Folha de S. Paulo


Análise

Montadoras mudam discurso e agora querem previsibilidade

Jorge Araujo/Folhapress
SAO PAULO SP Brasil 05 07 2016 No Km 17 da rodovia Anhanguera pátio da montadora Hyundai tomada de veiculos.no ABC Volks com carros espalhados no interior da montadora, no espaço ao lado da Ford Caminhões Mercedes e cegonheiras que carregam veiculos MERCADO Jorge Araujo Folhapress 703 ORG XMIT: XX
Pátio da montadora sul-coreana Hyundai, em São Paulo

Desde sua origem, a indústria automotiva nacional sempre fez parte de programas de desenvolvimento elaborados por diferentes governos.

É assim desde 1956, quando foram definidas as bases da produção com grande incentivo ao conteúdo local, embora a maior parte das empresas atuantes no setor fosse multinacional.

Os movimentos feitos ao longo desses 61 anos ajudam a entender o que culminou com o prazo dado pela OMC (Organização Mundial do Comércio) para suspensão do programa Inovar-Auto.

O que está sendo feito agora é tentar retardar punições enquanto o novo programa, chamado Rota 2030, não é lançado. As novas regras, pautadas em segurança e eficiência energética, devem ser conhecidas em novembro.

Não houve grandes problemas com o comércio internacional enquanto o mercado automotivo era pouco expressivo —como à época da proibição das importações, entre 1976 e 1990. Ou quando as medidas visavam estimular vendas, como a recorrente variação do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

Essa medida de socorro foi implementada em 1998 no governo de Fernando Henrique Cardoso e revisitada nas gestões de Lula e Dilma.

Porém, ao criar barreiras ao comércio exterior enquanto ainda acreditava estar livre de crises, o governo mostrou ainda não entender que o setor automotivo passava por mudanças profundas mundo afora, com o crescente protagonismo de fornecedores.

As ações protecionistas sempre eram voltadas a quem montava carros, não a quem fazia boa parte de suas peças. Foi nessa ponta que o desemprego mais cresceu.

Fragilizado por anos seguidos de queda na produção, o parque de fornecedores não tem capacidade para desenvolver e entregar componentes exigidos por carros modernos —justamente os que são feitos em fábricas erguidas após novas medidas de estímulo à produção local.

As linhas de montagem recebem componentes importados e se valem dos benefícios do programa Inovar-Auto, que surgiu tarde e manteve erros do passado em tempos modernos, abrindo margem para as queixas da OMC.

Por outro lado, o Inovar-Auto marcou o começo da ruptura com o antigo modelo, pautado por ações pontuais de incentivo. O programa levou a uma nova atitude por parte das empresas há mais tempo no mercado.

As montadoras que mais investiram para se adaptar a novas regras de eficiência foram as mesmas que, em dezembro de 2011, não reclamaram da alíquota de 30% sobre o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) cobrado dos importadores.

Na época, marcas sul-coreanas se consolidavam ao competir em igualdade com os carros feitos no Brasil, enquanto as chinesas começavam a chegar, com planos aparentemente grandiosos.

Com o tempo e a queda nas vendas causada pela crise econômica, o cenário mudou.

Os chineses mostraram ser realmente fortes no fornecimento de componentes. Sem carros competitivos, hoje procuram se recuperar com operações modestas.

A Chery, que construiu fábrica em Jacareí (São Paulo), retoma a produção enquanto reestrutura sua rede de revendas. JAC e Lifan direcionam esforços para o setor de utilitários esportivos.

Esses movimentos ocorreram em meio à retração do mercado e serviram para que as empresas, com ou sem fábrica no país, mudassem o discurso: pedidos pontuais de auxílio foram trocados pela busca de previsibilidade.


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