Folha de S. Paulo


Brasil é 'House of Cards' sob efeito de ácido, diz diretor do BTG Pactual

O escândalo de corrupção na Petrobras, o maior que o Brasil já enfrentou, ajudou a derrubar uma presidente, colocou seu sucessor em risco, abalou os lucros de empresas do Reino Unido e dos Estados Unidos e resultou em diversas prisões.

E também acabou arrastando André Esteves, banqueiro bilionário e fundador do BTG Pactual, que terminou detido em 2015 sob acusações de obstruir uma investigação quanto a propinas na estatal de petróleo.

As ações do BTG —no passado visto como o Goldman dos trópicos— continuaram em queda depois de sua detenção, recuando em 60% ante seu valor de pico. Houve uma venda acelerada de ativos, entre os quais carteiras de crédito e uma subsidiária de private banking na Suíça, e os clientes fugiram o mais rápido que podiam. Os ativos da administradora de fundos de hedge do BTG caíram em 97%, de US$ 5 bilhões para US$ 150 milhões, e a divisão de fundos mútuos da instituição viu reduzido em quase 50% o capital que tinha sob administração.

Steve Jacobs, presidente-executivo da divisão de administração de ativos do BTG Pactual e membro do comitê executivo de 10 integrantes que comanda a companhia, diz que o Brasil é como "'House of Cards' sob efeito de ácido", em uma referência à série de TV sobre política famosa por suas imprevisíveis reviravoltas.

Jacobs, que trabalhou anteriormente para o UBS, mereceria perdão caso desejasse uma vida mais tranquila. Cerca de um ano e meio depois da detenção de Esteves, o antigo líder do banco continua sendo investigado. Mas Jacobs, que jantou com Esteves quando visitou o Brasil em maio, disse que seu amigo e antigo chefe está confiante em que sua inocência será provada.

Os dois se conheceram na metade dos anos 2000, quando Esteves era presidente-executivo do Banco Pactual e Jacobs, em companhia de Huw Jenkins, hoje vice-presidente do conselho do BTG Pactual, liderou uma negociação para a aquisição do banco brasileiro pelo UBS. No auge da crise financeira internacional, em 2009, Esteves —que havia deixado o UBS em 2008 e criado o BTG— recomprou o Pactual do banco suíço e convenceu Jacobs a trabalhar para sua empresa, comandando a expansão da divisão de administração de ativos.

"Ele é um grande amigo, e tenho muita, muita esperança de que em breve surjam provas de que é completamente inocente. Mas isso é um assunto de menor importância para o BTG", diz Jacobs.

No lugar disso, o executivo, que trabalha em Londres, dedica sua atenção a reconstruir os negócios do banco depois do que Jacobs descreve como "nosso evento corporativo". Vestido casualmente, com uma camisa azul de colarinho aberto, Jacobs mostra animação e otimismo sobre o futuro da empresa, apesar da desordem continuada no Brasil.

Depois da prisão de Esteves, a empresa fez uma série de reformas, entre as quais separar a presidência executiva da presidência do conselho. Jacobs também reformou a divisão de administração de ativos, o que entre outras envolveu desativar a equipe de crédito e os fundos de hedge, devido a preocupações sobre a liquidez.

PLANOS DE EXPANSÃO

Há planos para lançar diversos fundos. A divisão de investimento tem US$ 37 bilhões sob administração, ante um pico de US$ 50 bilhões antes da prisão de Esteves.

O BTG vem dedicando especial atenção à expansão de seus ativos reais, que incluem florestas, imóveis e agricultura, em um esforço por atrair investidores que estejam em busca de renda regular. Neste mês, o Timberland Investment Group, controlado pelo BTG e com US$ 3 bilhões sob administração, liderou um consórcio que adquiriu 120 mil hectares de floresta no Uruguai, além de instalações industriais.

O BTG também está tentando reconstruir suas operações de hedge. Os ativos de seu principal fundo de hedge subiram em US$ 150 milhões, para US$ 900 milhões, e mais US$ 300 milhões devem entrar nos próximos dois meses, de acordo com Jacobs. O total de ativos nos fundos de hedge operados pelo grupo é de cerca de US$ 1,8 bilhão no momento.

Sentado em uma sala de reunião na sede da BTG, na elegante Berkeley Square, de Londres, Jacobs não mostra sinais de irritação quando questionado se os problemas de Esteves prejudicaram os negócios do banco, ou se eles continuam a desestimular os investidores.

Ele minimiza o problema, dizendo que o assunto da prisão de Esteves era muito mencionado em 2016, mas que a maioria dos investidores deixou a questão para trás. "Isso literalmente é uma não questão no momento", ele acrescenta.

Jacobs também se apressa a rejeitar preocupações de que os recentes desdobramentos no Brasil possam voltar a assustar os investidores.

O mercado de ações brasileiro registrou queda de mais de 10%, em um dia do mês passado, quando surgiu a informação de que Michel Temer, o presidente que assumiu para estabilizar o Brasil depois dos escândalos políticos e empresariais de 2015-2016, havia sido apanhado em uma gravação na qual aprovava o pagamento de propinas.

"Ninguém antecipou o problema com Temer", diz Jacobs, que correu ao Brasil para uma reunião com todos os sócios diretores do BTG no mês passado, enquanto o escândalo se desenrolava. "Esses são mercados em que é difícil operar. Ninguém quer mercados emocionais, que mudem rapidamente".

Em maio, o BTG, em companhia de 37 outras instituições financeiras brasileiras, foi colocado na lista de vigilância da agência de classificação de crédito S&P, o que significa que suas avaliações de crédito estão em risco de rebaixamento, devido à preocupação com as perspectivas econômicas do Brasil.

Mas Jacobs diz que os atuais problemas do Brasil "não são mencionados nas conversas" com a maioria de seus clientes na área de gestão de ativos.

"Quanto às ações brasileiras ou ao mercado de renda fixa, [os investidores] estão cautelosos. Por conta do torvelinho político e econômico no Brasil, é preciso cautela sobre os mercados de lá", ele diz. "Mas quando [os clientes] procuram um fundo mundial de hedge que tem 80% de seus investimentos bem longe do Brasil, ou a área da madeira, ou outras partes de nossos negócios, as coisas vão bem".

A despeito disso, ele continua a ter esperança de que Temer fique no poder, a fim de comandar a reorganização de que o Brasil precisa depois da pior recessão na história do país. O presidente iniciou uma série de reformas, especialmente na área de aposentadorias e das leis trabalhistas, consideradas como vitais para reordenar a economia.

Temer fez diversas indicações para o banco central, e a inflação e as taxas de juros começaram a cair. O mercado de ações brasileiro também se recuperou bem em 2016 - com alta de quase 39%. "Havia uma sensação real de que as coisas estavam começando a melhorar", disse Jacobs. Agora, há grandes dúvidas sobre o futuro do país.

Mas Jacobs acrescenta que "parece haver a sensação de que Temer será capaz de manter sua posição, o que é provavelmente bom para o Brasil. Se ele sobreviver, é provável que seja o homem que vai liderar essas reformas muito importantes, talvez cruciais".

O Brasil, diz Jacobs, é sempre "muito divertido".

RAIO-x

STEVE JACOBS

Origem: Bath, Reino Unido
Idade: 47 anos
Formação: Universidade de Brighton, 1990, com bacharelado em finanças, contabilidade e direito.
Carreira: 1990-1999: Gerente sênior (finanças empresariais) Ernst & Young; 2000-2009 - diretor-executivo, UBS Group e UBS Global Asset Management; 2010 - sócio-diretor e presidente-executivo, BTG Pactual Asset Management

BTG PACTUAL ASSET MANAGEMENT
Fundado: 2001
Ativos sob administração: US$ 37 bilhões
Empregados: 340
Escritórios: Londres, Nova York, São Paulo
Controlador: BTG Pactual Group

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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