Folha de S. Paulo


Crítica

Livro apresenta criador de site que vendia drogas e armas

Reprodução
Ross William Ulbricht, criador do site Silk Road, que vendia drogas pela internet
Ross William Ulbricht, criador do site Silk Road, que vendia drogas pela internet

Sites de "marketplace" são uma espécie de classificados: qualquer um pode anunciar seus produtos neles. Quando acontece uma transação, a página ganha uma porcentagem do pagamento.

Não é novidade hoje, nem era uma em 2011, quando um ex-mestrando de bioquímica do Texas que largou o curso no meio resolveu lançar seu "marketplace", que ele batizou de Silk Road.

A diferença é que esse era um portal em que os anunciantes vendiam drogas, que eram enviadas pelo correio.

Ross Ulbricht, o fundador e gerenciador do site, foi preso, julgado e deverá ficar na cadeia até morrer.

O livro "American Kingpin" (ainda sem tradução em português) conta sua história e do site que ele criou e coordenou durante seus dois anos e meio de funcionamento.

Ulbricht é de uma família de classe média alta, formou-se físico e engatou um curso de ciências na Universidade da Pensilvânia. A relação dele com drogas era casual: às vezes fumava maconha.

No mestrado, se encantou pelos ideais libertários (resumidamente: Estado não deve interferir na vida das pessoas). Formou a convicção de que indivíduos devem ser livres para consumir o que quiserem, e, depois, abriu o site.

O Silk Road decolou depois de um artigo no "Gawker". A promessa era comprar drogas sem ter de lidar com traficante de rua e ter ferramentas para avaliar vendedores.

Deu certo. O site cresceu e gerou milhões de dólares ao seu criador (segundo o FBI, Ulbricht tinha US$ 28 milhões em bitcoins ao ser preso).

Depois de drogas, os usuários do Silk Road começaram a comercializar armas.

Em seguida, foram os órgãos humanos -afinal, segundo os libertários, se alguém quer vender um rim, o problema é só dessa pessoa.

O Silk Road se beneficiou ao levar vantagens da internet, como o anonimato, à economia ilegal.

Não só os traficantes tradicionais não usavam esse meio mas as autoridades não sabiam como combater um "marketplace".

Diversos órgãos de polícia começaram a investigação, e demorou para que eles entrassem em sintonia.

Como não poderia deixar de ser, as coisas saíram do controle. Logo Ulbricht estava ameaçando funcionários e outras pessoas (que via como fontes de riscos) e encomendando assassinatos.

O dia a dia do negócio era parte empresa de tecnologia de ponta, parte achaques, sequestro de valores e outros problemas comuns para Fernandinho Beira-Mar, e não para Jeff Bezos (fundador e presidente da Amazon).

Assim como algumas Farcs começaram a guerrilha por ideologia, mas passaram a sequestrar para se manter, o criador do site abriu a empresa em nome de um ideal libertário, mas, no fim, transformou-se em uma versão nerd de Tony Soprano.

A história tem seu desfecho quando as diferentes polícias deixam de bater cabeça e o FBI faz a prisão de Ulbricht em San Francisco, onde ele havia ido morar.

UM GÊNIO, só que não

Embora pudesse levar a uma reflexão sobre como lidamos com o comércio de drogas -afinal, essa é também uma época de legalizações pontuais, novas tentativas de abordar o problema feitas por Estados etc.-, o relato do jornalista Nick Bilton prioriza o anedótico.

Num esforço inútil, o autor tenta tornar Ulbricht e os personagens com quem convive em pessoas interessantes.

Ulbricht é apresentado como um gênio, embora tenha sido enganado sucessivas vezes, algumas de forma primária (os homicídios encomendados por ele não foram levados a cabo, só encenados), e não tenha pensado em apagar inúmeras conversas incriminadoras, que, aliás, serviram para condená-lo.

Gastam-se muitas páginas na descrição de um relacionamento amoroso sabor creme (sem açúcar) com uma colega de universidade que não leva a nenhum lugar.

Talvez a história do Silk Road ganhe um registro em livro que desvele os meandros da idealização de um negócio milionário e ilegal cuja prática foi viabilizada pela tecnologia. "American Kingpin" não consegue fazer isso.

AMerican Kingpin
QUANTO: R$ 32,55 (LIVRO DIGITAL; 343 PÁGS.)
AUTOR: NICK BILTON
EDITORA: PORTFOLIO


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