Folha de S. Paulo


TCU e MPF estudam criação de fundo de reparação de danos às empreiteiras

Alan Marques - 21.jan.2015/Folhapress
Bruno Dantas participa de sessão do TCU
Bruno Dantas participa de sessão do TCU

O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas passou os últimos quatro meses negociando com os procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba (PR) um forma de declarar empresas inidôneas sem comprometer os acordos de leniência que já foram fechados com Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez.

Em entrevista à Folha, o ministro afirmou que, agora, os procuradores terão de encontrar uma forma jurídica que permita às empresas ressarcir a União integralmente pelos danos causados sem ter de lançar esses valores bilionários em seus balanços, algo que funcionaria como "sentença de morte", segundo as empresas.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

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Folha - O TCU condenou empreiteiras que participaram das obras de Angra 3. Elas foram declaradas inidôneas e terão de pagar R$ 1,6 bilhão. Isso não compromete as leniências das empresas com o MPF?
Bruno Dantas - Nunca foi a preocupação do MPF calcular com precisão quanto foi roubado dos cofres públicos em cada contrato superfaturado. Essa é uma missão do TCU. Foi isso o que eu disse aos procuradores [da força-tarefa em Curitiba] quando tivemos a última reunião na sexta-feira (17) e chegamos a um entendimento. Eu disse para eles que, do ponto de vista criminal, o acordo é irreparável.

Mas, do ponto de vista da missão legal do TCU, aquele acordo agrega pouco porque não impõe uma obrigatoriedade às empresas de pagar o que desviaram dos cofres públicos'. Quem vai dar a última palavra sobre isso é o TCU.

O MPF diz que ainda não fechou o acordo com o TCU.
O entendimento partiu dessas premissas: prestigiar, respeitar e, sobretudo, maximizar os efeitos da atuação do MPF. O MPF concordou com a preocupação do TCU de recuperar aquilo que foi desviado e se propôs a conduzir uma nova rodada de conversas com as empresas para que seja acrescido no acordo de leniência [já fechado] uma cláusula prevendo a colaboração não só com o MPF mas também com o TCU.

As empresas dizem que fecharam a leniência com o MPF porque já previa a quitação do dano, inclusive. Com as novas punições do TCU elas afirmam que poderão ir à falência. O senhor não se preocupa com isso?
É natural que as empresas esperneiem, que digam que já pagaram. Fiz questão de perguntar aos procuradores se, ao assinarem a leniência, deram quitação do valor do dano. Eles foram taxativos em afirmar que não. O que fizeram foi uma estimativa e esse valor que as empresas pagam é uma antecipação do valor [final] que terão de devolver que será calculado pelo TCU. Embora algumas empresas digam isso [que quitaram a conta], não é verdade. O MPF não deu quitação a elas e nunca disse que aquele era o último valor que teriam de pagar.

Só na usina de Angra 3, elas terão de pagar R$ 1,6 bilhão. Há diversas outras obras. De quanto seria a conta final?
Temos outros processos em andamento e cada um está com um ministro relator. Estima-se que o dano, contando multas e juros, seria de R$ 10 bilhões na refinaria de Abreu e Lima, na Repar também supera R$ 1 bilhão, em Pasadena mais R$ 3,3 bilhões. E ainda faltam Belo Monte, Comperj, refinarias Premium 1 e 2, dentre outras. Não dá para saber de quanto seria a conta total porque os casos vão sendo julgados à medida que chegam ao tribunal. E pode ser que, ao colaborarem com o TCU, as empresas que agora renegociam a leniência com o MPF também entreguem outras obras com irregularidades.

As empreiteiras, inclusive as que foram punidas com inidoneidade pelo TCU, estão com problemas de crédito e de caixa. Como podem pagar sem quebrar?
Quebrar a empresa é o fracasso maior de uma tomada de contas especial. Uma empresa quebrada é uma empresa que não vai devolver nada aos cofres públicos. Eu me pergunto qual a proposta delas: desejam anistia dos valores que roubaram? Pode-se até cogitar a exclusão ou redução de sanções acessórias, mas o valor do dano é inegociável. Admite-se a exclusão de juros e da multa de 100% do valor do dano, pode-se pensar em um parcelamento, mas não se pode mexer no valor do dano.

Mas como saber a capacidade de pagamento dessas empresas?
Uma auditoria independente fará os cálculos e será acompanhada pelo TCU. Vai ser definido quanto as empresas podem pagar por ano. Elas precisam ter faturamento [preservado] para ressarcir a União e, de preferência, da maneira mais rápida possível. Não basta punir mandando para a prisão os corruptos, que é o papel do MPF. O pagamento tem que ser no limite da dor. Não pode morrer, mas não pode ser indolor. Senão, terá valido a pena roubar. É preciso punir e mandar a mensagem de que o crime não compensa.

As empresas também reclamam que o TCU tenta açodá-las impedindo, via MPF, que contestem qualquer decisão do tribunal.
Colocamos isso para os procuradores [do MPF]. Tem de haver uma regra que as empresas sob leniência não fiquem discutindo, rediscutindo, e recorrendo infinitamente no TCU. Claro que ninguém vai proibi-las de apresentar seus argumentos. Mas identificado o valor do dano, as empresas que apresentem seu plano de pagamento.

Na decisão sobre Angra 3, o TCU admite que os valores definidos entre as empresas e o MPF sejam usados para abater o que agora elas devem ao TCU. Como isso vai funcionar na prática?
Estamos conversando com o MPF. Caso haja acordo entre o MPF e as empresas para que elas também colaborem com o TCU, uma das possibilidades é a de que esse valor que as empresas aceitaram pagar constitua um fundo para a reparação de dano. À medida que o TCU for condenando as empresas, os valores sairiam desse fundo. No caso de Angra 3, a Camargo Corrêa, por exemplo, acertou com o MPF pagar R$ 700 milhões. No TCU, ela foi condenada a cerca de R$ 100 milhões, valor de sua contraparte no consórcio [sete empreiteiras construíram a parte eletromecânica da usina]. Neste caso, a empresa poderia abater R$ 100 milhões do fundo até que ele zerasse. Depois disso, passaria a desembolsar novos valores [caso seja novamente condenada por outras obras].

Críticos do TCU dizem que o tribunal está se atribuindo mais poder do que deveria com essa decisão. O senhor concorda?
Estamos diante de um cenário jurídico novo para todas as instituições (MPF, Transparência e TCU). Embora superfaturamento de obras não seja algo novo no Brasil, a combinação de superfaturamento com a possibilidade de negociação de uma leniência impacta nas decisões do TCU. A lei que fundamenta nossas ações é a 8.443, de 1992. Não havia delação, nem leniência. Portanto, temos de nos adaptar para cumprir a nossa missão.

Com essa interpretação, o TCU não está enfraquecendo o MPF?
No final do ano passado, eu e outros ministros fomos procurados pela força-tarefa da Lava Jato de Curitiba. Estavam preocupados em como as decisões poderiam impactar as delações e as leniências. Sempre trabalhamos em cooperação, mas a atuação de um não pode significar que outras instituições vão simplesmente assistir seu trabalho. A partir das provas ali produzidas [no MPF], se percebeu a formação de cartel para fraudar licitações. A Lei Orgânica do TCU estabelece que, provada a fraude, o tribunal deverá declarar a inidoneidade das empresas por até cinco anos. Não é uma possibilidade. É impositivo. Mas o que fazer com as empresas que colaboraram com o MPF? Embora a Lei Anticorrupção fale que o Ministério da Transparência fará acordos de leniência na esfera administrativa, houve um silêncio legal no que se refere à esfera criminal. Coube ao MPF atuar aí. Se a Transparência tivesse feito os acordos, analisaríamos da mesma forma. No entanto, ela não fez e, portanto, foi com o MPF que tivemos de sentar para fechar um acordo. Tivemos a compreensão de que o trabalho da força-tarefa deve ser não só respeitado mas incentivado.

É por isso que o TCU aliviou a condenação para Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez?
Exatamente. Decidimos declarar a inidoneidade de quatro [UTC, Queiroz Galvão, Empresa Brasileira de Engenharia e Techint], que não colaboraram. Isso foi uma pena, não é recuperação do dano, que elas terão de pagar. Como as três colaboraram com o MPF terão 60 dias para renegociar seus acordos com o compromisso de ressarcir integralmente os cofres públicos.

E se não houver acordo, vale a inidoneidade aplicada às quatro que já foram condenadas?
Não. O TCU retomará o julgamento das três e aí vamos apreciar a pena.

Se as quatro declaradas inidôneas quiserem fechar acordos de leniência poderiam reverter a pena?
Sim. Foi uma forma de maximizar e de coordenar as ações entre TCU e MPF. Se isso ocorrer, o MPF nos comunica e nós podemos reapreciar a aplicação da pena.

Essa decisão esvazia bastante a atuação do Ministério da Transparência, não?
Os fundamentos legais são distintos. A Transparência declara inidoneidade com base na 8.666 (Lei de Licitações) tendo como hipóteses fraude à licitação e inexecução de contrato. O TCU declara a inidoneidade com base na Lei Orgânica 8.443 por fraude à licitação e superfaturamento de obras. Dois fundamentos para o mesmo fato. Existe regra de direito que ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato.

As empresas que foram beneficiadas pelo TCU poderiam ser punidas com a inidoneidade pela Transparência?
Hipoteticamente, sim.

Essa decisão do TCU tomada em Angra 3 será repetida nos processos conduzidos por outros ministros?
Certamente. Se estiverem presentes as mesmas circunstâncias, o tribunal vai aplicar o mesmo entendimento.


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