Folha de S. Paulo


Com renúncia de líderes da Uber, cresce influência de Arianna Huffington

Reprodução/Facebook/@AriannaHuffington
Arianna Huffington
Arianna Huffington

Em abril, Wan Ling Martello, que comanda a Nestlé na Ásia, se viu diante de Arianna Huffington, integrante do conselho da Uber e fundadora do Huffington Post, no Union Square Cafe, em Manhattan.

No jantar, as duas executivas —que se conheciam há alguns meses— conversaram sobre uma situação de recall de alimentos que Martello teve de enfrentar. Enquanto Martello descrevia seus esforços de resgate e recuperação, Huffington ouvia atentamente.

Huffington perguntou a Martello, no final da conversa, se ela não estaria interessada em ajudar a Uber, que estava enfrentando uma sucessão de escândalos. Ao final da conversa, ela ligou para as pessoas da companhia de serviços de carros.

Menos de dois meses mais tarde, Martello se tornou parte do conselho da Uber.

"Eu não esperava ser convidada para o conselho da Uber, naquele jantar, e não acho que isso estivesse na agenda de Arianna", disse Martello. Era o segundo encontro entre as duas. "A reunião toda foi casual. Só queríamos papear".

Recrutar Martello é um exemplo das jogadas fortes de bastidores que tornaram Huffington um dos membros mais influentes do conselho da Uber. Nos 14 meses desde que se tornou parte do conselho, Huffington vem agindo como voz pública da empresa quanto aos escândalos no local de trabalho, conversou com os empregados, e ajudou a atrair novos executivos. Ela também se tornou uma das confidentes mais próximas de Travis Kalanick, o presidente-executivo da Uber.

A influência de Huffington na Uber está crescendo, em um momento no qual a empresa enfrenta um vácuo de liderança. Enquanto a Uber enfrenta as consequências de investigações sobre sua cultura empresarial, acusações de assédio sexual e dúvidas sobre sua equipe executiva, Kalanick se licenciou por tempo indefinido e deixou o comando da empresa para um comitê de executivos. O conselho também está em transição, com a renúncia de David Bonderman, sócio do grupo de capital privado TPG, depois que ele fez um comentário sexista em resposta a algo que Huffington disse em uma reunião de conselho.

Agora cabe a Huffington, Martello e Bill Gurley, outro membro do conselho e sócio do grupo de capital para empreendimentos Benchmark, concluir algumas das tarefas mais urgentes na Uber, como selecionar candidatos ao posto de vice-presidente de operações. Entre os potenciais candidatos, dizem duas pessoas informadas sobre a situação, que pediram para que seus nomes não fossem mencionados porque o processo é confidencial, está David Cush, antigo presidente-executivo da Virgin America. Cush não respondeu de imediato a um pedido de comentário.

O papel de Huffington causa algum desconforto. Certos executivos da Uber não gostam da proximidade entre ela e Kalanick, de acordo com três funcionários familiarizados com as deliberações executivas. (Huffington recentemente visitou o hospital onde o pai de Kalanick, ferido em um acidente de barco, estava internado, de acordo com duas pessoas informadas sobre o evento.)

Quatro antigos empregados do Huffington Post também expressaram estranheza diante da capacidade de Huffington de chegar e conquistar as pessoas com tamanha rapidez.

Outros elogiaram sua efetividade. "Ela semeia a confiança e faz com que você sinta que os interesses dela se alinham aos seus", disse Fred Harman, sócio da Oak Investment Partners, que investiu no Huffington Post. "Quando é hora de tomar decisões, você percebe o quanto ela é persuasiva".

Huffington, 66, disse em entrevista que "saber como lidar com crises sem se deixar avassalar - manter a cabeça quando as pessoas ao redor estão se descontrolando - é a maior qualidade de liderança. Em tempos de crise, as pessoas muitas vezes se descontrolam e se deprimem, e têm dificuldades para encontrar uma saída".

A Uber se recusou a comentar para este artigo.

A ascensão de Huffington na Uber é o mais recente capítulo em uma vida marcada por viradas dramáticas de carreira —ela foi comentarista política, empresária de mídia e especialista em resolver problemas empresariais. Nascida Ariadne Anna Stasinopoulos, ela cresceu em circunstâncias modestas na Grécia e Inglaterra, estudou na Universidade de Cambridge com uma bolsa de estudos e se tornou a primeira estrangeira a presidir o clube de debates Cambridge Union.

Huffington se mudou para Nova York em 1980 e escreveu biografias muito vendidas de Pablo Picasso e Maria Callas. Em 1986, se casou com o herdeiro Michael Huffington, a quem ela ajudou a fazer carreira política. Ann Getty, a socialite que apresentou os Huffington, foi madrinha em seu casamento. O editor Mort Zuckerman, antigo namorado de Arianna, foi um dos padrinhos.

Depois de se divorciar de Michael Huffington em 1997, Arianna deixou de lado sua simpatia pelo Partido Republicano e Newt Gingrich e se alinhou ao mundo da esquerda satírica. O nome de Huffington se tornou mundialmente conhecido com a criação, em 2005, do Huffington Post, um site de notícias bancado pelo executivos de capital para empreendimentos Kenneth Lerer e por Jonah Peretti, que mais tarde criaria o BuzzFeed.

Embora Huffington não tivesse formação na mídia tradicional, disse Peretti, sua capacidade de aproximar políticos, empresários e celebridades era crucial. "Nós queríamos promover a aproximação desses mundos, online, e ela era a pessoa perfeita para isso", ele disse.

Em 2011, Huffington comandou a venda do Huffington Post para a AOL por US$ 315 milhões. Ela se tornou amiga de Tim Armstrong, o presidente-executivo da AOL, no final de 2010. Em janeiro do ano seguinte, eles já estavam negociando a fusão entre as duas empresas, em Davos. O acordo foi anunciado no mês seguinte.

Alguns membros do conselho do Huffington Post queriam abrir o capital da companhia, mas Huffington "foi persuasiva e convenceu o conselho de que o melhor caminho era aceitar a oferta por uma avaliação muito positiva que já estava na mesa", disse Harman, que era parte do conselho.

Um ano depois, Huffington conheceu Kalanick em uma conferência de tecnologia em Munique, e os dois se tornaram amigos, por conta da visão comum que tinham sobre o potencial da Uber para resolver grandes problemas urbanos. "Eu estava interessada não só no que a Uber já tinha realizado, mas em seu futuro", disse Huffington, que mais tarde fundaria a Thrive Global, uma empresa de saúde e bem-estar, em 2016.

Ela logo se tornou conselheira de Kalanick. Quando a Uber anunciou que Huffington se tornaria parte do conselho da empresa, no ano passado, divulgou um vídeo mostrando um lado mais terno de Kalanick, acompanhado por um narração em tom caloroso e maternal por Huffington.

"A orientação dela foi inestimável para mim, pessoalmente, ao longo dos anos, e sei que em seu novo papel ela ajudará a levar a Uber a um novo patamar", disse Kalanick quando do anúncio.

Os dois discordam ocasionalmente, como aconteceu quando Huffington apoiou o desejo do conselho de licenciar compulsoriamente o vice-presidente de negócios da Uber, Emil Michael, de acordo com duas pessoas informadas sobre a discussão. Kalanick, por meio de um porta-voz, se recusou a comentar para este artigo.

Mais recentemente, Huffington se manteve firme em seu apoio a Kalanick, ainda que outros dos aliados dele tenham se afastado - especialmente Bonderman, que estava preocupado com a qualidade da gestão da Uber, de acordo com uma pessoa informada sobre conversações no conselho. A TGP se recusou a comentar.

Em uma reunião com funcionários da Uber na terça-feira, Huffington brincou sobre como ter uma mulher no conselho muitas vezes trazia a adesão de mais mulheres.

"O que isso vai trazer, na verdade, é muito mais falatório nas reuniões", respondeu Bonderman.

Huffington se recusou a discutir a dinâmica do conselho mas disse que a renúncia de Bonderman, horas depois da gafe, era "uma declaração importante sobre a disposição da empresa de acatar novos valores culturais".

Huffington vem sendo efetiva em atrair mais mulheres para postos de liderança na Uber, entre as quais Martello.

Em janeiro, ela conversou com Bozoma Saint John, uma executiva da Apple, em um jantar privado de profissionais de marketing durante a CES, uma grande feira de produtos eletrônicos em Las Vegas. A conversa evoluiu para uma troca de selfies, e Saint John convidou Huffington para sua festa de aniversário. O presente de Huffington foi uma cama especial —fabricada pela Thrive Global— para o celular de Saint John, para deixá-lo em outro quarto quando ela estivesse dormindo.

Em março, Huffington falou a Saint John sobre a Uber. Ela disse que Kalanick estava buscando se tornar uma pessoa melhor. Enquanto conversavam sobre como contar uma história diferente, mais humana, sobre o que a Uber tinha a oferecer, Huffington teve uma ideia. Segundo Saint John, ela propôs: "Por que você mesma não diz essas coisas a Travis?"

"Arianna me revelou todos os problemas da Uber, sem enfeitar", disse Saint John. "É a mágica disso que a torna tão crível".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: