Folha de S. Paulo


Exagero dá impressão de que fraude é em toda carne, diz líder de associação

Pedro Ladeira/Folhapress
O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal, Francisco Turra
O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal, Francisco Turra

Ex-ministro da Agricultura e presidente da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), que representa produtores e exportadores de carne suína e de frango, Francisco Sérgio Turra afirma que a repercussão da Operação Carne Fraca, deflagrada na sexta (17) pela Polícia Federal, foi "exagerada" e deu a impressão de que a carne brasileira é toda fraudada.

"Foi muito forte esse discurso irresponsável, fruto de um levantamento ainda incompleto da própria operação [da Polícia Federal]", afirmou em entrevista à Folha.

Segundo ele, os produtores brasileiros mantêm padrões de qualidade elevados e as falhas identificadas pelas autoridades não pegam 0,5% do setor. Para Turra, os empresários brasileiros terão trabalho, mas será possível reverter o dano de imagem.

OPERAÇÃO CARNE FRACA
PF deflagra ação em grandes frigoríficos

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Folha - Há risco de enfrentarmos um problema de segurança alimentar?

Francisco Sérgio Turra - Não. Ao contrário, o Brasil está preparado para ser uma reserva de alimentos para o mundo. Estamos nos capacitando cada vez mais.

A operação colocou em dúvida a qualidade da carne produzida no Brasil. Como o setor planeja reagir?

O que tem de haver é um forte esclarecimento à população. Temos 99,5% do setor absolutamente em dia, oferecendo produtos saudáveis, dentro do padrão de conformidade aqui e lá fora. Nem 0,5% tem falhas.

As falhas detectadas pela operação precisam ser abolidas, os agentes envolvidos, punidos. Não é toda uma marca que está em jogo, não é toda uma empresa que está em jogo. São exceções pontuais envolvendo algumas marcas.

Não dá para a gente generalizar e vender a imagem de que tudo é ruim, de que tudo é corrupto, corrompido e corruptível. Para abrir mercado lá fora, a média tem sido de quase dez anos de luta. A maior injustiça do mundo é jogar na lata do lixo todo esse trabalho, denegrindo o esforço de muitos durante décadas.

A Polícia Federal identificou empresas oferecendo vantagens para afrouxar a fiscalização. Temos um problema no sistema de controle do país?

Há agentes do Ministério da Agricultura cumprindo seu dever e eles são a absoluta maioria. A imagem do Brasil, da proteína brasileira, é impecável lá fora. Temos 36% de toda a exportação mundial de frango. Exportamos carne suína para vários países.

Somos os maiores exportadores de carne bovina. É um absurdo nivelar tudo, generalizar, vender a ideia de que no Brasil nada presta, de que tudo é podridão, é errado, nada está na conformidade da lei. Quando é justamente ao contrário: somos o país que tem a melhor biosseguridade.

O que dá a certeza de que o sistema de inspeção funciona?

Além da proteção da nossa inspeção, somos submetidos à inspeção de vários outros técnicos de países importadores que vêm vistoriar o país continuamente. Esses acontecimentos atuais nos farão aprimorar ainda mais o nosso sistema de vigilância.

O senhor acredita que o estrago já tenha sido feito diante da repercussão da operação?

Os mercados lá fora questionarão e exigirão os esclarecimentos, mas acredito que estarão conosco tal é o conceito que o Brasil tem no exterior. Por exemplo: nós exportamos frango para o Japão e para a União Europeia e os americanos não conseguem entrar nesses mercados.

Vejo que o estrago está feito no sentido de que a imagem está arranhada e o mercado interno está cheio de dúvidas. Mas o fundamento nosso e a credibilidade se baseiam nas missões técnicas internacionais que vêm aqui, nos projetos de imagem, de trazer jornalistas de fora para conhecer nosso sistema e a cadeia toda.

No Brasil, para uma empresa se adequar à legislação, ela tem de cumprir a legislação ambiental, o codex alimentarius [conjunto de regras internacionais para produção de alimentos e segurança alimentar], estar em conformidade com todos os preceitos.

vídeo operação Carne Fraca

A PF investiga a BRF e JBS, mas a maior parte dos alvos são empresas de menor porte. A ABPA, em conjunto com a Abiec (produtores de carnes), já mapeou a fatia de mercado desses frigoríficos menores?

Na BRF e na JBS [donas das marcas Sadia e Friboi, respectivamente], trata-se de casos isolados. Não é a marca ou a empresa que falhou e praticou irregularidades. São agentes privados e públicos numa conivência criminosa, mas é algo bem pontual.

É uma amostra pequena, de uma ou outra unidade. A JBS tem 120 unidades no Brasil. A BRF tem 35. Aconteceu algum deslize e irregularidade em dois estabelecimentos aqui e um ali. Ou seja, é uma amostra muito pequena, um universo muito restrito dentro dessas empresas. Não se deveria macular a imagem delas. Matematicamente, é um absurdo condenar uma marca por isso.

No caso dos menores, a expressão é pequena. Não fizemos ainda esse mapeamento, mas diria diria com certeza que todos juntos têm fração extremamente pequena do mercado doméstico.

O Ministério da Agricultura trabalha com funcionários cedidos pelos frigoríficos. É regulamentado, mas não é um claro conflito de interesses?

Essa prática acontecia em maior escala no passado. Hoje já é até menor graças à luta toda. É uma prática que realmente não é bem-vista na União Europeia e em muitos mercados. Mas acontece, porque, para poder funcionar [a fiscalização], principalmente em regiões mais distantes, as empresas e os frigoríficos tiveram de ceder funcionários ao governo. Na ABPA, batemos muito na tecla da necessidade de ampliar o número de concursos para ficar menos promíscua essa relação.

O embaixador da União Europeia no Brasil falou da possibilidade de o bloco impor restrições à importação de carne. O setor deve sofrer sanções?

Acredito que a gente tenha argumentos sólidos para fazer com que isso não venha a acontecer. Mas é tão grande a generalização feita aqui no Brasil que atenta contra isso. Foi algo exagerado, dando a impressão de que carne brasileira é toda fraudada, nada é confiável. Foi muito forte esse discurso irresponsável, fruto de um levantamento ainda incompleto da própria operação [da Polícia Federal].

A operação é positiva. Nada contra ela, mas, na medida em que você deixa no ar algumas coisas, abre espaço para cada um tirar uma conclusão. Por isso, deveria haver um resultado rápido sobre quem errou e qual foi a prática e então punir os que estão envolvidos.

Qual o impacto para o Brasil caso a União Europeia decida restringir a importação?

Não é apenas o mercado europeu. É o efeito sobre os outros. A UE é referência. Nós exportamos para muitos países porque exportamos para a UE, que é um mercado exigente. Tem país que nem veio visitar o Brasil, mas você, se exporta para a União Europeia, eles dizem que então vão autorizar as mesmas unidades habilitadas pelos europeus.

Se tudo for posto agora e esclarecido agora, a sangria será muito menor e os esclarecimentos serão facilmente absorvidos. Quanto mais demorarmos para reagir, se esperarmos passivamente, mais prejuízo teremos. Temos de ser rápidos.

Os outros países produtores podem usar esse momento para bloquear a carne do Brasil ou tentar reduzir preços nas negociações?

Não acredito. Tenho segurança de que não vai haver retaliações. Dará trabalho, mas vamos reverter essa situação criada. [O estrago inicial] foi fruto de desinformação e de um equívoco.

Os encontros de hoje [domingo, 19] em Brasília mostraram que os representantes dos países que participaram da reunião com o presidente Michel Temer vão passar uma impressão de tranquilidade para seus países.


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