Folha de S. Paulo


Pequenas grifes se destacam com peças básicas e pegada ambiental

Keiny Andrade/Folhapress
Sao Paulo - 11.05.2017 - ESPECIAL MPME MODA - Retrato da estilista Flávia Aranha, que só utiliza matéria-prima sustentável, em sua loja e atelie onde faz tingimento de tecidos com materiais como café, cebola, urucum, entre outros. Foto: KEINY ANDRADE/FOLHAPRESS
Flávia Aranha em seu ateliê na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo

O que atrai um consumidor de moda saturado de novidades semestrais? Ao que parece, o oposto: menos informações e revoluções.

Dos nichos nos quais o mercado de pequenas marcas se desenvolve, empresas que apostam em peças essenciais e produção sustentável têm obtido resultados melhores, em meio a um mercado que caiu 6,2% no ano passado.

É o caso da Básico.com. Peças de linho e algodão, principais matérias-primas da grife do casal Daniel Cunha e Dedé Bevilaqua, são vendidas com 150% de lucro.

O negócio, que começou há dois anos com um investimento de R$ 1 milhão, encerrou 2016 com faturamento de R$ 5 milhões, cobrando um tíquete médio de R$ 200.

A marca não trabalha com sazonalidade de estações, tem a internet como principal ferramenta de vendas e apenas três lojas próprias. A mais recente abriu no início deste mês, na Vila Madalena.

"O segredo foi achar os parceiros ideais. Encontramos o algodão no Peru e o linho conseguimos de um fornecedor em São Paulo", conta Cunha.

O caminho mais rápido para crescer, diz ele, seria abrir quatro ou cinco lojas em centros comerciais, mas uma das estratégias da Básico foi manter a expansão restrita a pequenos pontos em espaços enxutos, como um anexo do restaurante Chez Oscar, nos Jardins (zona oeste).

"Atingimos consumidores atentos ao produto, que pagam mais caro por itens básicos mas também entendem que nada substitui o toque e a modelagem. Diminuindo o custo de operação, não caímos na tentação de sacrificar a qualidade para conseguir um preço baixo, maior erro das grifes", afirma Cunha.

CONSCIENTE

Os sócios Rodrigo Ootani, Marcelo Collis e Paulo Moreira investiram em roupas e acessórios que preencham o vácuo de roupas simples deixada pelo varejo. O foco é no mercado masculino.

Sócios da Oriba, eles representam uma fatia do setor que busca repensar os gostos do homem, mais atento ao caimento, à origem da peça e ao preço. Calças chino, camisas de algodão ou de flanela, camisetas e acessórios compõem o mix da etiqueta.

Com R$ 100 mil no bolso, eles criaram um e-commerce e fizeram algumas centenas de camisetas e camisas.

A primeira loja, em Pinheiros, foi aberta no ano passado. Em 2016, o pequeno negócio faturou R$ 400 mil, valor já repetido nos primeiros meses deste ano, que eles projetam fechar com R$ 2,5 milhões em vendas.

Ootani credita o sucesso da empreitada ao posicionamento da marca, focada em simplicidade e com propósito social. A cada produto vendido pela Oriba, um kit escolar é doado a crianças da comunidade de Paraisópolis, na zona oeste de São Paulo.

"O investimento em educação não é decisivo para a compra, mas faz com que o cliente, que valoriza o produto pelo preço e pela qualidade, compartilhe a ideia com os amigos", explica.

Das 3.500 peças vendidas no ano passado, metade são camisetas cortadas com modelagem que vão do P, em variações curta e longa, ao GG, nas mesmas proporções.

Segundo o empresário, a opção por vender dois comprimentos de um mesmo tamanho tem a ver com a diversidade do corpo dos homens.

APELO SOCIAL

O ponto de intersecção dos novos modelos de negócio no mercado do vestuário é a preocupação com a pesquisa de matéria-prima. As grifes de maior êxito na praça demonstram preocupação com a sustentabilidade, seja por viés social, seja por ambiental.

A designer Flávia Aranha se tornou expoente dessa leva quando decidiu, em 2008, investir R$ 80 mil em uma marca ecologicamente correta quando o segmento significava vender roupas com pinta de hippie.

Ela foi em busca de parcerias com comunidades e empresas para montar um negócio que usa algodão orgânico, tingimento natural, matéria-prima reciclada e seda reaproveitada -no caso dela, pela tecelagem O Casulo Feliz, do Paraná, referência no trato de casulos descartados de bichos-da-seda.

A pequena confecção virou loja e cresceu 200%. Em 2016, a marca Flávia Aranha faturou R$ 2,3 milhões.

"É importante reinvestir os lucros em pesquisa de novas técnicas e ter a preocupação de oferecer um produto de moda, sem os clichês dos tons de cru e das modelagens amplas", diz a estilista.

De olho no mercado masculino, ela lançou a linha José, uma extensão de sua coleção feminina. No próximo ano, o novo rebento ganhará casa própria.

Aranha investirá R$ 300 mil até o fim de 2017 para criar uma lavanderia industrial e sustentável, que deverá diminuir pela metade o tíquete médio de R$ 500 das suas peças. Quanto mais gente puder comprar, mais a ideia e a marca se desenvolvem".

Nos fundos da loja ela já faz testes com pigmentos naturais e fibras, retirados de cascas e plantas. "As pessoas esperam comprar o discurso de quem cria. Numa empresa de moda, o lucro é proporcional a essa relação, que nunca pode ser só financeira."


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