Folha de S. Paulo


4 de cada 10 start-ups brasileiras não têm mulheres na equipe

Gustavo Epifanio/Folhapress
Tatiana Pezoa, fundadora da empresa Trustvox, posa para foto, em São Paulo (SP)
Tatiana Pezoa, fundadora da empresa Trustvox, posa para foto, em São Paulo (SP)

A teoria: a maioria das start-ups brasileiras diz que as pessoas são o fator mais importante para ter sucesso. A prática: 4 em cada 10 dessas empresas não têm nenhuma mulher trabalhando lá.

A falta de diversidade entre as empresas iniciantes foi mostrada por pesquisa da ABStartups (Associação Brasileira de Startups), com a consultoria Accenture, e reuniu mais de mil empresas.

Para Guilherme Horn, executivo da Accenture, o cenário mostrado pelas start-ups é chocante. "Se estivessem contratando as melhores pessoas, deveriam buscar competência sem levar em conta o gênero", afirmou.

Essa discussão ganhou recentemente após um agora ex-engenheiro do Google atribuir a diferenças biológicas as desigualdades de gênero encontradas na indústria da tecnologia nos EUA.

Tatiana Pezoa, 43, presidente da Trustvox, empresa que dá a lojas virtuais ferramentas para garantir a autenticidade de avaliações de produtos, diz já ter sido discriminada por ser mulher em conversas com investidores.

Segundo ela, houve casos mais sutis, em que perguntaram com espanto se ela era a única sócia da empresa —e outros mais diretos. "Diziam que o mercado de e-commerce [comércio eletrônico] precisa de uma pessoa mais masculina, pois ele é muito agressivo. Isso me desmontava."

Ela ressalta, porém, que há dificuldades para quem quer contratar mulheres.

Em sua própria companhia, de 18 pessoas, são só duas. A empresa recebe muito menos currículos de mulheres do que de homens, diz.

Mariana Vasconcelos, 26, presidente da Agrosmart, de internet das coisas para monitoramento de plantações, também diz já ter sofrido preconceito, mas considera que o mercado está se tornando mais receptivo desde que iniciou o negócio, em 2014.

Um dos desafios, segundo ela, é negociar com produtores rurais. "Eles me recebiam bem, mas criavam uma relação afetuosa, como se fosse filha. E ficavam com dificuldade de falar de dinheiro."

A solução, segundo ela, foi passar a levar um homem para facilitar as negociações.

Mariana Dias, 30, presidente da start-up Gupy, de inteligência artificial para recrutamento, diz considerar que a exigência das longas jornadas de trabalho em start-ups torna difícil para muitas mulheres conciliar sua atividade profissional com o que a sociedade espera delas, incluindo cuidado com a casa e os filhos.

Ela se diz privilegiada por dividir todas as atividades domésticas com o marido e ter apoio para empreender. Ela diz nunca ter sofrido preconceito no mercado.

Porém sabe que outras, em seu lugar, considerariam situações que viveu, e ela achou natural, no mínimo constrangedoras.

"Um investidor com quem negociava já me perguntou quando eu pensava em ter filhos. Pessoalmente, achei bom ele ter se interessado."

Outro desafio lembrado por Dias é a falta de mulheres especializadas em tecnologia formadas nas universidades. "Sempre que houver urgência de contratação, a empresa vai contratar um homem, por ser a solução mais rápida." A companhia dela hoje tem 43% de mulheres.


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