Folha de S. Paulo


Justiça europeia ordena revisão de multa bilionária imposta à Intel

Justin Sullivan/Getty Images/AFP
SANTA CLARA, CA - JANUARY 16: The Intel logo is displayed outside of the Intel headquarters on January 16, 2014 in Santa Clara, California. Intel will report fourth quarter earnings after the closing bell. Justin Sullivan/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
Sede da Intel em Santa Clara, Califórnia (EUA)

O mais alto tribunal europeu acaba de favorecer o esforço iniciado pela Intel oito anos atrás para reverter uma multa de € 1,06 bilhão (R$ 5,9 bilhões) por comportamento anticompetitivo, o que dificultará os esforços da União Europeia para controlar o comportamento de outros poderosos gigantes da tecnologia americana, como o Google e a Qualcomm.

O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que um recurso da Intel contra a multa —imposta por a empresa supostamente ter encorajado fabricantes de computadores a usar seus chips de preferência a produtos da rival AMD, por meio dos chamados "incentivos à exclusividade"— teria de ser reexaminado pelo tribunal geral, uma instância inferior.

A decisão afirma que o tribunal precisará revisar todos os aspectos dos argumentos da Intel - o que incluirá determinar se os incentivos à exclusividade de fato minaram a competição.

O Tribunal de Justiça da União Europeia concluiu que os arranjos de exclusividade na forma empregada pela Intel —que oferecia descontos aos fabricantes que adquirissem pelo menos 95% de seus chips junto ao grupo americano— eram ilegais por natureza. Mas afirmou que empresas têm direito a argumentar em sua defesa que nenhum dano foi causado a rivais por esses arranjos, e que as autoridades antitruste têm a obrigação de considerar esses argumentos.

A decisão pode ter impacto significativo sobre os casos pendentes da União Europeia contra empresas do Vale do Silício que empregaram táticas semelhantes, impondo o ônus da prova aos acusadores.

As autoridades de defesa da competição da União Europeia têm três investigações em aberto que a decisão afetará diretamente. O Google está sendo investigado quanto aos termos de seus contratos com fabricantes de celulares e com redes que usem seu software Android, bem como pela proibição a usuários de seu serviço publicitário AdSense de que trabalhem com serviços concorrentes.

Enquanto isso, a Qualcomm está sendo investigada por pagamentos à Apple para que empregasse exclusivamente os seus chips de banda larga no iPhone e iPad, de 2011 em diante.

O processo da Intel estabelece um precedente útil para as empresas, de acordo com advogados antitruste. "Elas podem confiar em que esquemas propriamente desenvolvidos serão passíveis de defesa, se demonstrarem que não há potencial de exclusão de rivais com base de custo semelhante", disse Bill Bachelor, do escritório de advocacia Baker MacKenzie.

"O Tribunal de Justiça confirmou que os descontos por exclusividade são abusivos por natureza, mas que se um réu argumentar, com evidências comprobatórias, que sua conduta não restringiria a concorrência por parte de rivais igualmente eficientes, a Comissão Europeia terá de rebater esse argumento", disse Maurits Dolmans, do escritório de advocacia Cleary Gottlieb, que tem o Google entre seus clientes.

Oferecer descontos por volume de aquisições é uma prática comum em muitas empresas com custos fixos elevados, mas as regras da União Europeia não definem claramente se esse tipo de desconto deve ser considerado ilegal em todas as circunstâncias ou apenas se a livre concorrência for prejudicada.

O Tribunal de Justiça da União Europeia devolveu o caso ao tribunal geral para que ele reconsidere a decisão da Comissão Europeia e sua análise sobre se os descontos prejudicam a concorrência.

"Foi mais uma crítica ao tribunal geral por não considerar a decisão na íntegra, e sim apenas uma parte dela", disse Kevin Coates, do escritório de advocacia Covington.

A decisão não implica que a Intel sairá vitoriosa de seu recurso, mas a empresa terá nova oportunidade de expor seus argumentos.

A multa contra a Intel era a penalidade recorde por "abuso de domínio de mercado" até que o Google fosse multado em € 2,4 bilhões (R$ 9 bilhões) em julho deste ano.

O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu sobre dois outros aspectos do caso. A União Europeia tem o direito de mover processos sobre preços que afetem o mercado europeu mesmo que os acordos relevantes tenham sido fechados fora do território da união. O tribunal também decidiu que todas as reuniões, tanto formais quanto informais, entre autoridades regulatórias e companhias devem ter atas formais, fornecidas ao acusado.

A Intel declarou que "sempre acreditamos que nossas ações fossem legais e não prejudicassem a concorrência. Aguardamos com entusiasmo o próximo passo desse processo, que envolve um desacordo respeitoso entre a Intel e as autoridades de defesa da competição da União Europeia".

A comissão anunciou que estava estudando a decisão. Não foram localizados representantes da Qualcomm para comentar, e o Google preferiu não comentar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

POR TRÁS DO ALGORITMOComo o serviço do Google prejudica os concorrentes, de acordo com a Comissão Europeia

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