Folha de S. Paulo


Abstenção de tucano marcou derrota de FHC por um voto para mudar INSS

Marcus Leoni - 20.set.2016/Folhapress
O ex-presidente tucano, Fernando Henrique Cardoso, em entrevista
O ex-presidente tucano, Fernando Henrique Cardoso, em entrevista

Um voto. Foi o que faltou para o então presidente Fernando Henrique Cardoso conquistar o feito de estabelecer a idade mínima para aposentadoria no Brasil.

A fatídica votação da Câmara que derrubou o eixo central da reforma do ex-presidente tucano completa 19 anos neste fim de semana.

O episódio é lembrado até hoje não só pelo placar apertado e pela relevância do tema, mas também pelo principal personagem.

REFORMA DA PREVIDÊNCIA
As mudanças propostas na aposentadoria

O então deputado Antonio Kandir (PSDB-SP), que havia deixado o comando do ministério do Planejamento semanas antes, apertou o botão de abstenção na votação da proposta, considerada crucial pelo governo FHC.

Apesar de outros aliados terem traído o Palácio do Planalto, foi a atitude dele que ficou conhecida por derrubar a idade mínima.

A explicação do parlamentar, na época, foi a de que ele havia se enganado e errado o voto. Ele não fez, contudo, a correção antes da totalização dos votos, como fizeram outros 17 parlamentares.

Nos bastidores, deputados governistas e de oposição disseram que ele tinha certeza de que o governo aprovaria com folga a reforma, tendo preferido, com isso, recorrer à abstenção para não se desgastar politicamente.

Em discurso após a votação, FHC assumiu a versão de "equívoco", mas disse: "Peço aos que se equivocaram para não se equivocar mais".

No segundo volume dos Diários da Presidência, o ex-presidente reclama da dificuldade de fazer mudanças na área de Previdência.

Avalia como "um pouco injusto" Kandir levar a culpa, quando outros governistas faltaram à votação.

"[...] Não se pode dizer que era o objetivo do Kandir votar contra o governo. Portanto, é difícil julgar só os objetivos; é preciso julgar aquilo que está expresso."

A Folha tentou contato com Kandir durante as últimas semanas, inclusive por meio de ex-correligionários, mas não conseguiu falar com o ex-ministro.

Em 1998, ele divulgou uma nota em que culpa o sistema da Câmara, mas diz também que o estabelecimento de uma idade mínima só teria efeito financeiro em 30 anos.

Aos 71 anos e deputado há 30, Arnaldo Faria de Sá foi contrário às sucessivas reformas previdenciárias patrocinadas pelos governos de FHC (1995-2002), Lula (2003-2010), Dilma Rousseff (2011-2016) e Michel Temer.

E estava na sessão do dia 6 de maio de 1998.

"Passei por todas essas reformas, é tudo a mesma ladainha, são reformas financeiras travestidas de reforma social. Mas a pior reforma de todas é essa, a atual, ela desmonta o sistema de Previdência Social. Faz o jogo descarado das empresas de previdência privada", afirma.

LÁ E CÁ

Quase duas décadas depois, o Brasil ainda é um dos poucos países onde é possível se aposentar sem um piso de idade.

Agora, o Congresso enfrenta a proposta de reforma da Previdência do presidente Michel Temer, que estabelece idades mais altas.

A proposta da década de 1990 estabelecia idades de 60 anos (homem) e 55 (mulher) para os que ainda entrariam no mercado. O texto que está na Câmara hoje é mais duro: coloca mínimo de 65 anos (homem) e 62 (mulher) que já estão estão ativos no mercado de trabalho, criando regras de transição.

Outro ponto em comum entre as duas reformas é o elenco. Temer, agora autor da reforma da Previdência, chegou a ser relator do texto de Fernando Henrique e, pouco tempo depois, se tornou presidente da Câmara.

Também em seus diários, FHC afirma que o hoje presidente da República cedeu "além de todos os limites" nas negociações da época e desfigurou a sua proposta.

Mais uma figura que se repete na articulação política para aprovação de regras mais rígidas para a Previdência é Eliseu Padilha, ministro dos Transportes em 1998 e atual chefe da Casa Civil.


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