Folha de S. Paulo


Repúdio a Doria marca ato da Força Sindical em SP

"Lave sua boca", "o que você fez foi cretinice", "vagabundo é você".

A irritação com o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), deu o tom dos discursos políticos no ato de 1º de Maio da Força Sindical, na zona norte de São Paulo.

Líderes sindicais se revezaram no palco para criticar Doria, que chamou de "vagabundos" os grevistas da paralisação geral de sexta-feira (28).

O prefeito afirmou que "pessoas corretas não apoiam" a greve, que teria "apenas um grande perdedor: a população que trabalha, honesta".

"Jamais vamos admitir que a CLT seja rasgada. Não somos playboizinhos que andam por aí se fingindo de trabalhadores", afirmou Paulo Ferrari, representante dos trabalhadores em edifícios e condomínios de São Paulo.

Eunice Cabral, presidente do Sindicato das Costureiras, se disse "indignada, indignada, indignada por conta de um prefeitinho chamar nós, trabalhadores, de vagabundos".

Ela lembrou que Doria, em campanha pela Prefeitura, foi a eventos da Força em 2016. A lua de mel eleitoral acabou. "Não somos vagabundos na hora de ir pedir voto para você. Nos respeite, lave sua boca antes de nos chamar de vagabundos."

O deputado estadual Ramalho da Construção ressaltou que compartilha o partido, PSDB, mas não as ideias de Doria.

"Que coisa mais feia retirar flores da mão da senhora e jogar no lixo... Pra quem prega uma cidade linda, você está errado. Veio aqui pedir votos antes. Venha hoje se desculpar pelo ridículo que você fez. Sou do PSDB, mas não concordo com uma cretinice dessa natureza."

No domingo (30), o prefeito jogou no chão flores que recebeu de uma manifestante ciclista, quando saía de carro.

A presença de Doria chegou a ser cogitada, embora o evento não constasse na agenda do prefeito. Minutos antes do tucano ser defenestrado por sindicalistas, Marrone, da dupla Bruno e Marrone, arriscou no palco: "o Doria é um cara legal, né?". A plateia não se empolgou.

Em resposta às críticas recebidas na manifestação, Doria respondeu na tarde desta segunda que repudia "os que agridem, os que impedem outros trabalhadores de trabalhar".

"Na sexta, quiseram impedir o meu trajeto para o trabalho, como fizeram com milhares de pessoas. Mas não conseguiram. Eu acordo cedo, trabalho muito e respeito quem faz o mesmo. Tem o meu repúdio os que agridem, os que impedem outros trabalhadores de trabalhar. Os que destroem a cidade, xingam e intimidam adversários de ideias", afirmou.

TEMER

Presidente da central anfitriã da festa, o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho da Força, poupou Doria em seu discurso.

Seu alvo era outro: o presidente Michel Temer.

Seu partido, o Solidariedade, integra a base governista, e Paulinho foi um dos mais entusiasmados defensores do impeachment de Dilma Rousseff –na votação da Câmara, em abril de 2016, adaptou "Para Não Dizer que Não Falei das Flores", de Geraldo Vandré, ao votar pela destituição ("Dilma, vai embora que o Brasil não quer você/Leve o Lula junto e os vagabundos do PT").

O repúdio às reformas previdenciária e trabalhista, bandeiras do atual governo, mudou os humores.

Segundo Paulinho, Temer age como se fosse "dono do Brasil", e "não é". Agora corre o risco de passar por uma "dilmalização", ou seja, se transformar na próxima Dilma, "aquela pessoa má que todo Brasil odeia".

Contra as reformas deste híbrido "Michel Rousseff", as centrais sindicais podem marcar uma nova greve geral, disse.

Ainda que em polos partidários opostos (a CUT se alinha ao PT), as centrais se uniram para combater as reformas. O deputado afirmou que deve se reunir com outros líderes sindicais na quarta (3), e não mais no dia 8, como combinado antes. "Até lá podem tentar aprovar esta porra de reforma [previdenciária]."

As propostas de Paulinho vão contra a maré governista. Ele sugere, por exemplo, que a idade mínima para se aposentar seja de 58 anos para mulheres e 60 para homens. A equipe econômica de Temer defende piso de 65 anos para todos.

FESTA

Em 2017, a Força realiza sua 20ª festa para o Dia do Trabalho. A Força estimou a presença de 700 mil pessoas no Campo de Marte. A Polícia Militar não dimensionou o público, mas bombeiros que trabalhavam no local falavam em 200 mil.

O que teve: sorteio de 19 Hyundai HB20 0 km (para concorrer, bastava responder no cupom "qual é a central sindical que faz o maior 1º de Maio do mundo?"); sertanejos sensação, como Michel Teló e as duplas Maiara e Maraisa e Zezé Di Camargo e Luciano ("só tem top!", dizia o mestre de cerimônias); distribuição de trufas da Cacau Show; patrocínio de Hyundai, banco BMG e governo federal. Custo estimado, segundo Paulinho: R$ 2,5 milhões.

O que não teve no ato da Força: convidados como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), estrelas da festa de 2015 e hoje num inferno astral político patrocinado pela Lava Jato.

O próprio Paulinho está na lista de investigados pelo Supremo Tribunal Federal.

Entre as suspeitas que pairam sobre ele: segundo delação de ex-executivos, a Odebrecht bancou eventos do Dia do Trabalho organizados pela Força. Em troca de pagamentos, o sindicalista também teria ajudado a empreiteira a desmobilizar greves nas regiões Norte e Nordeste.

"Nenhum problema. Foi um patrocínio como o de qualquer outra empresa", afirmou Paulinho sobre o suporte financeiro da Odebrecht.


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