Folha de S. Paulo


Lava Jato protege União e se esquece de sócios minoritários, diz advogada

Karime Xavier - 5.ago.2015/Folhapress
A advogada Érica Gorga
A advogada Érica Gorga

A Petrobras já pagou mais em indenizações aos estrangeiros do que a Lava Jato recuperou para a estatal, diz a advogada Érica Gorga, que atuou como parecerista da defesa de acionistas minoritários na Justiça americana.

Para ela, o minoritário no Brasil é menos protegido.

A ação de classe movida pelos minoritários nos EUA se encaminha para a fase final, mas a prisão do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine pode alimentar o caso, segundo ela.

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Folha - É proporcional o recurso desviado em corrupção que está voltando a acionistas da Petrobras no Brasil e fora?
Érica Gorga - Não. A Petrobras recebeu até agora R$ 716 milhões recuperados pela Lava Jato. Mas até agora não foi noticiado pagamento relevante de indenização a acionistas minoritários no Brasil. Zero.

O dinheiro devolvido pela Lava Jato fica na Petrobras e não retorna aos lesados finais, que são seus minoritários incluindo Previ. O irônico é que, nos EUA, ela já se comprometeu a pagar US$ 445 milhões só em acordos de indenização de alguns acionistas individuais, quantia bem superior aos valores recuperados.

Isso afeta a economia e o mercado de capitais do Brasil?
Seriamente. É um mercado no qual as companhias listadas no melhor segmento de governança corporativa da Bolsa perpetram ilícitos e não são obrigadas a indenizar investidor. A maioria dos investidores escolhe ir para mercados como EUA e Ásia. Os que ficam passam a descontar o preço de todas as ações pelo risco da insegurança jurídica.

Reduz a capacidade de financiamento. A falta de segurança quanto aos direitos de acionistas afugenta investidores do Brasil. Além disso, fundos de pensão, para fechar as contas dos deficit da má gestão e corrupção, repassam as contas aos funcionários beneficiários na ativa e pensionistas, que são as partes mais fracas.  

Como fortalecer o mercado de capitais brasileiro?
Efetivando os direitos dos minoritários. A Lava Jato só tem priorizado a proteção do investimento do Estado, o que chamo de "petromonialismo". Protege a União, acionista controladora que, via presidência da Petrobras, foi no mínimo conivente com o perpetuamento dos ilícitos. 

Acordos de leniência ajudam?
Parcialmente. Quando fechou o acordo da JBS, o Ministério Público Federal fez alocação dos valores que a JBS vai pagar. Vai retornar para BNDES, Caixa, União, Funcef e Petros. Funcef e Petros receberão R$ 1,75 bilhão cada um de ressarcimento pelas irregularidades da JBS. Mas não se sabe se os valores repõem os prejuízos. E os recursos auferidos pela leniência são distribuídos de modo a privilegiar certas instituições em detrimento, novamente, dos minoritários da JBS, que investiram na empresa e sofreram perdas com a propina e corrupção.

Ao inviabilizar o processamento das ações criminais contra a empresa, devido à leniência, os procuradores matam a possibilidade de ações de indenização dos minoritários na esfera cível que se valessem da condenação na criminal como base para seu ressarcimento. 

A falta de proteção do acionista tem relação com a escassez de ofertas públicas no Brasil?
Sim. Nos dois primeiros trimestres de 2017, a Grande China teve 317 IPOs, os EUA, 80, a Índia, 57... E, no Brasil, alguns comemoram três ofertas no período. É preciso ver o mundo para entender a penúria do mercado direto de financiamento da atividade produtiva brasileira devido às fraudes.

A ação dos minoritários contra a Petrobras nos EUA entra na fase final. Há algum impacto da prisão de Bendine?
Ela corrobora a acusação de que houve esquema institucional de corrupção, não só no nível de diretoria e gerência mas também na presidência da Petrobras e derruba o argumento de que a empresa é vítima, e não responsável, pela corrupção.

Por que no Brasil não há ações civis públicas no caso Petrobras? Na JBS há intenções sem nada concreto. Falta reação?
Os minoritários não têm conseguido se organizar porque a lei brasileira, diferentemente da americana, exige o ingresso da ação através de associações, criando custo burocrático à propositura.

RAIO-X

Formação: doutora em direito comercial (2005) pela USP com pesquisa em Stanford; pós-doutoramento na Universidade do Texas

Atuação: professora em Cornell, Vanderbilt, FGV; pesquisadora associada e diretora do centro de direito empresarial da Yale Law School; pesquisadora da USP


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