Folha de S. Paulo


Andrade deve ter quarto ano seguido de queda nas receitas

Ricardo Borges/Folhapress
Retrato de Ricardo Sena, presidente do grupo Andrade Gutierrez
Retrato de Ricardo Sena, presidente do grupo Andrade Gutierrez

As receitas da construtora Andrade Gutierrez ficaram em R$ 4,3 bilhões em 2016, quase a metade do que a empreiteira faturava antes de ser atingida pela Lava Jato.

Foi o terceiro ano consecutivo de queda. Em 2017, contudo, deve haver nova redução no faturamento, prevê Ricardo Sena, presidente do conglomerado que comanda a construtora e tem braços em construção e energia.

Diante do desempenho da empreiteira, principal divisão da Andrade, as receitas do grupo saíram de estimados R$ 14 bilhões em 2014 para R$ 8 bilhões no ano passado (cálculo "pro forma", que inclui faturamento da construtora e receitas das companhias investidas).

ENTREVISTA COM RICARDO SENA
Presidente da Andrade Gutierrez fala sobre futuro da empreiteira e do país

Os donos da Andrade Gutierrez, herdeiros dos três fundadores da companhia, chegaram a discutir a hipótese de trazer um sócio para o grupo, capaz de injetar recursos enquanto a companhia traça estratégias para voltar a crescer.

Mas, segundo Sena, desistiu-se do plano por ora.

"Não posso ser vendedor, porque a mercadoria não está legal. Então prefiro arrumá-la e depois podemos ver. Não sei se é o objetivo. No curto prazo não é", conta Sena neste trecho da entrevista concedida à Folha.

O plano é aumentar a clientela da empreiteira no setor privado e no exterior, depender o menos possível do governo brasileiro, e vender ativos para melhorar o endividamento.

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Folha - Em 2015, a construtora teve uma queda de receita grande. E em 2016?
Ricardo Sena - Outra queda.

Mas vocês achavam que haveria estabilização.
A gente sempre acha que a coisa vai melhorar. Mas não tem melhorado. E aí não tem uma ligação exclusiva com problema da Lava Jato. É uma questão de economia do Brasil e no mundo. Deu uma desacelerada muito forte e tem uma característica que a gente está mudando, mas demora.

Quando falo de desaceleração, estou falando de infraestrutura, que sempre foi o nosso negócio. A chamada construção pesada e de infraestrutura. A gente está fazendo uma guinada, indo para o setor privado industrial. Infraestrutura também existe no setor industrial privado e nessas empresas que são intermediárias entre Estados e usuários —as concessões, as PPPs [parcerias público-privadas]. Mas isso está muito restrito. Não tem muita coisa privada [acontecendo].

É um desafio, porque eles nunca foram nossos clientes. Então, você tem de bater lá e o cara pensa: "pô, esse cara nunca fez isso". Então, você não consegue rapidamente entrar nesse mercado assim de maneira forte.

Tanto que, em 2015 e em 2016, teve queda. E em 2017 também vai ter. A gente quer que seja o último ano de queda, senão a gente acaba, fecha a porta e vai embora.

Qual foi o resultado de 2016 da construtora?
Trazendo para hoje [corrigindo pela inflação], foram R$ 10 bilhões de faturamento em 2014. Em 2015, também trazendo pra hoje, foram R$ 7,5 bilhões. Em 2016, foram R$ 4,3 bilhões.

Quanto disso já é setor privado?
Só não é a maioria, porque fora [do país] tem público. Mas no Brasil não temos mais obra pública. Zero.

Os acionistas não pensaram em chamar um investidor, um sócio para o grupo?
Já discutimos isso. Mas não é fácil. O ambiente é ruim. Ou você pode ouvir um não, ou ter uma depreciação do seu ativo. [É o risco do investidor] falar: "meu amigo, ajoelhado do jeito que você está, quero ser sócio para colocar R$ 1". Então, eu mesmo fico reticente quando eles falam. E digo: vamos devagar, vamos esperar passar essa fase. Para nós, é muito menos pelo dinheiro, mais por uma demonstração de alguém que põe dinheiro no negócio e acredita. Mas o ônus [potencial] é muito grande.

O risco é, em vez de um selo de confiança, dar a imagem de um pedido de socorro?
Sim, ser esse viés. Claro que, quando somos procurados, não recusamos. Não posso é ser vendedor, porque a mercadoria não está legal. Então prefiro arrumá-la e depois podemos ver. Não sei se é o objetivo. No curto prazo não é.

E o faturamento do grupo?
A construtora é 100% do grupo e o faturamento existe. Quando o controle é compartilhado, entra a conta de equivalência patrimonial. Eu não faturo na CCR. Nosso faturamento é basicamente a unidade de engenharia mais o que vem dos EUA [da empresa The Dennis Group], que é 81% nossa e a gente consolida. Lá, eles faturam US$ 400 milhões. Pode ter um ou outro negocinho pequeno. O Hospital Metropolitano de Belo Horizonte nós temos 51%, mas é marginal. O que a gente faz às vezes para mostrar o tamanho, a gente faz o pro forma [cálculo aproximado].

Em 2016, o pro forma foi quanto?
O que muda basicamente é engenharia. Fora isso, temos mais uns R$ 4 bilhões. Ano que vem esse número pode aumentar 3%, 4%.

Qual a sua situação de caixa?
Sem citar, mas, das empresas todas [grandes do setor], somos a única que tem mais ativo que passivo. Todas as outras têm mais dívida, e isso é estruturalmente complicado. Por isso mesmo, toda hora se fala em recuperação judicial, que é um jeito de se estancar a sangria. Nós, não.

Se somar os nossos ativos dá mais do dobro da divida. É uma questão. Queremos fazer a venda [de empresas] para gerar caixa e fazer outros investimentos. Principalmente fora do país. E para reduzir a dívida a um nível absolutamente pequeno em relação ao grupo. Também pela própria diminuição do grupo e ficar dentro da compatibilidade para poder crescer de novo sem nenhum risco.

É importante lembrar que, esse negócio de ter ativo maior que passivo é muito bom, mas se você não souber administrar isso... Você pode ter um apartamento que vale R$ 2 milhões e uma dívida de R$ 1 milhão. Mas, se você deixar para se desfazer dele em circunstâncias desfavoráveis, o apartamento pode valer só R$ 1 milhão. Com a faca no pescoço, você acaba... Cuidamos muito disso.

Qual sua dívida hoje?
A divida bruta do grupo é R$ 4,3 bilhões. Só a nossa parte na CCR vale R$ 5,8 bilhões na Bolsa. Com esses outros ativos, na soma temos mais de R$ 9 bilhões. Queremos pegar a dívida e diminuir para R$ 2 bilhões. Esse é o plano até o fim do ano.

Como entra a emissão de debêntures nisso [feita em janeiro deste ano]? Por que foi necessária?
Fizemos debêntures com Bradesco e Banco do Brasil de R$ 1,6 bilhão. Esse dinheiro não era para comprar picolé ou fazer investimentos. Todo ele era carimbado para pagar outras dívidas. Queríamos alongar a dívida, num empréstimo de seis anos. Tínhamos empréstimos picados. Fizemos um pacotão com os dois bancos que temos mais exposição. R$ 1,6 bilhão não era um número cabalístico. Era exatamente a soma dos empréstimos. Nós estávamos trocando dívida de várias empresas do grupo por uma dívida única na AGPar com prazo maior, de seis anos com três de carência.

Vocês já estavam sem dinheiro para pagar o curto prazo?
Era para não ter essa pressão de vender para pagar. Eu tenho dinheiro para pagar, mas aí eu teria que vender pelo preço que o cara quisesse pagar. Desse jeito, agora eu vendo no passo que eu quiser, na forma que eu quiser.

Além disso, temos um "bond" [títulos de dívida] emitido no exterior que vence no ano que vem e queríamos ter espaço na dívida para pagá-lo.

Nesse tipo de empréstimo, é comum você pagar uma parte e emitir outro. Não é incomum chegar no vencimento e fazer um proposta. Mas a gente não quer. Esse negócio [de "bonds"] gera muita exposição. Agência de risco [avaliando]. Aí cai o rating do Brasil e você também cai. Vamos pagar isso e ter dívida de tesouraria do banco, de longo prazo. Para a gente ter tempo e cabeça.

Então vocês não querem mais ter "bonds"?
Isso. Com esses desinvestimentos [venda de empresas do grupo, como Cemig, Contax e estádio Beira-Rio], basicamente só vai ter essa dívida de R$ 1,6 bilhão. Na CCR [empresa de concessões da qual a Andrade é sócia] não vamos mexer. E ter tempo para refazer. O problema nosso é a velocidade de retomada. Queremos que seja o mais rápido possível.


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