Sites de "marketplace" são uma espécie de classificados: qualquer um pode anunciar seus produtos neles. Quando acontece uma transação, a página ganha uma porcentagem do pagamento.
Não é novidade hoje, nem era uma em 2011, quando um ex-mestrando de bioquímica do Texas que largou o curso no meio resolveu lançar seu "marketplace", que ele batizou de Silk Road.
A diferença é que esse era um portal em que os anunciantes vendiam drogas, que eram enviadas pelo correio.
Ross Ulbricht, o fundador e gerenciador do site, foi preso, julgado e deverá ficar na cadeia até morrer.
O livro "American Kingpin" (ainda sem tradução em português) conta sua história e do site que ele criou e coordenou durante seus dois anos e meio de funcionamento.
Ulbricht é de uma família de classe média alta, formou-se físico e engatou um curso de ciências na Universidade da Pensilvânia. A relação dele com drogas era casual: às vezes fumava maconha.
No mestrado, se encantou pelos ideais libertários (resumidamente: Estado não deve interferir na vida das pessoas). Formou a convicção de que indivíduos devem ser livres para consumir o que quiserem, e, depois, abriu o site.
O Silk Road decolou depois de um artigo no "Gawker". A promessa era comprar drogas sem ter de lidar com traficante de rua e ter ferramentas para avaliar vendedores.
Deu certo. O site cresceu e gerou milhões de dólares ao seu criador (segundo o FBI, Ulbricht tinha US$ 28 milhões em bitcoins ao ser preso).
Depois de drogas, os usuários do Silk Road começaram a comercializar armas.
Em seguida, foram os órgãos humanos -afinal, segundo os libertários, se alguém quer vender um rim, o problema é só dessa pessoa.
O Silk Road se beneficiou ao levar vantagens da internet, como o anonimato, à economia ilegal.
Não só os traficantes tradicionais não usavam esse meio mas as autoridades não sabiam como combater um "marketplace".
Diversos órgãos de polícia começaram a investigação, e demorou para que eles entrassem em sintonia.
Como não poderia deixar de ser, as coisas saíram do controle. Logo Ulbricht estava ameaçando funcionários e outras pessoas (que via como fontes de riscos) e encomendando assassinatos.
O dia a dia do negócio era parte empresa de tecnologia de ponta, parte achaques, sequestro de valores e outros problemas comuns para Fernandinho Beira-Mar, e não para Jeff Bezos (fundador e presidente da Amazon).
Assim como algumas Farcs começaram a guerrilha por ideologia, mas passaram a sequestrar para se manter, o criador do site abriu a empresa em nome de um ideal libertário, mas, no fim, transformou-se em uma versão nerd de Tony Soprano.
A história tem seu desfecho quando as diferentes polícias deixam de bater cabeça e o FBI faz a prisão de Ulbricht em San Francisco, onde ele havia ido morar.
UM GÊNIO, só que não
Embora pudesse levar a uma reflexão sobre como lidamos com o comércio de drogas -afinal, essa é também uma época de legalizações pontuais, novas tentativas de abordar o problema feitas por Estados etc.-, o relato do jornalista Nick Bilton prioriza o anedótico.
Num esforço inútil, o autor tenta tornar Ulbricht e os personagens com quem convive em pessoas interessantes.
Ulbricht é apresentado como um gênio, embora tenha sido enganado sucessivas vezes, algumas de forma primária (os homicídios encomendados por ele não foram levados a cabo, só encenados), e não tenha pensado em apagar inúmeras conversas incriminadoras, que, aliás, serviram para condená-lo.
Gastam-se muitas páginas na descrição de um relacionamento amoroso sabor creme (sem açúcar) com uma colega de universidade que não leva a nenhum lugar.
Talvez a história do Silk Road ganhe um registro em livro que desvele os meandros da idealização de um negócio milionário e ilegal cuja prática foi viabilizada pela tecnologia. "American Kingpin" não consegue fazer isso.