Folha de S. Paulo


Operação policial põe sob suspeita apoio do BNDES à expansão da JBS

Ueslei Marcelino - 21.mar.2017/Reuters
Unidade da JBS no Paraná; empresa descarta demissões de funcionários por enquanto
Unidade da JBS no Paraná

A Polícia Federal deflagrou nesta sexta (12) a Operação Bullish, uma investigação sobre suspeitas de irregularidades na maneira como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) aprovou investimentos de R$ 8,1 bilhões na expansão da JBS, maior processadora de carne do mundo.

A JBS é controlada pela J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, e foi alvo de outras ações policiais nos últimos meses, que levantaram suspeitas sobre financiamentos com recursos do FGTS e de fundos de pensão e relações da empresa com políticos.

Wesley foi levado para depor em São Paulo. Joesley, que também foi alvo de mandado de condução coercitiva, não compareceu à delegacia porque estava nos Estados Unidos nesta sexta.

DONO DA JBS
Outros trechos da entrevista com Joesley

Também foram expedidos mandados de busca e condução contra o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, que se encontra na Europa. Tanto ele quanto Joesley devem depor na próxima semana, quando voltarem ao país.Além de Coutinho, cerca de 30 funcionários do banco estatal estão sob investigação.

Para os investigadores, eles podem estar envolvidos em possível gestão temerária por desvio de finalidade e desperdício de recurso público. Alguns são suspeitos de realizar avaliação de operações complexas em tempo muito curto e sem análise aprofundada das empresas.

Em nota, a JBS afirmou que não recebeu nenhum favorecimento do BNDES e todas as operações respeitaram a legislação e as regras de mercado.

Um exemplo de desvio de finalidade citado pela PF é a desistência da compra da americana National Beef pela JBS sem que a empresa devolvesse recursos ao BNDES.

Em abril de 2008, o BNDES concedeu R$ 995,8 milhões para a JBS tentar comprar as empresas National Beef, Smithfield Beef e Five Rivers.

O contrato estabelecia que o banco pagaria pelos papéis da JBS a média dos últimos 90 pregões (R$ 5,90 por ação), acima dos R$ 4,74 da Bolsa na época. A regra foi alterada para a média de 120 pregões e assim o valor subiu para R$ 7,07.

A troca teria levado a um prejuízo de R$ 163,5 milhões. Segundo relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) usado na investigação, a operação era "arriscada" e foi aprovada em apenas 22 dias. A JBS desistiu da aquisição da National Beef, mas não devolveu o dinheiro do BNDES, como previsto em contrato. Guardou os recursos para futuras aquisições. Para a PF, houve desvio de finalidade.

Após desistir da National Beef, JBS pediu para incluir a compra da australiana Tasman, realizada um ano antes, como um dos objetivos do investimento feito pelo BNDES.

Para a PF, o BNDES usou premissas equivocadas para calcular o valor dos papéis da JBS e pagou mais do que devia. As aquisições foram feitas pelo BNDESpar, braço de investimentos do banco.

Apesar de não ter sido alvo de medidas, o ex-ministro Antonio Palocci, preso em Curitiba, é citado pela PF e pelo Ministério Público na representação que deu origem à operação. Palocci negocia acordo de delação premiada com a Operação Lava Jato.

Em novembro, a revista "Veja" informou que a PF suspeitava que Palocci estivesse por trás de um aporte de R$ 3,5 bilhões do BNDES na JBS. De acordo com os investigadores, a empresa de consultoria do petista recebeu pagamentos da JBS nesse período.

O juiz Ricardo Leite, da 10ª vara da Justiça Federal em Brasília, que autorizou a operação, disse em seu despacho que "não há indícios de conluio ou negociata" na aquisição de ações da JBS pelo BNDESPar e negou pedido de prisão dos donos da empresa.

OUTRO LADO

O grupo JBS disse que não foi favorecido em nenhuma operação financeira envolvendo a BNDESPar. Em nota, afirmou que "sempre pautou o seu relacionamento com bancos públicos e privados de maneira profissional e transparente".

"Todo o investimento do BNDES na companhia foi feito por meio da BNDESPar, seu braço de participações, obedecendo às regras de mercado e dentro de todas as formalidades", afirmou.

A companhia disse ainda que os investimentos são fiscalizados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

"Todos os atos societários advindos dos investimentos da BNDESPar foram praticados de acordo com a legislação do mercado de capitais brasileiro, são públicos e estão disponíveis nos sites da CVM e de relações com investidores da JBS."

Em nota na manhã desta sexta-feira (12), o BNDES informou que está buscando informações sobre a operação da Polícia Federal e dando apoio aos seus empregados. "O BNDES colabora com as autoridades na apuração."

Após pressão dos funcionários, a presidente do banco, Maria Silvia Bastos Marques, declarou durante a tarde que tem confiança "na probidade e na capacidade técnica" dos trabalhadores da instituição.

"Nossa confiança nos nossos empregados e nosso interesse como instituição é que, se houver alguma questão, que seja esclarecida. Neste momento, o que queremos passar é nossa confiança nos nossos empregados", disse.

Ela estava em Brasília para a cerimônia de um ano do governo Michel Temer quando a PF deu início à operação. De tarde, já na sede da empresa do Rio, se reuniu com os funcionários que foram alvo de condução coercitiva.

"Estão todos empenhados no esclarecimento do seu papel [na aprovação dos financiamentos], que é técnico."

A defesa do ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho afirmou, em nota, que ainda não teve acesso aos autos, "mas tem convicção de que demonstrará, ao longo do processo, a lisura de todas as ações realizadas durante sua gestão".

"Luciano Coutinho vem a público afirmar que todas as operações com a JBS foram feitas dentro da mais absoluta regularidade", diz o texto. Ele foi o presidente que comandou o BNDES por mais tempo, permanecendo por nove anos à frente do banco.

"Coutinho está absolutamente tranquilo e encontra-se no exterior em compromisso profissional previamente agendado, regressando ao Brasil no começo da semana que vem, quando poderá prestar todos os esclarecimentos pertinentes sobre o caso", disse sua defesa.

Editoria de Arte/Folhapress
VALE ESTE Operações sob suspeita

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UMA APÓS A OUTRA
Grupo J&F, que controla a JBS, já foi alvo de quatro operações da PF

jul.2016
Operação Sépsis
> Suspeita de que a Eldorado Celulose, do grupo J&F, teria pago propina para obter recursos do fundo de investimentos do FGTS. A PF realizou buscas na sede do grupo e na casa de seu dono, Joesley Batista, em SP

set.2016

Operação Greenfield
> Eldorado Celulose é suspeita novamente de ter recebido recursos irregulares de fundos de pensão. Justiça determina que Joesley e seu irmão Wesley Batista se afastem dos cargos de chefia

jan.2017
Operação "Cui Bono?"
> J&F é suspeita de ter se beneficiado de um esquema de concessão de créditos pela Caixa Econômica Federal, devido a uma troca de mensagens entre Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, então executivo da Caixa, sobre pedidos de empréstimo ao grupo

mar.2017
Operação Carne Fraca
> JBS, da J&F, é suspeita de pagar fiscais do Ministério da Agricultura em troca da liberação de certificados sem que fosse realizada fiscalização


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