Folha de S. Paulo


Google e Facebook enfrentam críticas por anúncios dirigidos a perfis racistas

Drew Angerer/Getty Images/AFP
SUN VALLEY, ID - JULY 14: Mark Zuckerberg, chief executive officer and founder of Facebook Inc., attends the fourth day of the annual Allen & Company Sun Valley Conference, July 14, 2017 in Sun Valley, Idaho. Every July, some of the world's most wealthy and powerful businesspeople from the media, finance, technology and political spheres converge at the Sun Valley Resort for the exclusive weeklong conference. Drew Angerer/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
Mark Zuckerberg, fundador do Facebook

Google e Facebook, os maiores vendedores de publicidade on-line no planeta, enfrentaram pesadas críticas na sexta-feira (15) por permitirem que anunciantes direcionem publicidade a usuários que realizaram buscas sobre ou expressaram interesse por sentimentos racistas e pelo discurso do ódio.

Em resposta a duas reportagens separadas expondo essas questões, as duas empresas anunciaram que mudariam a maneira pela qual seus sistemas funcionam.

As críticas surgiram na quinta-feira (14), depois de uma reportagem no site noticioso sem fins lucrativos ProPublica revelou que o Facebook permitia que anunciantes direcionassem publicidade a pessoas que se descrevem com frases como "tenho ódio de judeus", e por outras expressões antissemitas. A empresa reagiu dizendo que restringiria a maneira pela qual anunciantes direcionam suas mensagens a audiências dentro da rede social.

Na sexta, um artigo do BuzzFeed reportou que o Google permitia a venda de anúncios vinculados a termos de busca racistas ou preconceituosos, e que sugeria automaticamente outros termos insultuosos, como parte do processo. Em poucas horas, o Google anunciou que trabalharia com afinco para impedir a veiculação de publicidade ofensiva.

Os incidentes reforçaram a conscientização sobre os complicados e poderosos sistemas automatizados de publicidade que fizeram do Google e Facebook duas das empresas mais valiosas. As companhias aprenderam a maximizar sua capacidade de conectar toda espécie de anunciante a audiências específicas que usam seus serviços a cada dia, e ambas faturam bilhões de dólares no processo.

Mas o potencial de uso indevido desses instrumentos se transformou em preocupação nacional nos Estados Unidos, nos últimos meses, especialmente depois de o Facebook ter revelado na semana passada que contas falsas registradas na Rússia haviam adquirido mais de US$ 100 mil em anúncios sobre questões divisivas, nos meses que antecederam a eleição presidencial americana de 2016.

"É chocante porque isso ilustra o grau de direcionamento que se tornou possível", disse Eli Pariser, autor de "The Filter Bubble: How the New Personalized Web Is Changing What We Read and How We Think". "Mas acredito que o contexto crucial é que isso esteja acontecendo no momento em que somos informados de que outro país direcionou publicidade no Facebook a fim de influenciar a opinião pública norte-americana durante a temporada eleitoral."

Ele acrescentou que "antes disso tudo, a ascensão da publicidade direcionada já era visível, a ascensão da política via mídia social já era visível, mas a conjunção das duas coisas dessa maneira parece nova".

A plataforma de compra de publicidade do Facebook, que funciona automaticamente, permitiu que anunciantes direcionassem publicidade aos newsfeeds de cerca de 2.300 pessoas que se declararam interessadas em temas antissemitas, de acordo com o artigo da ProPublica. Os algoritmos do Facebook geram essas categorias automaticamente com base nos perfis dos usuários.

Repórteres do ProPublica testaram as categorias publicitárias do Facebook para determinar se era possível comprar anúncios dirigidos a pessoas que expressaram interesse por expressões como "ódio aos judeus", "como queimar judeus" e "história de por que os judeus arruinaram o mundo". Os repórteres pagaram cerca de US$ 30 para promover textos da ProPublica junto a pessoas interessadas em assuntos antissemitas, para garantir que as opções estavam realmente ativas, de acordo com a reportagem, segundo qual o Facebook aprovou os anúncios em 15 minutos.

O Facebook informou em comunicado que os usuários haviam inserido os termos nos campos "empregador" e "educação" de seus perfis. Fazê-lo representa violação das normas da empresa, segundo o Facebook, mas permitiu que esses termos aparecessem na plataforma de compra de publicidade.

A empresa anunciou que removeria a capacidade de direcionar anúncios com base em termos preenchidos por usuários, "até que tenhamos em operação os processos certos para ajudar a prevenir esse problema". O Facebook acrescentou que "o discurso do ódio e publicidade discriminatória não têm lugar em nossa plataforma".

Depois da reportagem do ProPublica, o BuzzFeed conduziu teste semelhante no Google, onde a compra de anúncios é realizada por meio de potenciais termos de busca. O site reportou que ao inserir termos de busca como "por que os judeus arruínam tudo" e "ruína das pessoas brancas", o sistema automatizado sugeriu longas listas de termos de busca preconceituosos adicionais, tais como "pessoas negras arruínam bairros" e "parasitas judeus". E permitiu que alguns desses termos fossem usados na compra de publicidade.

O Google afirmou que informava os anunciantes, nos casos em que seus termos de busca fossem considerados ofensivos, e que nem todos os termos de busca sugeridos estavam à venda.

"No caso, a vasta maioria dos termos de busca da lista não estava autorizada para a compra de anúncios, mas não apanhamos todas as sugestões ofensivas", afirmou Sridhar Ramaswamy, vice-presidente sênior de publicidade do Google, em comunicado. "Isso é insuficiente e não estamos procurando desculpas. Já desativamos aquelas sugestões, e quaisquer anúncios que as tenham usado, e trabalharemos com mais afinco para evitar que isso aconteça de novo."

O site Daily Beast apontou na sexta-feira que o Twitter também permitia que publicidade fosse direcionada com base em epítetos raciais. Mas o escrutínio sobre o Facebook e o Google é maior, dado o tamanho das empresas e seu domínio sobre o negócio da publicidade online, que propicia a cada uma delas dezenas de bilhões de dólares em receita por ano.

Na semana passada, representantes do Facebook depuseram diante dos comitês de inteligência da Câmara e do Senado dos Estados Unidos, que estão investigando a interferência russa na eleição de 2016, sobre a publicidade no site. A empresa informou aos investigadores do Congresso que havia identificado mais de US$ 100 mil em anúncios sobre questões controversas que foram atribuídos a uma empresa russa conectada ao Kremlin.

Os anúncios —cerca de 3.000 deles— tinham como foco questões divisivas como os direitos dos homossexuais, controle de armas, raça e imigração, e estavam ligados a 470 contas e páginas falsas que o Facebook subsequentemente removeu, de acordo com o vice-presidente de segurança da empresa. O Facebook não divulgou publicamente cópias desses anúncio.

SUCESSÃO DE PROBLEMAS

No fim do ano passado, a empresa foi criticada depois que o ProPublica reportou que anunciantes podiam usar os sistemas de direcionamento da empresa para excluir certas raças, ou, no jargão da rede social, "afinidades étnicas", na veiculação de publicidade sobre habitação e empregos, uma potencial violação da Lei da Igualdade na Habitação, de 1968, e da Lei de Direitos Civis, de 1964.

O Facebook, que designa certos usuários pela expressão "afinidade multicultural", com base em seus interesses e atividades no site, não permite mais que essa expressão seja usada para o direcionamento de publicidade sobre habitação, emprego ou crédito.

Essa sucessão de problemas com sua publicidade faz com que a companhia pareça despreparada para lidar com o poder de seu sistema publicitário, disse Benjamin Edelman, professor associado da Escola de Administração de Empresas da Universidade Harvard.

"Eles criaram uma plataforma publicitária muito complexa, repleta de opções e recursos, e de coisas que funcionam automática e manualmente, mas não sabem bem o que construíram", disse Edelman. "A máquina pensa sozinha."

Pariser disse que os tipos de direcionamento reportados na semana passada são forte argumento em favor de maior transparência quanto aos responsáveis por anúncios políticos postados on-line, especialmente no Facebook. A Comissão Eleitoral Federal dos Estados Unidos votou quinta-feira pela solicitação de comentários públicos quanto aos requisitos de informação para a veiculação de anúncios políticos online, o que os proponentes da regulamentação esperam venha a resultar em regras que forcem a revelação de quem pagou por dado conteúdo online.

"Isso está conscientizando mais o público sobre a maneira pela qual a publicidade direcionada pode ser usada para manipular e afetar a política e a conversação política, de maneiras que não costumavam ser viáveis ou fáceis", disse Pariser.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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