Folha de S. Paulo


Infraestrutura é principal desafio e oportunidade para retomada

As mesmas calamidades que levaram a economia do Brasil a encolher em mais de 7% nos dois últimos anos também estão criando oportunidades sem precedentes, dizem analistas.

A cambaleante infraestrutura brasileira quase entrou em colapso diante das demandas geradas pelo superciclo de commodities que precedeu a recessão. O Fórum Econômico Mundial classifica o Brasil em 72º lugar no seu ranking de qualidade de infraestrutura, que abarca 138 países, adiante da vizinha Argentina, mas bem atrás do México, que ocupa o 57º posto.

Agora, o Brasil tem a oportunidade de corrigir essa situação antes do próximo pico de sua economia. "A infraestrutura é o principal desafio e a principal oportunidade", diz Renato Polizzi, diretor de investimento do Banco Modal, em São Paulo, e especialista em debêntures de infraestrutura. "Nossa infraestrutura é em geral velha, ineficiente e menor do que necessitamos".

O Brasil é o maior exportador mundial de commodities como açúcar, soja, café, suco de laranja e minério de ferro, e um dos maiores exportadores de carne bovina, milho e celulose. Até que a recessão chegasse, o país também era um mercado promissor de bens de consumo, e um produtor promissor de automóveis.

A necessidade de investir agora não escapa à atenção do governo do presidente Michel Temer, que preparou um pacote de reformas e projetos de infraestrutura para elevar o potencial de crescimento do país.

Sob o governo do PT, que administrou o Brasil de 2003 ao impeachment da presidente Dilma Rousseff no ano passado, uma série de propostas de construção foram anunciadas.

Conhecidos como Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os planos variavam de um trem-bala ligando o Rio de Janeiro a São Paulo a projetos maciços de habitação popular.

O programa resultou em alguns investimentos, mas dependia pesadamente do BNDES, o banco estatal de desenvolvimento, para financiamento de longo prazo subsidiado. Boa parte do dinheiro envolvido foi desperdiçado em projetos de estimação do governo, como a Copa do Mundo de 2014 ou refinarias de petróleo eivadas de corrupção.

Outro erro do governo Dilma foi tentar forçar os investidores em infraestrutura a aceitar retornos mais baixos em troca de financiamento subsidiado do BNDES. O programa não funcionou. A formação bruta de capital fixo —um indicador de investimento— vem caindo há anos, e declinou em 13 dos últimos 14 trimestres, o que inclui os três primeiros meses deste ano.

Pior: em 2014, a gigantesca Operação Lava Jato, sobre corrupção na estatal de petróleo Petrobras, terminou por apanhar em sua rede o governo Dilma e a maioria das grandes empreiteiras brasileiras, o impediu que elas se envolvessem em novos investimentos de infraestrutura.

Quando Rousseff foi afastada, Temer assumiu o governo e, em maio deste ano, foi acusado de discutir propinas com o empresário Joesley Batista, antigo presidente do conselho do grupo de processamento de carne JBS, mas sobreviveu a uma votação do Congresso em agosto sobre se deveria ou não ser indiciado pelas acusações.

Embora Temer continue impopular junto ao público, as empresas e os mercados apoiam o programa de reforma de seu governo. Os planos incluem congelar qualquer aumento real nos gastos públicos, reforma nas aposentadorias, leis trabalhistas e o setor petroleiro, e privatização de quase 60 empresas, da geradora de eletricidade Eletrobras à Casa da Moeda.

A inflação caiu a 2,7% em julho, ante mais de 10% no começo do ano passado. As reservas cambiais brasileiras continuam robustas, em US$ 381 bilhões, e o investimento estrangeiro direto foi de sólidos US$ 81 bilhões nos 12 meses até julho.

O governo Temer iniciou um novo programa de infraestrutura, com um leilão para privatizar quatro aeroportos em capitais estaduais de segundo escalão. Os aeroportos foram vendidos a empresas internacionais por R$ 3,7 bilhões.

O governo também está realizando consultas públicas com o objetivo de atrair cerca de R$ 16 bilhões em investimentos privados para dois projetos de ferrovias para ligar a região Centro-Oeste, produtora de soja, a portos no norte e sul do país.

Além disso, o governo pretende vender concessões para a construção de mais de 900 quilômetros de rodovias, com compromissos de investir mais de R$ 10 bilhões; tem planos para abrir concorrência sobre projetos de portos, com a expectativa de atrair R$ 20 bilhões em investimento; e há também uma proposta para levar o acesso de banda larga à internet a regiões remotas, com o lançamento de um novo satélite em maio e R$ 2,8 bilhões em investimento do setor privado e do setor público.

O maior desafio, de longe, continua a ser como bancar os projetos, já que o governo não tem dinheiro. Em outra reforma, o governo está buscando remover os subsídios que embasam os empréstimos do BNDES e encorajar mais empresas a lançar debêntures especiais para infraestrutura, isentas de impostos.

Projetos completamente novos, como os de construção de novas ferrovias, nos quais não existe fluxo de caixa corrente, continuam difíceis de financiar, dizem analistas. Mas os investidores estão demonstrando interesse em ativos existentes, com operadoras estrangeiras como a Fraport, da Alemanha, participando da concorrência pelos aeroportos e empresas chinesas abocanhando ativos como a companhia de eletricidade CPFL Energia.

A combinação entre oportunidades, interesse dos investidores e desafios que a infraestrutura brasileira apresenta fica especialmente evidente no porto de Santos.

O grupo de transporte dinamarquês AP Moller Maersk investiu US$ 2,7 bilhões no Brasil de 2010 para cá, o que inclui US$ 400 milhões em um terminal de contêineres em Santos e US$ 2,2 bilhões em 16 navios Sammax, projetados para navegar entre a América do Sul, principalmente o Brasil, e a Europa e Ásia. Ela também adquiriu a rival Hamburg Süd, que tinha forte presença na América.

A empresa enfrenta, no entanto, problemas básicos com a infraestrutura de apoio em Santos. Há apenas um viaduto rodoviário conduzindo à sua área do porto, e os caminhões enfrentam longos atrasos nos cruzamentos ferroviários. A sedimentação causada pela falta de dragagem adequada do canal de acesso ao terminal reduziu o calado das embarcações que o canal comporta, impedindo que navios como o Labrae cheguem ao porto com sua carga plena.

Søren Toft, vice-presidente de operações da Maersk Line, a companhia de navegação do grupo Maersk, visitou o Brasil recentemente."Precisamos ver mais investimento em infraestrutura na região, e não apenas em complexos de terminais", ele concluiu. "É a coisa toda que dá apoio à infraestrutura por aqui". Esse é o tipo de investimento que o governo Temer precisa se apressar a encorajar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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