Folha de S. Paulo


Crítica

Jornalista vê recuo dos EUA no combate a crimes de empresas

Jacqueline Roggenbrodt/Associated Press
Protesto de funcionários da Arthur Andersen na frente do Congresso dos EUA quando a empresa era alvo de investigações
Protesto de funcionários da Arthur Andersen na frente do Congresso dos EUA quando a empresa era alvo de investigações

O cerco à corrupção no Brasil e no mundo pôs algumas das maiores empresas brasileiras à frente de um adversário inesperado com o qual elas ainda estão aprendendo a lidar, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

A legislação americana proíbe companhias com negócios nos EUA de subornar funcionários públicos em outros países, e por isso o Departamento de Justiça tem autoridade para investigar e processar todos que saem da linha.

A primeira a ser apanhada foi a Embraer. Acusada de pagar propina para vender aviões a quatro países, ela concordou no ano passado em pagar multa de US$ 204 milhões ao fechar um acordo para encerrar as investigações e ficar livre de processos criminais nos EUA e no Brasil.

Os americanos também participaram das negociações da Odebrecht com a força-tarefa da Operação Lava Jato. Ficaram com US$ 93 milhões dos US$ 2,5 bilhões que o grupo aceitou pagar e indicaram um dos dois monitores independentes encarregados de vigiar o comportamento da Odebrecht até 2019.

Agora chegou a vez da J&F, a empresa que controla os negócios dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Como os acordos que eles fecharam com o Ministério Público Federal no Brasil podem ser revistos, eles provavelmente terão muito mais trabalho para chegar a um acerto com os americanos.

Quem quiser entender como pensam as pessoas do outro lado do balcão encontrará um guia útil em "The Chickenshit Club: Why the Justice Department Fails to Prosecute Executives", que o jornalista americano Jesse Eisinger lançou em julho deste ano.

Sem lançamento previsto no Brasil, o livro defende a tese de que o governo americano recuou no combate aos crimes do mundo corporativo nos últimos anos, deixando de levar as investigações até o fim e buscar a punição dos culpados na Justiça, e passando a dar preferência a acordos em que as empresas aceitam pagar multas milionárias e prometem agir dentro da lei.

Para Eisinger, esse modelo enfraqueceu a capacidade das autoridades de coibir fraudes e corrupção, estimulando a preguiça dos investigadores e deixando os executivos das empresas à vontade para voltar a cometer crimes quando se sentirem a salvo.

O título do livro ("O Clube dos Cagões") faz referência a uma expressão usada em 2002 por um ex-procurador de Nova York num discurso em que exortou os subordinados a fazer seu trabalho sem medo, sem se preocupar com o risco de perder nos tribunais e sofrer prejuízos em suas carreiras profissionais.

Tudo indica que o apelo foi em vão. O Departamento de Justiça, que exerce nos EUA funções semelhantes às do Ministério Público no Brasil, fechou 419 acordos com empresas envolvidas em crimes desde então, anota Eisinger. Nos dez anos anteriores, apenas 18 acordos foram negociados.

DISTORÇÕES

Os EUA acham que assim podem coibir abusos com maior eficiência e custos menores. Grandes empresas preferem encerrar rapidamente investigações embaraçosas a enfrentar longas disputas judiciais com o governo, e por isso se comprometem a dar informações e adotar novas práticas ao aceitar colaborar.

Mas Eisinger acha que o modelo também cria distorções. Habilidades necessárias para negociar com as empresas e seus advogados se tornaram mais decisivas para o futuro profissional dos procuradores americanos do que sua capacidade de investigar crimes e convencer os tribunais da culpa dos réus, ele diz.

Segundo o jornalista, esse modelo é produto da reação de grandes corporações e escritórios de advocacia contra a agressividade exibida pelos procuradores no início dos anos 2000, quando eles processaram altos executivos de empresas como a Enron por fraudes que inflaram suas ações nas Bolsas de Valores.

Algumas das sentenças mais duras dessa época foram revistas depois por tribunais superiores. Quando a gigante de auditoria Arthur Andersen foi à lona após uma investigação, a preocupação com a sobrevivência das empresas escolhidas como alvo entrou com força na agenda dos políticos em Washington.

A crise internacional iniciada com a quebra do banco de investimento Lehman Brothers em 2008 tornou o recuo do governo evidente. O Departamento de Justiça fechou acordos com 49 instituições financeiras e arrecadou US$ 190 bilhões em multas, diz Eisinger, mas nenhum banqueiro jamais foi levado à Justiça.

"THE CHICKENSHIT CLUB: WHY THE JUSTICE DEPARTMENT FAILS TO PROSECUTE EXECUTIVES"
QUANTO: R$ 40,40 (LIVRO DIGITAL)
AUTOR: JESSE EISINGER
EDITORA: SIMON & SCHUSTER


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