Folha de S. Paulo


Brasil não cresce se não reduzir sua desigualdade, diz Thomas Piketty

Eduardo Knapp/Folhapress
A judoca Stefannie Arissa Koyama, que disputará o Mundial de Budapeste pela seleção brasileira
O economista Thomas Piketty durante entrevista em hotel em SP

O Brasil não voltará a crescer de forma sustentável enquanto não reduzir sua desigualdade e a extrema concentração da renda no topo da pirâmide social, diz o economista francês Thomas Piketty.

Autor de "O Capital no Século 21", em que apontou um aumento da concentração no topo da pirâmide social nos Estados Unidos e na Europa, Piketty agora se dedica a um grupo de pesquisas que investiga o que ocorreu em países em desenvolvimento como o Brasil, a China e a Índia.

Os primeiros resultados obtidos para o Brasil foram publicados no início do mês pelo irlandês Marc Morgan, estudante de doutorado da Escola de Economia de Paris que tem Piketty como orientador.

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O trabalho de Morgan, que incorpora informações de declarações do Imposto de Renda e outras estatísticas, sugere que a desigualdade brasileira é maior do que pesquisas anteriores indicavam e calcula que os 10% mais ricos da população ficam com mais da metade da renda no Brasil.

Defensor de reformas que tornem o sistema tributário mais progressivo, aumentando os impostos cobrados sobre a renda e o patrimônio dos mais ricos, Piketty chegou ao país nesta quarta (27) para conferências do projeto Fronteiras do Pensamento em São Paulo e Porto Alegre.

Leia a entrevista de Piketty à Folha.

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Folha - O estudo de Morgan mostra que a renda da metade mais pobre aumentou junto com a dos mais ricos. Por que a concentração no topo da pirâmide é tão preocupante?

Thomas Piketty - Porque, apesar dos avanços dos últimos anos, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo. Em nossa base de dados, só encontramos grau de desigualdade semelhante na África do Sul e em países do Oriente Médio.

Houve um pequeno progresso nos segmentos inferiores da distribuição da renda, beneficiados por programas sociais e pela valorização do salário mínimo. É alguma coisa, mas os pobres ganharam às custas da classe média, não dos mais ricos, e a desigualdade continua muito grande.

Reduzir a desigualdade é só questão de justiça social ou de eficiência econômica também?

Ambos. O grau de desigualdade extrema que encontramos no Brasil não é bom para o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável.

A história dos EUA e da Europa mostra que só depois de grandes choques políticos como as duas grandes guerras do século 20 a desigualdade diminuiu e a economia cresceu com vigor, permitindo que fatias maiores da população colhessem os benefícios.

No Brasil, podemos concluir que as elites políticas e os diferentes partidos que governaram o país nos últimos anos foram incapazes de executar políticas que levassem a uma distribuição mais igualitária da renda e da riqueza. Acho que isso é precondição para o crescimento econômico.

Seus dados indicam que a fatia da renda nas mãos dos mais ricos vem se mantendo intacta no Brasil. Por quê?

Parte da explicação pode estar na história do país, o último a abolir a escravidão no século 19, como você sabe. Mas isso não é tudo. Diferentes políticas governamentais poderiam ter feito diferença.

O sistema tributário é pouco progressivo no Brasil. Há isenções para rendas de capital, como os dividendos pagos pelas empresas a seus acionistas. Impostos sobre rendas mais altas e heranças têm alíquotas muito baixas no Brasil, se comparadas com o que se vê em países mais avançados.

Alguns desses países fazem isso há um século, o que contribuiu para reduzir a concentração da riqueza. Se você olhar os Estados Unidos, a Alemanha, a França, o Japão, em todos esses países a alíquota mais alta do Imposto de Renda está entre 35 e 50%. [No Brasil, a alíquota máxima do Imposto de Renda é de 27,5%.]

Qual o risco de uma taxação maior das rendas mais elevadas provocar fuga de investidores para outras jurisdições?

A elite sempre tem um monte de desculpas para não pagar impostos, e isso também ocorre em outras partes do mundo. A questão é saber por que a elite no Brasil tem sido bem-sucedida ao evitar mudanças no sistema tributário.

Em outros países, as elites não aceitaram pacificamente pagar mais impostos. Foi um processo caótico e violento muitas vezes. Espero que o Brasil tenha mais sorte e possa fazer isso sem passar por choques traumáticos como as guerras. É deprimente ver que décadas de democracia no Brasil foram incapazes de promover mudanças nessa área.

Não sei o futuro. Mas posso dizer que é possível ter um sistema tributário mais justo, uma distribuição da renda e da riqueza mais equilibrada, e mais crescimento econômico, ao mesmo tempo. Essa foi a experiência de outros países.

Gastar energia para resolver esse problema não tiraria o foco de políticas sociais que poderiam contribuir mais para a redução da desigualdade?

Você precisa fazer as duas coisas. Morgan mostra que as políticas sociais adotadas nos últimos anos foram boas para os pobres, mas insuficientes. Você precisa melhorar as condições de vida deles e investir em educação e infraestrutura, mas precisa de um sistema tributário mais justo para financiar isso e reduzir a concentração da renda no topo.

Não estou aqui para dar lições a ninguém. Há muita hipocrisia no meu país quando se trata desse assunto. Mas acredito que no fim todos se beneficiam com um sistema tributário mais justo e uma sociedade menos desigual, mais inclusiva e mais estável.

Qual o foco do seu trabalho acadêmico no momento?

Estou procurando ampliar nossa base de dados com ajuda de outros pesquisadores, incluindo informações sobre o Brasil, a China, a Índia e outros países em desenvolvimento. Também quero examinar mais detidamente a evolução das atitudes políticas com relação à desigualdade.

Em países como os EUA e a França, temos visto a ascensão do nacionalismo e da xenofobia, e quero entender melhor o que significa. O maior risco criado pelo aumento da desigualdade é a ascensão do racismo e da xenofobia.

Se não resolvermos o problema da desigualdade de forma pacífica e democrática, vamos sempre ter políticos tentando explorar a frustração causada pela desigualdade, incentivando a xenofobia e pondo a culpa dos nossos problemas sociais em imigrantes e trabalhadores estrangeiros.

É um risco para a globalização e os fluxos de comércio. A eleição de Donald Trump nos EUA e a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia não foram uma coincidência. São os dois países ocidentais em que a desigualdade mais cresceu nos últimos anos.

RAIO-X

Idade
46 anos

Formação
Matemática na Escola Normal Superior de Paris; Ph.D. em Economia na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais

Carreira
Professor da Escola de Economia de Paris desde 2007; professor da Escola de Altos Estudos desde 2000


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