Folha de S. Paulo


Crise financeira esvazia escola de economia da USP

Ricardo Borges/Folhapress
Professores do departamento de economia da USP deixam universidade em razão de políticas restritivas de atuação, esse é o caso de Nathalie Gimenes e Fabio Miessi.
Fábio Sanches e Nathalie Sanches, que deixaram a USP

A crise financeira atravessada pela USP (Universidade de São Paulo) e a competição com instituições privadas que acumularam grande prestígio acadêmico nos últimos anos estão esvaziando a maior escola de economia do país.

Em um ano, 25 professores deixaram a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Quase todos faziam parte do Departamento de Economia, que perdeu um terço do seu corpo docente nos últimos dois anos.

No mesmo período, o quadro da universidade como um todo também encolheu, mas apenas 3%, de acordo com levantamento feito pela Folha.

Dos 24 pesquisadores que deixaram o Departamento de Economia, 20 se aposentaram, a maioria antes de atingir os 75 anos, idade em que o afastamento é obrigatório.

Ficaram assustados com a possibilidade de serem atingidos pela reforma da Previdência e contrariados com mudanças no estatuto da USP que passaram a dificultar a complementação da renda dos professores com atividades de consultoria externas.

Os outros quatro que se desligaram da escola são jovens acadêmicos promissores que haviam sido recrutados recentemente, num esforço do departamento para revigorar seu corpo docente.

O casal Fábio Miessi Sanches e Nathalie Gimenes Sanches migrou para a PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio. Bruno Giovannetti e Fernando Chague foram para a EESP (Escola de Economia de São Paulo), da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

A professora Fernanda Estevan —que trocou a Universidade de Ottawa, no Canadá, pela USP em 2014— informou à direção da FEA que também deixará a escola pela EESP em 2018, o que aumentará o número de baixas.

A crise na escola é provocada por uma combinação de fatores. Com a recessão e o aperto nas contas públicas, o orçamento da universidade tem sofrido fortes restrições, como o de outras instituições públicas. Os salários dos professores da USP ficaram sem reajuste no ano passado.

A escassez de recursos limitou a capacidade da universidade de oferecer incentivos capazes de reter professores mais talentosos. Além disso, a recessão econômica reduziu a procura por serviços de consultoria e outros projetos aos quais alguns professores de economia da USP se associam para ganhar mais.

BOLSAS

A situação foi agravada pelo congelamento de um programa criado para atrair doutorandos de universidades estrangeiras de grande reputação. Conhecido como Research Fellows, ele oferecia bolsas de R$ 11 mil por mês a jovens que topassem ficar até três anos no departamento.

Se nesse período fosse aberta vaga de professor, os bolsistas tinham o compromisso de se candidatar no concurso. Dos 16 participantes, 13 foram contratados na última década, mas quatro já deixaram a universidade.

Entre os ex-bolsistas que saíram estão Fábio Sanches e Giovannetti, que fizeram doutorado, respectivamente, na London School of Economics e na Universidade Columbia.

"O problema do Departamento de Economia da USP é que nada que é bom dura muito", diz Sanches. "Quando entrei, minha expectativa era que seria bem diferente."

Sanches recebia R$ 7 mil líquidos na USP. Escolas como a PUC do Rio e a FGV pagam pelo menos o dobro a professores em início de carreira, o que faz diferença para os mais jovens, que já não contam com a aposentadoria integral garantida aos mais velhos e não veem a estabilidade no emprego como fator decisivo.

A oferta de incentivos para publicar artigos em periódicos acadêmicos de prestígio também influiu na mudança. "A USP dá pesos iguais a periódicos cuja relevância é muito diferente e isso é desanimador", diz Nathalie Sanches.

ÓRFÃOS

Para o chefe do Departamento de Economia da FEA, Eduardo Haddad, o fim da recessão e mudanças em debate na universidade ajudarão a reverter a crise —a comunidade da USP elegerá um novo reitor nesta segunda (30).

Com a recuperação da economia, a expectativa é que o setor privado volte a se interessar por projetos em parceria com a universidade e contribua com um novo fundo criado para captar doações.

Além disso, uma comissão com representantes de várias unidades está revendo o estatuto dos professores e propondo mudanças para remover entraves a atividades de consultoria e projetos com o setor privado, diz Haddad.

No primeiro concurso aberto para preencher as vagas na escola, ele conseguiu atrair 24 candidatos. Enquanto esperam pelas contratações, professores que se aposentaram continuam dando aulas e os que ficaram tentam recuperar o ânimo. "A saída de tantos professores gerou sentimento de orfandade para a geração que ficou", afirma Haddad.

Colaboraram FABIO TAKAHASHI e MARCELO SOARES


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