Folha de S. Paulo


Robôs farão tudo melhor; precisamos trabalhar com eles, diz professor de Harvard

A competição entre seres humanos e robôs por empregos qualificados e bem remunerados já começou e deverá se acirrar no futuro. Como as máquinas serão mais produtivas em todas as profissões, a renda do trabalho deverá crescer muito lentamente e corre o risco até de encolher.

O prognóstico é feito pelo economista Richard Freeman, de Universidade Harvard, que pesquisa os efeitos do avanço da inteligência artificial sobre economia, educação e mercado de trabalho.

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"Se você for pleitear um aumento de salário, precisa entender que haverá robôs cada vez melhores e cada vez mais baratos, que poderão substituí-lo", disse Freeman às repórteres da Folha, ao citar que hoje máquinas já escrevem notas jornalísticas.

Seu próprio emprego de acadêmico, diz, está sob ameaça. "Nós vamos trabalhar com as máquinas. Elas vão fazer partes muito importantes do trabalho e nós faremos algo com elas."

Um dos maiores riscos dessa tendência será o provável o efeito negativo da inteligência artificial sobre a distribuição de renda. Os donos dos robôs terão ganhos de rendimento muito maiores do que os trabalhadores, diz ele.

Em viagem ao Brasil para seminários organizados pela Academia Brasileira de Ciências e pelo Centro de Políticas Públicas do Insper, o professor afirma que a única forma de amenizar esse problema é que a propriedade das máquinas seja compartilhada com os trabalhadores -por exemplo, dando a eles ações das empresas.

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 31-10-2017: Richard B. Freeman, professor catedrático de economia em Harvard, co-diretor do Programa de Trabalho da faculdade de direito de Harvard, pesquisador de mercado de trabalho da London School of Economics e diretor do National Bureau of Economic Research / Science Engineering Workforce Projects, em aula sobre o impacto dos robôs e da inteligência ariticial sobre o mercado de trabalho, no Insper, em SP. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
Richard B. Freeman, professor catedrático de economia em Harvard, em palestra no Insper, em SP

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Folha - A preocupação de que os robôs vão substituir os humanos é legítima?

Richard Freeman - A preocupação não é que os humanos não vão ter mais trabalho, mas que perderão empregos bons e bem pagos. Médicos, por exemplo. Já se pode fazer hoje muita coisa com inteligência artificial que dispensa os médicos.

As máquinas conseguem ver coisas que os médicos muitas vezes não conseguem e conseguem chegar a uma conclusão melhor. Isso está todos os dias nas revistas científicas. Todo dia há uma coisa nova sobre o que as máquinas podem fazer.

Muito mais do que nós, leigos, podemos imaginar?

Sim. Nos EUA a gente acaba lendo mais sobre o que [presidente Donald] Trump disse ontem ou o resultado do basquete. Mas há uma ciência extremamente avançada fazendo coisas que nem imaginamos, muita gente em muitos países.

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 31-10-2017: Richard B. Freeman, professor catedrático de economia em Harvard, co-diretor do Programa de Trabalho da faculdade de direito de Harvard, pesquisador de mercado de trabalho da London School of Economics e diretor do National Bureau of Economic Research / Science Engineering Workforce Projects, em aula sobre o impacto dos robôs e da inteligência ariticial sobre o mercado de trabalho, no Insper, em SP. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
Richard Freeman, no Insper

Isso acumula e cresce, em todos os campos: inteligência artificial, robotização, outras tecnologias. Uma conferência de inteligência artificial que recebia 23 estudos há cinco anos hoje recebe 1.000. Nos negócios também há grande impacto.

Mas, por outro lado, há muito pouca pesquisa sobre qual é o impacto das máquinas sobre o trabalho, não? Uma das poucas, de [Daron] Acemoglu e [Pascual] Restrepo, mostra um efeito não tão grande.

Sim, muitos países hoje estão com pleno emprego. Mas a renda está crescendo cada vez mais devagar. O sinal desse efeito das máquinas não será no emprego, mas nos salários: não vamos mais conseguir o tipo de emprego que paga bem. A forma como fazemos as coisas está mudando e não há como impedir isso.

Como esse crescimento mais lento da renda se relaciona com a robotização?

Há muito pouca evidência. Mas o trabalho de Acemoglu mostra que, nas cidades em que os robôs entraram, os salários caíram. Algumas das suas funções hoje já são desempenhadas por jornalistas robôs. Os robôs por enquanto só escrevem matérias de esporte, este time ganhou daquele por tanto a tanto, nada muito complexo, mas a inteligência artificial os fará cada vez melhores. Portanto, se você for pleitear um aumento de salário, precisa entender que haverá robôs cada vez melhores e cada vez mais baratos, que poderão substituí-lo.

É possível evitar isso? Ou devemos esquecer dos empregos e comprar alguns robôs?

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 31-10-2017: Richard B. Freeman, professor catedrático de economia em Harvard, co-diretor do Programa de Trabalho da faculdade de direito de Harvard, pesquisador de mercado de trabalho da London School of Economics e diretor do National Bureau of Economic Research / Science Engineering Workforce Projects, em aula sobre o impacto dos robôs e da inteligência ariticial sobre o mercado de trabalho, no Insper, em SP. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
Richard Freeman, no Insper

Sim, podemos comprar os robôs [risos]. Isso será ótimo.

É inclusive sua recomendação, não?

Sim. Antigamente nos Estados Unidos você tinha seu próprio negócio, o negócio da família, ou era um artesão e tinha seu equipamento. Vamos pensar em um encanador. Ele entende de canos, tem habilidades mecânicas. Se ele tiver um robô com conhecimento específico, poderá fazer um trabalho melhor.

Mas a fatia da renda do trabalho será cada vez menor?

Não dá para saber se continuará caindo, mas ela se reduziu em termos globais, em vários países. E com as vendas crescentes de robôs e inteligência artificial, ninguém espera que a renda do trabalhador suba muito. Economistas são ruins em prever coisas, é sempre possível que aconteça. Mas acho difícil.

Em outros períodos também houve preocupação sobre o impacto da tecnologia. [O economista] Robert Gordon, por exemplo, diz que os ganhos de produtividade eram maiores antes.

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ão Paulo, SP, Brasil, 31-10-2017: Richard B. Freeman, professor catedrático de economia em Harvard, co-diretor do Programa de Trabalho da faculdade de direito de Harvard, pesquisador de mercado de trabalho da London School of Economics e diretor do National Bureau of Economic Research / Science Engineering Workforce Projects, em aula sobre o impacto dos robôs e da inteligência ariticial sobre o mercado de trabalho, no Insper, em SP. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
Richard Freeman, no Insper

Seria bom poder dizer que os dados dele estão errados, mas não estão. Se olhar as estatísticas, você pode dizer que elas não mostram grandes mudanças. Ou você pode dizer: há tantas máquinas e tecnologia nova, robôs, inteligência artificial, capazes de fazer coisas inconcebíveis anos atrás... é impossível que não haja mudanças.

Eu aposto que em dez anos veremos que Gordon estava prestando atenção só naqueles dados e não no que está acontecendo.

Quem olha apenas os dados estatísticos de produtividade está cego. No caso do celular, por exemplo, todo mundo os usa e eles representam cerca de 1% do PIB dos EUA. Você não vê a produtividade, mas há todo um mundo de serviço em volta disso. Eles estão se espalhando por todas as áreas, todos os negócios. O que as pessoas estão fazendo no celular? É tempo produtivo ou só lazer?

É preciso novas medidas de produtividade e crescimento?

Seria bom ter metodologia para isso. O problema é que os departamentos de estatística são muito conservadores, só vão mudar a metodologia quando estiverem muito convencidos de que existem formas melhores de medir.

Os robôs substituirão trabalhos intelectuais, como o seu?

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 31-10-2017: Richard B. Freeman, professor catedrático de economia em Harvard, co-diretor do Programa de Trabalho da faculdade de direito de Harvard, pesquisador de mercado de trabalho da London School of Economics e diretor do National Bureau of Economic Research / Science Engineering Workforce Projects, em aula sobre o impacto dos robôs e da inteligência ariticial sobre o mercado de trabalho, no Insper, em SP. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
Richard Freeman, no Insper

Sim. [risos] Grande parte dele. Nós vamos trabalhar com as máquinas. Elas vão fazer partes muito importantes do trabalho e nós faremos algo com elas.

Máquinas podem fazer trabalhos pesados, ir a lugares perigosos, como apagar incêndios. Os bombeiros poderiam estar no controle, tendo certeza de que os robôs estão indo ao lugar certo. Cada trabalho humano os robôs serão capazes de fazer. Pode levar mais tempo. Provavelmente não será para nós, mas para nossos filhos.

O que as novas gerações podem fazer para se preparar?

É muito importante que as crianças aprendam linguagem de computador. Não precisam virar programadores, mas entender o que as máquinas são capazes de fazer, para poder funcionar nesse novo mundo.

A Universidade de Illinois passou a unir todas as carreiras com ciências da computação há dois anos. Se você estuda jornalismo, também estuda ciência da computação, e tem uma dupla graduação, para ter uma ideia do que é preciso na sua área em relação à tecnologia. Para estar preparado e se ajustar.

O que pode acontecer com os que não terão mais trabalho?

Esse é um dos maiores perigos. Ter uma massa de desempregados e uma pequena elite que controla as máquinas e possui as tecnologias.

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 31-10-2017: Richard B. Freeman, professor catedrático de economia em Harvard, co-diretor do Programa de Trabalho da faculdade de direito de Harvard, pesquisador de mercado de trabalho da London School of Economics e diretor do National Bureau of Economic Research / Science Engineering Workforce Projects, em aula sobre o impacto dos robôs e da inteligência ariticial sobre o mercado de trabalho, no Insper, em SP. (foto Gabriel Cabral/Folhapress)
Richard Freeman, no Insper

O que vai acontecer com os motoristas, já que os carros autônomos estarão por todo lado e serão mais seguros? Provavelmente teremos carros elétricos, menos poluição, as pessoas serão mais saudáveis, mas há 2 milhões ou 3 milhões de pessoas que vivem como motoristas nos EUA.

O sr. fala do risco de concentração de renda nas mãos de quem detém a tecnologia. Há quem defenda tributar os robôs e implantar políticas sociais, mas o sr. defende que a propriedade das máquinas seja compartilhada com os trabalhadores. Por quê?

Porque a posse compartilhada aumenta a produtividade, enquanto a tributação a reduz. Se as pessoas tiverem ações das companhias em que trabalham, há incentivo para que elas contribuam mais para o sucesso da empresa. Tributar, pelo contrário, vai elevar o preço dos robôs.

Mas seria mais fácil garantir que todos paguem. Se uma companhia não adotar a posse compartilhada, ela não pode ter vantagem sobre as outras, anulando todo o esquema?

Nos EUA, empresas com ao menos 10% das ações nas mãos dos trabalhadores recebem incentivos fiscais. Porque se entende que é uma boa forma de capitalismo.

A maneira que o governo encontrou para incentivar foi usar sua política tributária para encorajar uma forma de empresa capitalista.

E quando se pensa em robôs e assemelhados, uma das vantagens de ter posse compartilhada é que, numa crise, há menor propensão a cortar a equipe, já que os empregados são também sócios. Eles se esforçarão mais para que a empresa desempenhe bem.

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RAIO-X

Richard Barry Freeman

Idade: 74

Formação: doutorado em economia pela Universidade Harvard

Atividades:
* professor de economia de Harvard
* co-diretor do Programa de Trabalho da Escola de Direito de Harvard
* pesquisador sênior de mercado de trabalho na London School of Economics
* diretor do programa de formação em engenharia e ciência do NBER (escritório nacional de pesquisa econômica dos EUA)


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