Folha de S. Paulo


Crítica

Livro comemora desemprego tecnológico com ingenuidade

Fabrizio Costantini - 29.mai.2013/The New York Times
Braços mecânicos produzem Jeep Grand Cherokee em unidade da Chrysler em Detroit
Braços mecânicos produzem Jeep Grand Cherokee em unidade da Chrysler em Detroit

O passado é com frequência invocado para dar uma previsão tranquilizante sobre o futuro do trabalho em um mundo no qual a automação, a inteligência artificial, a robotização e a impressão 3D tornam a maioria dos trabalhos obsoleta.

Os defensores das novas tecnologias repetem em coro: revoluções anteriores destruíram milhões de empregos e atividades, mas criaram outras em maior número.

O empresário e consultor italiano Federico Pistono descarta essa possibilidade de reinvenção dos empregos. No livro "Os Robôs Vão Roubar seu Trabalho, Mas Tudo Bem", aposta suas fichas em uma obsolescência cada vez maior, acelerada e definitiva do trabalho humano.

Seu principal argumento está na chamada Lei de Moore (previsão de 1965 de Gordon Moore, um dos fundadores da Intel), segundo a qual a capacidade computacional dobra aproximadamente a cada dois anos.

Isso leva a uma onda de crescimento exponencial, em velocidade tão rápida que a mente humana tem dificuldade de compreender.

Pistono explica com didatismo, com anedotas e desafios matemáticos, a dimensão das transformações.

Aponta que, desde o surgimento da informática, poucas novas atividades que geram emprego em massa foram criadas, fora a de engenheiro da computação.

Também mostra como projetos para o desenvolvimento de carros autônomos, caixas operados sem interferência humana, novas tecnologias para a construção e até experimentos usando inteligência artificial para o jornalismo estão prestes a substituir empregos em massa.

"Se o Walmart começasse um esforço de automação agressivo, em poucos anos poderia facilmente levar adiante seus negócios com menos de 100 mil funcionários, o que deixaria sem emprego 2 milhões de pessoas, a maioria trabalhadores sem qualificação", escreve.

Pistono também trata das possíveis reações contra o avanço tecnológico. Para isso, usa exemplo dos carros autônomos e uma hipotética reação sensacionalista da mídia ao primeiro acidente fatal causado por um deles.

Mesmo com os protestos, as pessoas iriam aos poucos se convencer de que o carro autônomo é mais seguro e até perderiam a confiança para dirigir. Com isso, vai se chegar a um mundo de mais eficiência, menos custos e mais velocidade, opina.

Apesar de as bases para o raciocínio do autor seguirem válidas, o livro chega ao Brasil com certo atraso. Como o autor conta nos agradecimentos, a última revisão foi feita no início de 2014. A maioria dos exemplos citados é de 2011 ou 2012, e há referências a coisas que deveriam acontecer em 2015.

TUDO BEM?

Pistono, tal como seus pares no universo tecnológico, também tenta transmitir um ar de normalidade enquanto o mundo que conhecemos pode ser virado de ponta-cabeça.

Para isso, analisa o papel que o trabalho possui na formação da identidade e na busca pela felicidade.

Em tom revolucionário, questiona razões de vermos o trabalho como um dever moral e dignificante, mesmo quando se atua em uma fábrica de explosivos apenas para ganhar dinheiro.

Para Pistono, trabalhamos mais do que deveríamos e tentamos acumular mais do que o necessário. Baseando-se em estudos de fontes variadas, afirma que o dinheiro ajuda na obtenção de felicidade até certo patamar (US$ 75 mil por ano). Depois disso, tem pouca importância.

O autor também afirma que desempregados, quando entre seus pares, tendem a estar menos insatisfeitos do que quando interagem com mais frequência com empregados.

E a análise sobre cenários futuros termina aqui, o que dá origem a um quadro que não é muito reconfortante, provavelmente até para quem odeia seu trabalho.

Pistono nem tenta explicar como, com tantos alegres desempregados, se mantém uma economia de pé.

Ainda mais desconcertante e totalmente dispensável é a terceira parte da obra, na qual Pistono se propõe a dar recomendações para quem viverá os próximos anos.

O autor repete várias vezes que não está fazendo um manual de autoajuda, mas é difícil achar outro nome para o que se lê ali.

A lista de sugestões, que funcionam apenas do ponto de vista individual, inclui plantar a própria comida, gastar menos água e energia, consumir com consciência, comer menos carne, valorizar mais experiências, participar da cultura open source (do software livre) e se lembrar de três coisas por dia pelas quais se é grato, com o objetivo de valorizar aquilo que dá felicidade.

Recomenda-se a quem quiser acreditar que está tudo bem dar mais atenção para a história da Primeira Revolução Industrial do que a essas simpáticas ideias.

Os Robôs Vão Roubar Seu Trabalho, Mas Tudo bem
QUANTO: R$ 49,90 (248 PÁGS.)
AUTOR: FEDERICO PISTONO
EDITORA: COMPANHIA DAS LETRAS


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