Folha de S. Paulo


Filho de lanterninha e costureira, Saud saiu da pobreza com conexões políticas

L.Adolfo - 28.out.2006/Folhapress
Ricardo Saud, o 'homem da mala' do grupo JBS
Ricardo Saud, o 'homem da mala' do grupo JBS

Na época em que foi diretor de marketing da Universidade de Uberaba (Uniube), Ricardo Saud tinha duas fotos em sua sala: uma com o ex-presidente Lula e outra com o ditador cubano Fidel Castro. As fotos ficavam num porta-retratos atrás de sua cadeira, bem à vista de qualquer um que ele recebesse para uma reunião.

Longe de representar uma afinidade com ideologias de esquerda, as imagens com Lula e Castro eram exibidas por Saud como troféus de suas relações políticas, que se tornaram a base de sua carreira e de seus crimes.

O lobista, que ficaria conhecido como o "homem da mala" da JBS, é descrito por pessoas próximas como despachado e arrogante. Em Uberaba, sua cidade natal, muitos achavam que ele exagerava ao se gabar de seus encontros com os homens mais poderosos da República.

Só descobriram que era tudo verdade quando a delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista se tornou pública e mostrou Saud efetivamente entregando uma mala com R$ 500 mil para o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), um dos assessores mais próximos do presidente Michel Temer.

Ricardo Saud nasceu em 1964 na conservadora cidade do Triângulo Mineiro, em uma família muito pobre. De origem árabe, o pai trabalhava como lanterninha no cinema e a mãe era costureira. Na infância, Saud e seu irmão mais velho, Isaac, chegaram a engraxar sapatos para ajudar em casa.

A sorte dele começou a mudar aos 20 anos, quando fisgou Suzana Rodrigues da Cunha, uma das herdeiras mais cobiçadas de Uberaba. Suzana é filha de João Gilberto Rodrigues da Cunha, médico, pecuarista e ex-presidente da poderosa Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). Foi o sogro quem abriu para o genro as portas das fortunas do agronegócio e da política.

PARAGUAI

Ainda jovem, Saud se tornou muito próximo do paraguaio Juan Carlos Maria Wasmosy, um dos amigos da família da mulher. Político influente em seu país, ele tinha fazendas de gado em Uberaba. Wasmosy se apegou tanto a Saud que o convidou para coordenar sua vitoriosa campanha à Presidência do Paraguai, na década de 1990, e para trabalhar no governo.

Saud partiu sozinho para Assunção em 1993, deixando Suzana e os três filhos em Minas Gerais. Segundo pessoas próximas, Ricardinho, como é conhecido por ser baixinho, voltou rico do Paraguai e teria até se tornado sócio de um filho de Wasmosy em uma empresa de jogos de azar.

O político concedeu a cidadania paraguaia e o título de cônsul honorário ao amigo brasileiro. A dupla nacionalidade e a conta bancária não declarada no Paraguai foram alguns dos motivos para a Justiça declarar a prisão preventiva de Saud, após a Procuradoria-Geral da República (PGR) romper seu acordo de delação.

No autogrampo que derrubou a colaboração premiada dos Batista, ele e Joesley bebem uísque e trocam confidências, que vão desde a relação com o ex-procurador Marcelo Miller até infidelidades conjugais. Em sua trajetória, Saud sempre se aproximou de políticos e empresários poderosos e se tornou imprescindível. Joesley é apenas o exemplo mais recente.

UNHA E CARNE

Em Uberaba, ele é considerado "unha e carne" com o empresário Marcelo Palmério, um dos homens mais ricos da cidade, dono de universidade, hospital, shopping e um dos chefes do PMDB local. Procurado pela reportagem, ele não quis dar entrevista.

Conforme pessoas próximas, Palmério considera Saud como filho. O lobista, que nunca tinha concluído um curso superior, se formou em gestão do agronegócio em 2008 quando era diretor de marketing na Uniube –que tem Palmério como reitor. Colegas da época dizem que ele pouco frequentou o curso.

Depois da delação premiada dos Batista, Palmério acolheu os correligionários de Saud que foram defenestrados de Brasília pelo governo Temer. A reportagem localizou Juarez Delfino, que estava no Incra, o instituto dedicado à reforma agrária, por indicação de Saud, no campus da Uniube, onde ocupa um cargo de direção, mas ele também se recusou a falar com a Folha.

Em 2004, Palmério deu um belo empurrão na carreira de Saud ao indicá-lo para ser secretário de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Uberaba na gestão de Anderson Adauto, ex-ministro dos Transportes de Lula. Vaidoso, o lobista chegou a acalentar o sonho de ser prefeito e rompeu com Adauto quando ele se candidatou à reeleição.

Em seu tempo na secretaria, Saud conheceu os donos da Ourofino, uma empresa de medicamentos veterinários da região de Ribeirão Preto (SP) que abriu uma fábrica em Uberaba. Teria sido por meio deles que o lobista se aproximou de Wagner Rossi, político ligado ao então vice-presidente Temer.

BRASÍLIA

Saud chegou a Brasília em 2011, quando Rossi se tornou ministro da Agricultura na gestão Dilma. Foi indicado para dirigir o departamento de cooperativismo, mas, em duas semanas, já tinha cargo de confiança e sala ao lado do gabinete do ministro.

Quando Rossi foi flagrado utilizando os jatinhos da Ourofino para viagens particulares e perdeu o posto, Saud também foi dispensado. Ele, no entanto, já tinha se aproximado de Joesley, que o convidou para dirigir a área de relações governamentais da JBS e depois da J&F.

Como braço direito de Joesley, o maior doador de campanhas políticas do país, Saud desfrutou o auge do seu prestígio. Responsável por distribuir as propinas, era requisitado por deputados e senadores. Ainda assim, nunca deixou de visitar Uberaba, mesmo depois de se divorciar de Suzana.

O executivo, antes tão popular, agora não tem mais quem o defenda publicamente. A maior parte das pessoas procuradas para esta reportagem se recusou a falar sobre ele. A J&F, que cuida da defesa de Saud, também não quis dar entrevista.


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