marca vai bem –tem nove lojas em São Paulo. Mas, há tempos, lida com a massificação do nome.

"Há cerca de três anos, houve uma explosão de brigaderias, e descobrimos mais de 300 registros pelo Brasil. Nosso SAC recebia reclamações sobre lojas que não eram nossas, havia muita confusão", conta Thais Costa, sócia-administradora da rede.

Na Justiça, ela já fez com que 40 concorrentes mudassem de nome. "Isso porque, por enquanto, optamos por acionar apenas os que ficam em São Paulo."

Davi Ribeiro/Folhapress
Foto do designer japonês Kenya Hara, publicada na revista serafina de dezembro de 2016
O empreendedor Gustavo Andare, fundador da Esmalteria Nacional e da nova Depileria

Surfar no sucesso do nome alheio pode dar retorno momentâneo, mas o tiro sai pela culatra. Quem alerta é Sandra Birman, sócia da iNomes, consultoria especializada em "naming", estratégias para nomear empresas.
"No início, o modismo pode ajudar na divulgação. Mas, com o tempo, a marca passa a fazer parte de um grupo, onde todos são parecidos. Não há exclusividade, muito importante num novo negócio."

Outro risco, ela emenda, é ver o nome da empresa banalizado. "A palavra 'gourmet' remetia a alta qualidade e sofisticação, mas tornou-se comum e até pejorativa. Da mesma forma, a palavra 'natural' virou genérica e sem credibilidade", adverte.

O modismo das "erias" e "arias" está longe do fim, aposta Nakagawa. "Vejo uma tendência forte pela microssegmentação, cada vez mais haverá o nicho do nicho. E sempre haverá alguém que vai descobrir um novo filão e lançá-lo como negócio."

O empreendedor Gustavo Andare, da franquia Esmalteria Nacional, está às voltas com uma nova franquia, lançada oficialmente em outubro último: a Depileria.
Inaugurada há um ano e meio, em Alphaville, a loja-modelo oferece todas as técnicas de depilação. "Quero chegar a 60 unidades em um ano", ele planeja.

RISCOS

Quando Angelo Mantovanini inaugurou a Paleteria Paulista, em dezembro de 2014, esse tipo de sorveteria era febre em São Paulo. "Só no Tatuapé, onde estamos, foram abertas umas dez novas em dois meses", diz.

Durante um semestre, enquanto o calor durou, a Paleteria Paulista vendeu só paletas. Mas veio o inverno, o movimento minguou, e Mantovanini precisou diversificar a linha de produtos.

Lançou fondue de chocolate, churros e waffles para aumentar o faturamento. Mas logo descobriu que o nome da empresa jogava contra o negócio. "Muita gente passava, lia 'paleteria' e nem entrava. O jeito foi investir em degustações na porta da loja." A empresa faturou em média R$ 70 mil mensais neste ano e estima crescer 10% em 2018.

Alberto Rocha/Folhapress
Foto do designer japonês Kenya Hara, publicada na revista serafina de dezembro de 2016
O empresário Angelo Mantovanini, 28, sócio da Paleteria Paulista, em São Paulo

LONGO PRAZO

Nomes ultraespecializados raramente estão preparados para o futuro, diz Marcelo Nakagawa, do Insper. "Deve-se pensar a longo prazo. Em dois ou três anos, todo modismo deixa de fazer sentido."

Mudar de nome é uma solução das mais radicais, desaconselhada para micro e pequenas empresas, já que elas geralmente têm pouco poder de fogo para investir em campanhas de marketing para reposicionar a marca.

Fazer adaptações, porém, pode ser uma saída. Mantovanini e os sócios estudam transformar o nome original em Paleteria e Doceria Paulista. A consultora Sandra Birman aprova. "Eles mostram que cresceram, sem perder a identidade."

Para Gustavo Andare, da Esmalteria Nacional, a ultraespecialização nunca foi problema. Quando abriu sua primeira loja, em 2012, queria reforçar que não se tratava de um salão de beleza comum, onde o serviço de manicure é secundário e o de cabeleireiro, o maior chamariz. "O nome esclarecia de cara", diz.

Deu certo. Cinco anos depois, a Esmalteria Nacional tem 226 unidades, em todos os Estados brasileiros.

A marca, diz Andare, não impediu a diversificação dos serviços. "O nome não foi limitador, pelo contrário. Ele atrai e endossa nossa qualidade. Se a gente é muito bom no item principal, vai ser bom no que vier de carona."

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2011
Foi o ano da fundaçãoda Brigaderia, em São Paulo; a rede, pioneira na renovação do doce, foi comprada pela Cacau Show dois anos depois

300
Registros de 'brigaderias', ao menos, foram identificados pela franquia no Brasil nos últimos três anos; 40 foram acionados na Justiça para mudar de nome


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