Folha de S. Paulo


Hugh Hefner foi muito mais do que um playboy

Hugh Hefner foi uma das pessoas que fizeram com que o mundo se ligasse em sexo.

Como editor visionário e criador da revista "Playboy", movido por sua força de vontade e sonhos febris, ele levou a nudez e a sexualidade ao plano central da cultura, nos Estados Unidos e em todo o planeta.

Por décadas, o aparentemente imortal Hefner personificava o "estilo de vida de 'Playboy'": vestindo pijamas, o empresário comandava seus negócios da cama e dava festas luxuosas em sua Playboy Mansion, para um elenco sempre mutável de jovens beldades de corpos curvilíneos.

Ele morreu na quarta-feira (27), aos 91 anos, e sua morte foi confirmada pelo grupo Playboy via Twitter.

O Playboy Original
Hugh Hefner morre aos 91 anos

Desde a primeira edição de "Playboy", em 1953, que trazia uma foto de Marilyn Monroe nua sobre lençóis vermelhos, Hefner buscou derrubar aquilo que entendia como código moral puritano da classe média dos Estados Unidos.

Na época, sua revista era chocante, mas não demorou a encontrar uma audiência grande e receptiva, e foi a principal força por trás da revolução sexual dos anos 60.

Hefner tirou a nudez de sob o balcão, mas foi mais que o imperador da terra da nudez.

Desde o começo, ele tinha aspirações literárias para "Playboy" e publicava textos de grandes escritores, para dar credibilidade cultural à revista.

A ideia de que as pessoas intelectualizadas lessem "Playboy" "por causa dos artigos", desviando o olhar quando encontravam fotos de mulheres de seios nus, se tornou uma piada duradoura.

VISÃO DO CRIADOR

Poucas publicações refletiram tanto o gosto e ambição de seus criadores quanto a "Playboy" de Hefner.

"Estou vivendo a versão adulta do sonho de um menino, e transformando a vida em celebração", ele disse à revista "Time" em 1967.

"Tudo acaba depressa demais. A vida deveria ser mais que um vale de lágrimas."

A fórmula da revista, combinando mulheres nuas em fotos bem produzidas e conselhos sobre aparelhos de som, sexo, carros e roupas, mudou pouco ao longo dos anos, e tinha por objetivo atrair homens heterossexuais urbanos e ascendentes profissionalmente, como audiência principal.

Mas "Playboy" também conquistou muitos leitores no clero - que tinha direito 25% de desconto para assinaturas - e entre as mulheres.

"Hefner foi, antes e acima de tudo, um brilhante empreendedor", disse David Allyn, autor de "Make Love, Not War: The Sexual Revolution, an Unfettered History".

"Ele criou a 'Playboy' em um momento no qual os Estados Unidos estavam ingressando em um período de profundo otimismo social e econômico. Sua modalidade de liberalismo sexual se enquadrava perfeitamente às aspirações do pós-guerra."

Hefner contratou uma grande equipe de editores e artistas que levou sofisticação visual às páginas de sua revista, mas jamais houve dúvida de que era a visão dele, e só a visão dele, que a orientava. Por muitos anos, "Playboy" foi produzida em Chicago, a cidade natal de seu editor.

Antes de chegar aos 50 anos, Hefner era, como a revista "Esquire" certa vez definiu, "o mais famoso editor de revistas na história do planeta".

Ele encomendou artigos a alguns dos mais célebres escritores norte-americanos —Saul Bellow, Norman Mailer, James Baldwin e Joyce Carol Oates, por exemplo.

Entre as obras que foram publicadas inicialmente pela "Playboy", havia excertos de "Raízes", de Alex Haley; "The Best Little Whorehouse in Texas", de Larry L. King; "Fast Times in Ridgemont High", de Cameron Crowe; "O Mundo de Acordo com Garp", de John Irving; e "Todos os Homens do Presidente", de Carl Bernstein e Bob Woodward.

As longas entrevistas da revista com figuras importantes da política, esporte e entretenimento —como Muhammad Ali, Fidel Castro e Steve Jobs— frequentemente se tornavam notícia.

Uma das revelações noticiosas mais notáveis de "Playboy" surgiu em 1976, quando o candidato à Presidência dos EUA Jimmy Carter admitiu em entrevista à revista que "já olhei para muitas mulheres com luxúria. Cometi adultério em meu coração muitas vezes".

FILOSOFIA DA PLAYBOY

A cada mês, Hefner escrevia um editorial no qual ele buscava definir a "filosofia de Playboy". Em sua opinião, a liberdade sexual era parte de um espírito mais amplo de liberdade, que incluía liberdade de expressão e um relaxamento das leis sobre drogas e direitos civis, o que abarca o casamento gay,.

A Playboy Enterprises, que controla os negócios de Hefner, se expandiu e veio a incluir programas de televisão, festivais de jazz, editoras de livros e uma cadeia internacional de Playboy Clubs, onde as garçonetes, conhecidas como coelhinhas, usavam uniformes de cetim reveladores, com rabinhos de pompom na traseira.

Em 1961, quando clubes Playboy franqueados em Miami e Nova Orleans se recusaram a admitir membros negros, Hefner comprou de volta as duas unidades e divulgou um memorando severo.

"Somos inimigos declarados da segregação e estamos ativamente envolvidos na luta para encerrar todas as desigualdades raciais em nossa era", ele escreveu.

Na Playboy Mansion, inicialmente em Chicago e depois em Los Angeles, Hefner dava festas cintilantes que atraíam celebridades de Hollywood e dezenas de mulheres ávidas por tirar a roupa.

Na entrada, uma inscrição diz "si non oscillas, noli tintinnare" —expressão latina que pode ser traduzida aproximadamente como "se você não agita, não toque a campainha".

Imagens sexuais antes proscritas e ideias popularizadas nas páginas da "Playboy" se tornaram comuns nos filmes, na televisão e em outras mídias, à medida que a cultura mais ampla passava a refletir os valores defendidos por Hefner.

"Jamais recapturaremos a importância da 'Playboy' nos anos 60 e 70", ele disse em entrevista em 2003, "porque nós mudamos o mundo. Vivemos no mundo da 'Playboy', agora, para o bem e para o mal."

FEMINISTAS

Ainda que se ofendesse quando alguém o chamava de pornógrafo, afirmando que "Playboy" raramente, e talvez nunca, mostrou atos sexuais explícitos, Hefner se divertia com as acusações de grupos religiosos e daqueles que se definiam como defensores da moral.

Mas ele foi apanhado de surpresa pela indignação das feministas, que viam como degradante a imagem das mulheres propagada por sua revista.

A escritora feminista Gloria Steinem trabalhou por algum tempo em um Playboy Club em Nova York, para recolher informações para um artigo que publicou em 1963.

Em uma participação no "Dick Cavett Show", em 1970, a escritora Susan Brownmiller confrontou Hefner, dizendo que, "quando Hugh Hefner aparecer no programa com um rabinho de coelho preso ao traseiro, teremos igualdade". Hefner não respondeu.

"Para ser bem franco", ele disse em entrevista ao programa "Fresh Air", da rádio pública NPR, em 1999, "o movimento da mulher, do meu ponto de vista, era parte da revolução sexual mais ampla na qual 'Playboy' havia desempenhado papel tão importante."

Com o tempo, algumas mulheres passaram a encarar "Playboy" com mais aceitação, se não respeito.

A escritora feminista Camille Paglia mencionou Hefner com aprovação em um documentário de 1999, como "um dos principais arquitetos da moderna revolução sexual".

Quando "Sex and the City", uma série de TV sobre quatro mulheres sexualmente aventurosas em Nova York, estreou em 1998, a personagem principal, interpretada por Sarah Jessica Parker, usava uma gargantilha com um pingente na forma do coelhinho que serve de logotipo a "Playboy".

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CRIADOR E CRIATURA
Momentos da revista e de Hugh Hefner

1953
Hefner lança a "Playboy" com ajuda de 45 investidores, incluindo sua mãe. A primeira capa é Marilyn Monroe

1960
Revista bate um milhão de assinantes e Hefner abre o primeiro Playboy Club, em Chicago

1963
Hefner é preso por obscenidade em Chicago, mas a Promotoria abandona a acusação

1971
Playboy Enterprises abre capital na Bolsa. Na época, vendia mais de 7 milhões de cópias e grupo tinha uma rede de boates, hotéis e cassinos

1987
No Brasil, Maitê Proença, Cláudia Alencar, Luma de Oliveira e Luciana Vendramini estamparam capas da revista

1988
Filha de Hefner, Christie, assume a presidência da Playboy Enterprises, que ocupou até 2009. Ela comandou a expansão do grupo

1989
Supostamente, são fechados túneis que iam da Mansão Playboy às casas de Jack Nicholson e Warren Beatty, em Los Angeles, de acordo com reportagem (muito questionada) publicada pela revista

1992
Grato a Marilyn Monroe por ter pavimentado seu sucesso, compra uma cova ao lado de onde está enterrada a atriz


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