Folha de S. Paulo


Livro propõe ajuda financeira a país que recebe refugiados

Thomas Coex/AFP
Crianças refugiadas sírias no campo de Zaatari, na Jordânia, onde vivem 80 mil pessoas em alojamentos improvisados
Crianças refugiadas sírias no campo de Zaatari, na Jordânia, onde vivem 80 mil pessoas em alojamentos improvisados

Foi na segunda-feira, 20 de abril de 2015, que a Europa enfim despertou para a crise mundial de refugiados. Jornais de todo o continente publicaram reportagens macabras sobre a morte de mais de 800 refugiados que estavam em busca de asilo, depois do naufrágio do barco que os transportava, ao largo da costa líbia. Políticos apelaram por ação, mas o problema só se agravou. Mais de um milhão de refugiados chegaram à Europa naquele ano, primeiro atravessando o Mediterrâneo em embarcações precárias e em seguida percorrendo o continente a pé, a caminho da Alemanha.

Naquele mesmo mês de 2015, dois acadêmicos da Universidade de Oxford, Alexander Betts e Paul Collier, visitaram o campo de refugiados de Za'atari, na Jordânia. A situação lá era sinistra, com cerca de 80 mil pessoas vindas da vizinha Síria vivendo em alojamentos improvisados e dependentes da caridade alheia. Bem perto do campo de refugiados, no entanto, existia uma zona econômica especial estabelecida pelo governo da Jordânia a fim de produzir bens de exportação.

"Imaginamos qual poderia ser o potencial se os refugiados fossem autorizados a trabalhar ao lado dos cidadãos jordanianos na zona econômica especial", escrevem Betts e Collier em "Refuge: Transforming a Broken Refugee System" [refúgio: como transformar um sistema de refugiados que não funciona]. Será que poderia haver um acordo que ajudasse tanto os refugiados quanto a economia da Jordânia, e ao mesmo tempo oferecesse incentivo suficiente para que pessoas em campos semelhantes desistissem de tentar a perigosa jornada rumo à Itália ou Grécia?

A população mundial de refugiados é formada por 21 milhões de pessoas, hoje, o maior número desde 1945, e a tendência é de que cresça. A maioria daqueles que chegam à Europa são sírios, um total de cinco milhões dos quais fugiram da guerra civil em seu país. Mas eles têm a companhia de número cada vez maior de afegãos, somalis e pessoas de outras nacionalidades, todas vítimas de uma onda de violência e instabilidade que provavelmente demorará a recuar.

Ainda que a chegada deles tenha criado pânico nos países ricos, a vasta maioria dos refugiados vive em países em desenvolvimento, onde lhes é oferecida o que os autores descrevem como uma "escolha impossível", entre "permanecer por longos períodos em campos de refugiados, viver em penúria urbana ou arriscar jornadas perigosas". Os campos de refugiados continuam a ser a resposta preferencial das organizações assistenciais, ainda que metade das pessoas que chegam a eles terminem vivendo nesses locais por duas décadas ou mais. A maioria dos refugiados escolhe a segunda opção, e se encaminha a cidades de países como a Turquia ou o Líbano para buscar empregos ilegalmente.

Essa escolha é a peça central da solução proposta pelos autores, que é a de permitir que refugiados se empreguem legalmente o mais perto possível de seus países de origem. Eles argumentam que o necessário é um acordo em duas partes. A primeira é que os países ricos doem mais dinheiro às nações em desenvolvimento próximas das áreas problemáticas. Em troca, os refugiados devem receber vistos de trabalho, permitindo que fiquem perto de seus países de origem, e que mais tarde retornem a eles.

Há muito de recomendável na ideia, especialmente o fato de que Betts, especialista em questões de migração, e Collier, economista, são parte daquela rara cepa de acadêmicos que busca resolver os problemas do planeta, e não simplesmente analisá-los. Os dois ajudaram a negociar o "Pacto da Jordânia", em 2016, sob o qual a União Europeia deu US$ 2 bilhões à Jordânia em troca da concessão de vistos de trabalho a 200 mil sírios, principalmente nas zonas de produção para exportação. A cadeia britânica de varejo Asda e o grupo sueco Ikea, que fabrica e vende móveis, participaram da experiência. A ideia é que mais empresas grandes sejam persuadidas a aderir a esforços semelhantes, o que permitiria usar o poder das cadeias mundiais de suprimento e o acesso a mercados ocidentais para ajudar as pessoas mais vulneráveis do planeta.

A proposta é engenhosa, embora mais controversa do que parece à primeira vista. Para começar, ela contraria o consenso liberal prevalecente de que os países ricos simplesmente deveriam admitir mais refugiados. Os autores criticam fortemente a chanceler [primeira-ministra] alemã Angela Merkel e seu discurso "wir schaffen das" (daremos um jeito), que levou centenas de milhares de refugiados a buscar a sorte na Europa, e causou reações fortemente adversas.

A experiência jordaniana ainda não apresenta resultados firmes, e fazer acordos semelhantes com outros países pode ser complicado. Os autores apontam para o sucesso de Uganda, que abriga meio milhão de refugiados e permite que todos eles trabalhem. Mas admitem que outros países que enfrentam problemas com refugiados, como o Quênia, continuam a se opor firmemente à concessão de vistos de trabalho, por medo de que isso só encoraje os recém-chegados a ficar.

Contornar essa resistência requer verbas generosas dos países desenvolvidos, o que não pode ser garantido em um momento de sentimentos muito negativos sobre a imigração. Também existe o risco de que os países mais ricos só participem dessa política porque ela oferece uma desculpa para que recusem entrada aos imigrantes que cheguem às suas fronteiras.

Levando tudo isso em conta, a crise mundial de refugiados parece insolúvel porque se mistura a questões mais amplas de globalização, migração e terrorismo. Mas o problema real é mais estreito. "Hoje, o mundo gasta US$ 75 bilhões anuais com os 10% de refugiados que chegaram a países desenvolvidos, e apenas US$ 5 bilhões com os 90% que continuam a viver em países em desenvolvimento", escreveram Betts e Collier. Se parte dessas verbas for transferida e algumas ideias mais criativas forem aceitas, certamente deve ser possível encontrar o começo de uma nova resposta.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

"Refuge - Transforming a Broken Refugee System"
QUANTO: R$ 56,30 (LIVRO DIGITAL; 254 PÁGS.)
AUTOR: ALEXANDER BETTS E PAUL COLLIER
EDITORA: ALLEN LANE


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