Folha de S. Paulo


'Deixem a gente trabalhar e não estraguem mais', diz sócio do fundo Advent

Bruno Santos/Folhapress
Patrice Etlin, sócio do fundo Advent
Patrice Etlin, sócio do fundo Advent, que tem US$ 16 bilhões em empresas na América Latina

Filho de pai francês, Patrice Etlin pode ser considerado o tão famoso "investidor estrangeiro" por excelência. Ele comanda a operação na América Latina do fundo de private equity Advent International e já investiu R$ 16 bilhões em empresas na região.

O executivo, porém, nasceu no país e como brasileiro diz que a sociedade se desinteressou do "circo" de Brasília. Na sua visão, existe hoje uma "separação clara" entre a crise política e a economia e o mercado de capitais, que vive uma fase exuberante.

Ao contrário dos seus pares, não se assustou com a Lava Jato e avalia que as investigações trouxeram oportunidades de novos negócios. "Não sejamos ingênuos. Agora a ferida está aberta, mas a corrupção sempre existiu", disse à Folha.



Folha - As eleições presidenciais do ano que vem prometem ser a mais disputadas desde 1989. Isso afasta o investidor estrangeiro?
Patrice Etlin - Temos uma exuberância na Bolsa brasileira e o real está estável, apesar das notícias de Brasília. Isso ocorre porque existe muita liquidez no mundo e o dinheiro está vindo para cá. O que vivemos hoje no Brasil é uma separação clara entre a crise política de um lado e a economia e o mercado de capitais de outro. Estamos anestesiados em relação a esse assunto, seja a briga entre STF e Senado, seja a segunda denúncia contra o Temer. Todo esse circo montado em Brasília quando todo mundo sabe qual vai ser o resultado. A sociedade se desinteressou disso.

E para o investidor?
O empresariado e o mercado financeiro também não estão se importando. A visão geral é: deixem a gente trabalhar e não estraguem mais. Medidas muito importantes –reforma trabalhista, teto de gastos– já foram aprovadas. Se fizerem uma reforma mínima da Previdência, já está bom. É óbvio que vai ter volatilidade no ano que vem e discursos inflamados, mas tenho uma visão pragmática do que pode ser feito pelo novo ocupante do Planalto.

E qual é a visão?
O dinheiro acabou. O Estado brasileiro não tem capacidade de investir e mal consegue pagar suas contas. Qualquer um que sentar naquela cadeira vai ter que fazer as reformas. Se for um governo com uma agenda pró-mercado, poderemos ter um círculo virtuoso rapidamente. Se for uma administração de esquerda, poderá demorar mais, mas vai chegar no mesmo lugar.

O liberalismo está ganhando mais espaço no Brasil, um país com uma tendência estatizante. O senhor acredita que essa mudança veio para ficar?
O modelo da Constituição de 1988 faliu. A situação teria estourado no colo de qualquer um que estivesse no governo. Obviamente a Dilma conseguiu piorar as coisas, mas o problema era estrutural. Esta crise mostrou para a sociedade que é um erro insistir nessa dependência do Estado provedor. As pessoas sofreram muito com isso. Houve desemprego e perda importante de qualidade de vida nos últimos anos. Existe hoje no Brasil mais abertura ao modelo liberal. O maior exemplo disso é a privatização da Petrobras, que hoje é discutida de maneira aberta. O IPO da BR Distribuidora está acontecendo.

Esse dinheiro que chega ao Brasil é de curto prazo ou já existem investidores estratégicos retornando ao país?
Esses recursos são de curto prazo. A Bovespa está batendo toda semana seus recordes em reais, mas ainda estamos um pouco abaixo do recorde em dólares. O investidor estratégico também começou a chegar. Acabamos de vender nosso porto para o segundo maior grupo chinês [a China Port comprou 90% da TCP, que opera terminais de contêineres em Paranaguá por R$ 2,9 bilhões]. É claro que alguns investidores que tomam hoje uma decisão para os próximos 30 anos podem esperar para ver o que vai acontecer em 2018, mas o momento é muito oportuno para entrar no país.

Oportuno?
Temos empresas muito endividadas por causa da Lava Jato e da crise, o que abre oportunidade de aquisições interessantes e, ao mesmo tempo, possuímos um mercado exuberante de capitais. Estamos comprando e vendendo muito bem. Normalmente essas coisas não vão juntas. Enfim, vivendo um ano esquizofrênico: compramos participação em quatro empresas no primeiro semestre (quantiQ, Estácio, Easynvest e Menil) e vendemos nosso porto, saímos do laboratório Fleury, abrimos o capital da farmacêutica Biotoscana.

Na sua avaliação, quais são os riscos para a retomada da economia brasileira?
No curto prazo, o maior risco é externo. Se a economia americana tiver uma retomada brusca e os juros dos Estados Unidos subirem mais do que o mercado antecipa, o dinheiro migrará para lá e o real vai depreciar. O ambiente externo está novamente benigno para os países emergentes e o Brasil –bem ou mal– continua nesse meio. Mas, se essa liquidez voltar para o seu porto seguro, o país vai enfrentar uma corrida de capitais numa situação mais frágil. Ainda temos deficit fiscal e estamos muito longe de arrumar nossas contas.

As investigações da Operação Lava Jato revelaram uma enorme rede de corrupção no país. Como isso afetou a percepção dos estrangeiros?
Não vamos ser ingênuos. Agora a ferida está aberta, mas a corrupção sempre existiu. A maneira como lidamos com isso é que nunca adquirimos empresas em que o governo era o principal cliente [o que poderia exigir pagamento de propina para obter contratos]. Se a companhia obtém mais de 10% de sua receita com o governo, incluindo estatais, nem avaliamos. Perdemos várias oportunidades com empresas que vendiam para a Petrobras ou atuavam na construção civil.

Não dá para fazer negócio com o Estado?
Tivemos experiências muito boas em setores regulados pelo governo, mas cujo cliente final é privado: portos, Cetip, Dutyfree. Nesses casos, a empresa paga uma parcela da renda para o governo em vez de receber dele, o que faz uma enorme diferença. Mas nas "due dilligence" das empresas, sempre fizemos checagem das melhores práticas com empresas de investigação como a Kroll, porque temos de obedecer o Foreign Corrupt Practices Act [lei que pune empresas com negócios nos EUA e pagam propina no exterior].

A percepção geral do mercado, no entanto, é que a Lava Jato assustou os estrangeiros. Qual é a sua avaliação?
É claro que muitos investidores estratégicos e até outros fundos recuaram. Hoje temos menos competição, apesar da atual exuberância do mercado de capitais. Para a Advent, que está no Brasil há 20 anos, a Lava Jato abriu uma enorme oportunidade, porque trouxe para o mercado ativos que não estariam disponíveis.

E quais foram esses ativos?
Compramos, por exemplo, uma distribuidora química da Braskem, a quantiQ. Soube que havia um investidor estratégico avaliando, mas o risco Lava Jato afastou esse concorrente. Também adquirimos a maior empresa de TI do Peru por causa da Lava Jato. Essa empresa pertencia a uma sócia da Odebrecht, que foi pega pelas investigações locais e teve que vender ativos para fazer caixa. Obviamente adotamos cláusulas de indenização por corrupção mais detalhadas e abrangentes e sem limitação de valor. Outro cuidado adicional foi adquirir pedaços das companhias que não tinham sido utilizados na corrupção. No acordo de leniência da Braskem, não há qualquer menção à quantiQ. Um fundo de "private equity" que está chegando ou voltando para o Brasil não quer envolvimento com o assunto Lava Jato. Não vai querer correr riscos em sua primeira transação no país. Já nós conseguimos entender melhor e nos proteger desses riscos.

A Advent está no Brasil desde 1997. O que mudou no país nesses 20 anos?
Voltei ao Brasil em 1994 após fazer MBA na França. Tinha propostas para trabalhar lá, mas resolvi apostar no Plano Real. Abri o escritório da Advent no país em 1997. Apostamos que o mercado de capitais ia se desenvolver, mas levou dez anos. Entre 1994 e 2004, tivemos quatro IPOs [oferta pública inicial de ações] na Bolsa. Entre 2005 e 2008, foram cerca de 150. A mudança que propiciou esse salto foi a regulamentação do Novo Mercado. A governança das empresas avançou. O empresário entendeu a importância de ter as contas em ordem para abrir capital ou receber dinheiro dos fundos. Isso gerou um círculo virtuoso, com empresas maiores e mais capitalizadas, gerando mais emprego e pagando mais imposto.

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Patrice Etlin

Idade
54 anos

Formação
Graduado em engenharia eletrônica pela USP, tem MBA pelo Insead e mestrado em engenharia industrial pela École Centrale de Paris

Carreira
É sócio-diretor da Advent Internationa no Brasil desde 1997


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