Folha de S. Paulo


Marcas já entendem que não há 'lovers' sem 'haters', diz publicitário

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Quando o Boticário lançou a campanha com casais gay para o Dia dos Namorados em 2015, uma onda de ameaças de boicotes e comentários negativos tomou conta das redes sociais.

Aos poucos, a reação começou a mudar e a campanha ganhou mais adeptos que retratores. "A pressão por resultado é muito grande. Qualquer outro cliente ali teria tirado a comunicação do ar no começo, o que teria sido um erro", diz Luiz Sanches, sócio e diretor Criativo da AlmapBBDO, agência brasileira mais premiada no festival internacional de publicidade Cannes Lions este ano, com 22 Leões.

"Foi um grande aprendizado. Hoje as marcas já estão começando a entender que não existem 'lovers' sem 'haters'."

Na quinta-feira, Sanches foi entrevistado no Arena do Marketing, programa realizado pela Folha em parceria com a faculdade ESPM. O programa contou com ainda com a participação de Paulo Cunha, coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da ESPM.

A seguir, confira os principais trechos da entrevista.

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REDES SOCIAIS

As pessoas se aglomeram em redes sociais por objetivos em comum. E são absolutamente xiitas com opiniões contrárias. Quando uma marca tenta falar com todos os grupos da mesma forma é muito ruim. E quanto tenta falar de formas diferentes com todos os grupos, também é muito ruim. Essa marca fala uma coisa para um e outra para a outra. É preciso ser autêntico. As marcas estão começando a entender que não existem "lovers" sem "haters", não existe amor sem ódio. Que você não consegue ter pessoas que amam, sem desagradar outras. Você vai desagradar. E isso faz parte. O importante é que a marca consiga inspirar mais pessoas do que aquelas que se sentem incomodadas.

CORREÇÃO DE ROTA

Hoje os erros são vistos com muito mais aceitação e as correções são feitas no meio do caminho. A marca errou, ela corrige. O que não pode é não ser autêntica. O criador é um ser humano. Quem aprova as marcas também. Estão dentro do mesmo contexto. Se a discussão de causas sociais faz parte do cotidiano, na criação isso vai ser levado em conta.

CAMPANHA ASPIRINA

[Em 2016, a Almap foi criticada por uma campanha de aspirina considerada machista e acabou devolvendo dois Leões] A gente percebeu que estava num tom errado. A gente errou, se desculpou, e devolveu os Leões - o que também não nos atrapalhou pois fomos agência do ano no ano passado. Foi uma infelicidade o que aconteceu. Na época tinha acontecido um estupro coletivo, a peça já tinha sido publicada. Erros acontecem. A gente percebeu que não era o tom de se comunicar.

VISÃO DA ALMAP

Não tenho dúvida de que a Almap tem visão muito contemporânea. Só ver as campanhas que fizemos antes disso. Com C&A, que trazia a questão de igualdade de gênero, de aceitação da homosexualidade, de que não existe certo e errado, que é um pouco da sociedade que estamos vivendo. Antes disso, a gente fez o Dia dos Namorados do Boticário [com casais gays], que rendeu resultado de vendas muito relevante e foi um marco na comunicação da marca.

EXCEÇÃO

Na época (2015), o Boticário era uma exceção. Mas acho que hoje as marcas chegaram a um amadurecimento de entender que não é no primeiro espirro que vou levar para o hospital. Tem marcas que são mais desafiadoras, que sabem capitalizar em cima disso. Os temas polêmicos são mais difíceis de manter posição.

PARCERIA DE LONGO PRAZO

Temos parceria com clientes de muitos anos, de 10, 15 anos. Quando você conhece bem o cliente, é quase uma sociedade. No caso de Boticário, teve um momento em que as curvas de reação nas redes sociais eram muito negativas. Qualquer outro cliente ali teria tirado a comunicação do ar, o que seria um erro. Isso também é um aprendizado. Uma hora a coisa começou a virar e foi muito positivo. Com o Brasil em crise, há muita pressão por resultado.

RESPONSABILIDADE SOCIAL

Acredito que a propaganda tem uma responsabilidade social. A propaganda é o retrato da sociedade. Pegamos as histórias que as pessoas já estão falando nas ruas e transformamos em uma linguagem que criativa, de interação com as marcas. E esses temas como gênero, racismo, entre outros, têm aparecido frequentemente na sociedade. Como esses apareceram outros no passado e aparecerão outros no futuro. É uma tendência, mas ela é mutável. Vai sempre estar tendo upgrade de temas que estão acontecendo.

MULHERES NA CRIAÇÃO

É um assunto complexo. Sou totalmente a favor das mulheres terem direitos iguais. Historicamente, a gente vê como acontecem as mudanças na sociedade. É de uma forma, aí isso é puxado ao extremo, depois a gente encontra um ponto de equilíbrio onde as coisas vão naturalmente acontecendo.

Uma das nossas diretoras de criação é mulher, mas ela não é diretora porque é mulher, mas por ser um absoluto talento. Quando a gente começa a entrar em coisa de ser obrigatório é errado, e não dar oportunidade também. Antigamente tinha número grande de mulheres no Atendimento, nas áreas de contato com cliente. O que é ok, mas tinha uma postura de que está ali pois tem uma carinha bonitinha. Falar que não existe isso é hipocrisia. Mas hoje tem várias meninas no Planejamento que são inteligentíssimas, que trazem conhecimento, não porque são mulheres, poderiam ser homens, gays, um ET.

MAIS OPORTUNIDADES

Claro que temos que dar mais chance. Mas acho que a sociedade está esticando muito para um lado, que acho natural e temos que acompanhar o desenvolvimento. Mas acho que vamos chegar a um ponto de equilíbrio e a coisa passar a ser natural. Tem que ter mais negro sim, mas porque são bons. Quem merece ter oportunidade? Quem tem talento. Mas essa oportunidade tem que ser dada. Existe ainda um preconceito embutido que acho muito errado.

NOVAS GERAÇÕES

Nova geração quer trabalhar no Google, no Facebook. Grande desafio se manter como polo criativo e continuar atraindo talentos. Jovens vêem o mundo de uma forma muito interessante e temos de trazê-los para perto da gente. O lado negativo é que na primeira frustração, eles desistem. Mas em qualquer profissão é preciso persistência, paixão, dedicação, errar, se frustrar, aprender. As agências têm que trabalhar melhor para atrair esses jovens e para conseguir mantê-los mesmo quando houver uma frustração. A vida é feita muito mais de frustração do que sucesso. Por isso a gente comemora tanto quando ganha um prêmio. Tem que trazer esse jovem para o entendimento de que não é na primeira frustração que você vai pegar e vai embora.

CANNES

Como se avalia o resultado de uma agência? Pela criatividade. E como se mede isso? Com prêmios em um festival. Qual o maior festival? Cannes. De certa forma, é como fazer um check-up de como está sua agência. Isso mostra que você tem saúde criativa e isso faz diferença no negócio dos seus clientes. O reconhecimento internacional de Cannes faz com que você ratifique e construa reputação. É um parâmetro criativo para todas as agências. A criatividade é muito importante para o negócio do nosso cliente.

RELAÇÕES PÚBLICAS

Já faz uns dois anos que temos visto o RP chegando com muita força e fazendo com que as ideias ganhem uma proporção muito maior do que o investimento publicitário. É um aditivo, mas todas as ideias só funcionam pois são grandes ideias. Acho que esse é o grande ponto. Foi muito interessante ver em Cannes um novo formato de se contar histórias, comum a duas campanhas muito premiadas, Garota Destemida (criada para uma entidade que promove mulheres em conselhos de empresas, a State Street Global Advisors), e Meet Graham (para a Comissão de Acidentes de Trânsito da Austrália). As duas são esculturas e tiveram um elemento muito forte de Relações Públicas.


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