Folha de S. Paulo


Manifestações e greve criam 'zona fantasma' no centro de São Paulo

O centro de São Paulo viveu uma sexta-feira (28) atípica com a greve geral convocada pelas centrais sindicais contra as reformas previdenciária e trabalhista. A paralisação afetou inclusive o Brás, zona de comércio popular da capital paulista.

Lojas de roupas, cafés, cartórios e restaurantes não abriram ou demoraram muito a funcionar. As agências bancárias também não tiveram expediente (os caixas eletrônicos não foram abastecidos) e a orientação, segundo os bancários ouvidos pela Folha, foi a de suspender o atendimento à população. Também por falta de segurança, a Biblioteca Mário de Andrade não abriu nesta sexta.

"O movimento caiu 80% hoje", disse o escrevente Alexandre Alves Pereira, 42, do Cartório do 2º Ofício localizado na avenida São Luís.

A Força Sindical levou centenas às ruas do centro contra as reformas do presidente Michel Temer (PMDB). A manifestação pacífica durou cinco horas e chegou a fazer o "velório simbólico" do presidente com um caixão preto que continha escrito o nome dele..

"Não podemos permitir que uma luta que durou anos acabe numa canetada. Querem parcelar as férias e permitir um intervalo de almoço de apenas meia hora", disse Eunice Cabral, 64, presidente do sindicato das costureiras de Osasco e São Paulo.

DEPREDAÇÃO

No entanto, foi uma onda paralela de depredação que forçou os lojistas a interromperem os serviços nesta sexta no centro.

Orelhões foram arrancados do chão, pedras foram arremessadas contra a fachada de prédios e até bancas de jornais e revistas acabaram sendo atingidas por vândalos. A Polícia Militar usou bombas de gás lacrimogênio para dispersar os suspeitos.

Ao todo, 16 pessoas foram presas na cidade sob a suspeita da prática de algum tipo de vandalismo durante a greve geral. A polícia investiga se os casos estão articulados.

advogado Ivelson Salotto

Também houve um tumulto entre lojistas contra integrantes da FLM (Frente de Luta por Moradia), que foram acusados de participar das depredações. "Nosso movimento está na rua, mas é para lutar por nossos direitos. Nós não estamos aqui para roubar, saquear e nem quebrar nada", afirmou Erenilda Maria Santos, da FLM.

De acordo com o síndico Devanir R., 56, que trabalha no centro há dez anos, os empresários foram intimidados. "Um grupo passou por aqui e disse para os lojistas: eu acho bom vocês fecharem as portas."

O vendedor Edson Rodrigues Marques, 41, que trabalha numa loja de games no calçadão, também disse que a rotina dele e a de seus colegas foi a de "abrir e fechar" as portas da loja várias vezes "por medo de roubos."

Para o bancário Sebastião Maria, 51, que fazia panfletagem em frente a uma agência bancária no centro, o dia foi simbólico. "É um dia de luta contra o desmonte da Previdência, contra o fim da CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas], contra a lei da terceirização e contra a reforma trabalhista que só tiram os direitos de todos os trabalhadores."

O advogado Ivelson Salotto, que também é síndico do Rio Branco, um prédio no centro com 60 escritórios de advocacia, não compartilha da mesma opinião do bancário. "É um movimento que não leva nada em favor da sociedade trabalhadora e honesta. É um movimento de pequenos grupos que vivem do ócio. Isso precisa ser acabado senão não vamos ter sossego e nem paz social."

advogado Ivelson Salotto

VIDA NORMAL

Na periferia, onde muita gente mora perto do trabalho, os estabelecimentos comerciais abriram normalmente.

"Aqui muita gente consegue vir a pé. É o meu caso", disse Kerolyn Vascon, 31, que trabalha numa loja de roupas em Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo.

No bairro, o dia de greve teve uma cara de sábado, com muita gente que não conseguiu trabalhar aproveitando para fazer compras perto de casa. "Quem sabe a gente não vende mais?", disse Kerolyn.

Já os camelôs que vivem do movimento nos terminais e estações de trem não estavam tão esperançosos. A reportagem flagrou alguns voltando para casa devido ao fraco movimento.

Na estação Guaianases da CPTM, Josi do Carmo, 29, que tem uma banquinha de bolo e café, disse que o movimento só caiu ao longo do dia. "Por volta das 6h até tinha um pessoal esperando a estação abrir. Quando viram que ia ficar fechada mesmo, sumiram. Agora, o movimento está menor que nos fins de semana", disse ela no fim da manhã.

Apesar do prejuízo, Carmo afirmou estar preocupada com a reforma da previdência e que apoia a paralisação.


Endereço da página:

Links no texto: