Em tempos de perturbação e desordem na economia brasileira, é salutar conhecer e refletir sobre o novo trabalho dos economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, que perpassam os principais eventos da história econômica para recontar, e principalmente questionar, a relação entre a política e as finanças no mundo atual.
O sugestivo título "Manda Quem Pode, Obedece Quem Tem Prejuízo" prenuncia o escrito afiado de Belluzzo, um dos economistas que saíram em defesa de Luiz Inácio Lula da Silva após os desdobramentos da Lava Jato, com o argumento de que as delações revelam "um processo agudo, amplo e inadequado: as empresas invadiram o Estado".
O ponto de partida dessa obra que ganha profundidade na pesquisa de Galípolo é a disputa de 1932 pela Casa Branca, em que o então presidente republicano, Herbert Hoover, duelava com o democrata Franklin D. Roosevelt em meio à Grande Depressão.
Sem dizer que foram tempos de "coerência e firmeza" nem negar que foram tempos de "coragem e grandeza", os autores seguem enumerando os meios como Roosevelt perseguiu a retomada econômica, via recuperação da rentabilidade das empresas e dos rendimentos do assalariado.
Em oposição à ascensão do nazifascismo na Europa, o New Deal, programa antirrecessão de Roosevelt, mostrou que era possível governar o ciclo econômico preservando a liberdade e as conquistas sociais, sublinham Belluzzo e Galípolo. "Seria difícil imaginar o destino das economias capitalistas sem que a mão visível do Estado as tivesse protegido do autoflagelo da mão invisível do mercado."
O leitor, então, é conduzido até 1979, quando o então presidente do Fed (o banco central dos EUA), Paul Volcker, deflagra o choque de juros provocando quebradeira geral, inclusive do Brasil.
E, a partir dos anos 1980, o autores descrevem o crescimento da importância dos fundos de pensão, investimento e hedge e a desarticulação dos processos de formação da renda e do emprego típicas do fordismo.
Assim começa a globalização financeira, e a centralização do controle da riqueza nas mãos dos grandes bancos acaba desenvolvendo o poder de afetar a formação das taxas de juros e de câmbio.
Antes de entrar na avaliação mais profunda do impacto dos mercados nas ciências econômicas, Belluzzo e Galípolo ainda repassam os momentos mais recentes.
TÍTULOS PODRES
"Após a crise financeira de 2007/2008, a política de socorro às instituições financeiras distribuiu prêmios aos seus arquitetos, flagrantes na autorização do 'independente' Fed para utilizar US$ 700 bilhões dos contribuintes na compra de títulos podres."
No mesmo tom provocador, relembram como as reformas financeiras do governo Bill Clinton foram estimuladas pelo lobby do setor e pela cumplicidade das agências de classificação de risco.
Em um capítulo dedicado ao Brasil, os autores recordam com comparações bem-humoradas como o choque positivo da demanda global "puxou nossas exportações pelos cabelos". E, a partir de 2012, comparam a economia a uma "locomotiva a vapor com caldeira furada", que continuava a ser empurrada pelos "vapores do consumo" até parar de reagir aos combustíveis fiscais e monetários.
Passando de uma analogia a outra, eles apontam o choque de juros e cortes dos investimentos como um golpe desferido pelo próprio treinador em seu pugilista abatido.
Para chegar à conjuntura brasileira, os autores assumem uma linguagem mais didática, sem perder a ironia, explicando que juros mais altos restringem o acesso a bens de consumo e produção, encarecendo o crédito e resultando em queda de demanda.