Folha de S. Paulo


Caso de corrupção atinge Airbus, que fala em 'tempos turbulentos' à frente

Tony Gentile - 23.mar.11/Reuters
ORG XMIT: AMP304 Four Italian Air Force Eurofighter EF-2000 Typhoon fly over the Birgi NATO Airbase in Trapani on the southern Italian island of Sicily March 23, 2011. Western governments inched closer to a deal on Wednesday over who should lead military operations against Muammar Gaddafi's forces in Libya, with France saying NATO will have only a
Esquadrilha de Eurofighter Typhoon, mesmo modelo utilizado pela Força Aérea da Áustria

A gigante aeroespacial europeia Airbus, que divide o mercado mundial de aviões comerciais de grande porte com a americana Boeing, está em apuros devido a um escândalo de corrupção que analistas temem ser tão grande quanto o que quase quebrou a alemã Siemens em 2006.

Seu executivo-chefe, Tom Enders, previu "tempos turbulentos" devido ao caso, que pode gerar "multas substanciais" à empresa.

Ele fez os comentários em comunicado aos 134 mil empregados da Airbus na sexta (6), após uma semana na qual a mídia alemã revelou detalhes de uma investigação sobre a suspeita de pagamento de propina para garantir a venda de 18 caças avançados Eurofighter Typhoon para a Áustria.

A apuração começou há alguns anos, mas a revista "Der Spiegel" revelou que investigadores de Munique estão prontos para indiciar executivos da Airbus. O caso também é apurado por autoridades anticorrupção da França e do Reino Unido, e segundo a revista poderá atingir também uma série de negócios civis da empresa -em lugares como a China ou a Indonésia.

O caso da Áustria começou em 2003, quando o país decidiu trocar sua frota de caças. A sueca Saab era a favorita para vender o Gripen, o mesmo modelo escolhido pelo Brasil em 2013, que é um avião mais barato em custo e na operação. Surpreendentemente, o caro Eurofighter foi escolhido, por cerca de US$ 2 bilhões.

Não deu muito certo: em janeiro deste ano, o governo austríaco disse que irá trocar sua frota por algum modelo mais barato e de operação mais eficaz, sendo acusado pela Airbus de estar jogando politicamente. O país está investigando o contrato e seus detalhes.

A apuração na Alemanha levou a três empresas suspeitas de serem laranjas de diretores da Airbus, cuja atual divisão de defesa era então chamada de EADS, abertas em 2014. A principal dela fica em Londres e se chama Vector Aerospace, tendo dois funcionários e depositária de uma remessa de 114 milhões de euros da gigante europeia.

Oficialmente, eles receberam por negociar programas de "offset", ou seja, as compensações industriais que a Áustria receberia ao topar comprar o Eurofighter. Só que inicialmente os programas seriam feitos dentro da estrutura da Airbus/EADS, sujeitos a multas se não fossem cumpridos, e não por terceiros, o que levou a suspeitas sobre o direcionamento do dinheiro.

A "Der Spiegel" também localizou um contador romeno que teve contatos com a Airbus/EADS enquanto trabalhava numa escola em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Já de volta à Romênia, ele recebeu US$ 5 milhões por serviços de "offset" com a Áustria. Ele diz que nunca viu o dinheiro.

A combinação de empresas suspeitas, laranjas e propinas traumatizaram a Europa em 2006, quando foi revelado que a gigante industrial alemã Siemens pagou a corruptos mundo afora. A empresa acabou pagando US$ 2 bilhões em multas e foi submetida a um processo de "compliance" (conformidade com boas práticas) com presença de auditores estrangeiros.

Há dezenas de casos semelhantes no mundo da venda de armamentos, em especial para países com baixo nível de controle de corrupção. Historicamente, França e Reino Unido são campeões em práticas do gênero no Oriente Médio e na Ásia, com escândalos famosos em sua conta.

No ano passado, a brasileira Embraer fez acordo com o Departamento de Justiça dos EUA e pagou US$ 206 milhões para não ser punida por ter pago propina na venda de Super Tucano à República Dominicana, entre outros negócios.

A Airbus diz que abriu voluntariamente seus arquivos aos investigadores sobre o caso apurado, e que sua própria checagem não teria encontrado nenhuma irregularidade. Segundo o jornal econômico alemão "Handelsblatt", investigadores de Munique irão indiciar executivos da Airbus, mas não o chefão Tom Enders.

Sua posição, contudo, está ameaçada. É CEO, ou executivo-chefe, do grupo desde 2012, mas estava justamente em cargos estratégicos na antiga EADS desde 2000. Invariavelmente o grau de conhecimento dele do que for comprovado ou não estará em discussão.

O tombo ético vem em mau momento para a Airbus. A empresa saiu do famosos Paris Air Show com menos encomendas que a rival Boeing pela primeira vez desde 2012 (346 x 571), e a venda de aviões comerciais no mundo está em baixa desde a crise global do fim dos anos 2000.

A Airbus faturou US$ 78,6 bilhões em 2016, dos quais US$ 13 bilhões vieram de sua área de defesa. Seus ganhos antes de juros e impostos foi de US$ 4 bilhões. A Boeing, que tem um portfólio de defesa bem maior que o da Airbus, teve ganho de US$ 5,8 bilhões e faturou US$ 94,6 bilhões no mesmo ano.

Desde o início das revelações, na semana passada, as ações do grupo europeu vêm registrando queda -passaram de 82 euros no dia 5 para 78 nesta terça (10).

Para complicar, sua estrutura acionária inclui os Estados alemão (11,1%), francês (11,1%) e espanhol (4,2%), o que segundo a imprensa europeia já está gerando uma troca feroz de acusações entre governos nos bastidores.


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